De executiva parisiense a agricultora de Azeitão

Foto

Maria José Macedo avança por entre os legumes plantados no seu hectare e meio, na Quinta do Poial, Azeitão, e vai explicando: "Ali está a mostarda chinesa, aqui tenho isopo, tomilho, salva." Baixa-se e escava um pouco a terra para tentar mostrar uma batata da variedade francesa Ratte, durante muito tempo mal-amada, mas agora recuperada como especialidade gastronómica.

É assim a quinta da Maria José - pequena, mas com uma variedade imensa de plantações, muitas delas de legumes dos quais nunca ouvimos falar ou que pensávamos que só se encontravam no México ou na China. Mas ela gosta precisamente é de ir plantando coisas novas, perceber o que resulta daí - por isso, quando algum cliente ou amigo lhe traz uma nova semente, Maria José deita-a à terra e ao fim de algum tempo aparece um legume novo e surpreendente na sua banca no mercado biológico do Príncipe Real, onde está sempre aos sábados de manhã.

São os clientes do Príncipe Real, e alguns dos maiores chefes do país, que descobrem, entusiasmados, os novos sabores que vão saindo da Quinta do Poial - Vincent Farges, da Fortaleza do Guincho, tem mesmo um "bouquet de legumes da Quinta do Poial", com os delicadíssimos mini-legumes. Às vezes, são os chefes que dizem que precisam de determinada coisa, outras vezes é ela que os desafia com algo novo.

Mas nem sempre foi assim. Há mais de 20 anos, quando Maria José decidiu dedicar-se à agricultura, dando uma volta completa na sua vida, "havia em Portugal dois ou três produtores que trabalhavam só para exportação". Nem chefes famosos nem legumes exóticos, nem pessoas interessadas neles. "Na altura, fui à Zona Agrária de Setúbal e os técnicos disseram-me: "É impossível, não se pode viver de hectare e meio e não se pode viver sem químicos." Os técnicos do Ministério da Agricultura, que são pagos pelos contribuintes, não têm uma formação para a agricultura biológica."

Mas ela, que tinha saído de Paris, onde trabalhava como executiva com um bom ordenado e uma boa dose de stress urbano, para vir fazer agricultura para Portugal, não ia desistir. De agricultura não sabia nada. Mas ia aprender. Guardou os fatos de executiva parisiense, comprou um jornal e encontrou um anúncio de um terreno à venda em Azeitão. Uma amiga emprestou-lhe dinheiro para o investimento inicial, e ela comprou. Em 1988 começou a vender ervas.

"A década de 1980 foi de expansão, porque chegou muito dinheiro de fora", explica. "Começou a haver muito maior importação de alimentos e os hábitos alimentares também mudaram. Não era frequente encontrarem-se courgettes, beringelas, frutos tropicais e os legumes que se encontram agora." Foi, para ela, o momento certo. "Comecei pelo Pão de Açúcar das Amoreiras. Ia lá fazer compras e só havia salsa e coentros. Não havia tomilho, estragão, salva." Não conhecia ninguém, mas pegou nas Páginas Amarelas e foi falar com o chefe da secção de frutas e ervas aromáticas. "Os consumidores ficaram muito contentes, porque em Portugal não havia nada daquilo. Foi o produto certo na altura certa."

Maria José volta ao problema de falta de visão do país, enquanto atravessa o terreno e vai arrancando as ervas daninhas que, sem o uso de químicos, vão crescendo livremente. "Não existe nenhuma entidade oficial, paga pelos contribuintes, para a agricultura biológica. A assistência técnica do ministério é gratuita, mas, se um produtor biológico quiser, tem de contratar uma empresa privada. Não há vontade política. Toda a pesquisa que se faz ligada aos químicos é feita com dinheiro dos contribuintes. Nos países nórdicos, por exemplo, os técnicos do ministério vão ter com os produtores do convencional e dão-lhes assistência gratuita para eles fazerem produção biológica."

Andou a pensar e tem uma proposta. É contra os subsídios ao hectare, que "acabam por desenvolver uma falsa agricultura". O que defende é um imposto sobre os produtos que suba ou desça conforme o nível de poluição por detrás de cada produto. Haveria uma "taxa regressiva de despoluição" que beneficiaria a agricultura biológica - "esta aumenta a matéria orgânica da terra, por isso não só não polui como faz o contrário e isso devia ser tido em conta".

Quando se usam pesticidas na agricultura, "as chuvas levam-nos para as águas do rio e matam os peixes". Mais uma vez, "tudo isso devia ser tido em conta". "Se esses custos de poluição fossem imputados ao produto, os que têm custos adicionais (incluindo os transportes, no caso das importações) seriam mais caros, e os que reduzem os custos ambientais seriam mais baratos."

Com o aparecimento de concorrência, a sua estratégia foi diversificar. E - sempre - personalizar. "A minha teimosia vai acabar por ser vantajosa", diz. "A única alternativa é criar uma marca própria. Mas começa a haver condições para os pequenos resistirem. Porque os consumidores sentem que não podem acreditar em nada, por isso passam a acreditar nas pessoas. Temos de manter um grau de honestidade." E sorri quando fala de honestidade. "Estou um bocado fora de moda, mas isto vai mudar. Quem conseguir criar uma relação humana e biológica com tudo o que faz vai receber a contrapartida."

Para ela é uma questão de filosofia de vida. "Quero estar na vida em todos os sentidos. Na relação com o que produzo, com as pessoas que trabalham comigo, com os que compram."

Sugerir correcção