O valor do Metro
O metropolitano de Lisboa mostra muito do país que somos. É bonito, mas pequeno. Veloz, mas retorcido. Parece da cidade, mas quem manda nele não é a cidade. É também muito nosso na forma como cresceu, como não cresceu, e sem dúvida no eterno debate entre quanto custa e quanto vale. E quem paga.
Serviço público por excelência, demorou a chegar: em 1959, quase 100 anos depois do primeiro (Londres, 1863). Lisboa tinha quase um milhão de habitantes e enormes exigências de mobilidade. Mas lá chegou, primeiro estranhou-se e depois entranhou-se. Tornou-se um símbolo da nossa modernidade. Pequenina. Durante décadas teve apenas uma linha, linha e meia, de Alvalade a Sete Rios passando pelo Rossio, e uma perninha do Marquês a Entre Campos. As estações eram português suave, todas iguais, aquela pedrinha cinzento-verde. O metropolitano era, simplesmente, "o metro", epíteto mais que correcto. Entre 1972 e 1995 abriu em média uma estação em cada 4,6 anos, registo exemplar para a modernidade portuguesa. As suas estratégias eram (e continuam a ser) da total incompreensão do pobre e incauto cidadão, simples utilizador. Não ia ao aeroporto. Não chegava a Santa Apolónia. Não parecia preocupar-se com os crescentes subúrbios. Nem tampouco em construir uma estrutura radial, como outras cidades obviamente fizeram. E assim se manteve, singelo e discreto, mas muito nosso. Mais de dez anos depois do início da democracia, lá chegava à universidade.Vem então a Europa, os fundos, o cavaquismo, o guterrismo. E a Expo 98. Alegremente adolescentes, partimos para a valente festa, a Oriente. Uma linha totalmente nova saía agora da Alameda e, dobrando boas esperanças (em Chelas?), chegava à pós-modernidade. As linhas ganhavam nomes de gesta: Oriente, Caravela, Gaivota. A ressaca é grande, mas isso é outra história. O metro, entretanto, procurava ser metropolitano! Dirigindo-se para os "subúrbios": primeiro uma ponta na Pontinha; depois Odivelas e Amadora. O lisboeta lia nos mapas estações chamadas Senhor Roubado e Alfornelos, antigos poisos saloios agora plenos de urbanidade, e de gente. E conectando-se com os comboios, atingindo enfim Santa Apolónia e o Cais do Sodré. De aeroporto, ainda nada. Nem de outros locais importantes da cidade, as Amoreiras, Alcântara, a via onde mais lisboetas residem, a estrada de Benfica. O metropolitano mantinha-se semi-cosmopolita. Como o país.
Mas com grande arte. Em todo o mundo é difícil encontrar estações mais belas. Talvez as de Moscovo. As de Lisboa são magníficas obras de artistas como Maria Keil, Siza Vieira, Vieira da Silva, Júlio Pomar, José de Guimarães. Verdadeiros palácios ao lado (ou por baixo) do frenesim das nossas mundanidades. Palácios contemporâneos, do povo e para o povo, as estações do metro de Lisboa têm tudo para ser dos maiores orgulhos da cidade. Um orgulho caro: cada uma destas magníficas estações deve ter custado mais do que três ou quatro estações, decerto feias, de Londres, Madrid ou Paris. Mas assim somos.
Hoje, o belo e semimetropolitano metro tornou-se completamente democrático. Só não vê quem não anda nele. Grande catalisador da vida urbana, gentes de todas as classes e idades - cerca de 500 mil passageiros/dia, e poderia ser muito mais - movimentam-se hoje nas suas belas estações. É um prazer ver o movimento no Marquês, na Baixa-Chiado, em Sete Rios. E este ano, c"os diabos, o metro chegará enfim ao Aeroporto! Confirmando assim a "opção Portela". E reconfirmando, portanto, a nossa condição semicosmopolita.
Uma condição que, para dizer o mínimo, seria bom que houvesse na política. Mas não. A mobilidade pública é altamente deficitária, dizem agora. Muitos milhões de euros de deficit. Como se não fosse um serviço público. Pela quarta vez num ano, as tarifas irão aumentar para os incautos, até 21%. Até os passes escolares sobem, em enorme insensibilidade social e em total ausência de sinais para a sociedade e seu futuro. Ora, a mobilidade colectiva é um dos maiores bens de uma sociedade. É altamente superavitária. O metropolitano, tal como os autocarros, eléctricos e cacilheiros, tornou-se central para a nossa identidade e futuro, como cidade, como colectivo. Não vejo prejuízo nisto, muito pelo contrário. É para isto que serve o Estado, que servem os impostos. Para dar valor colectivo à sociedade. E o metro tem um enorme valor. É parte de nós. Geógrafo