Manequins atrás de um vidro - só que vivos

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A japonesa Tujiko Noriko em " alain monot

Showroomdummies, de Gisèle Vienne e Étienne Bideau-Rey, encerra amanhã o FIMP no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães

Dez minutos depois do início de Showroomdummies, o espectáculo que amanhã encerra o Festival Internacional de Marionetas do Porto, ainda não sabemos o que pensar dos corpos amontoados nas cadeiras ao fundo do palco - os 12 corpos inanimados, em stand-by lá ao fundo, totalmente disponíveis para o que a nossa cabeça quiser fazer deles, enquanto mesmo à nossa frente as luzes estão todas em cima de um manequim de plástico como aqueles que há por trás das vitrinas, só que vivo.

Até ao fim do espectáculo, alguns desses corpos inanimados também parecerão vivos, mas pouco: Gisèle Vienne e Étienne Bideau-Rey, os criadores de Showroomdummies, quiseram trabalhar com os corpos à sua disposição (seis bailarinos, sete manequins de loja) na zona de transição entre a vida e a morte, a pessoa e o fantasma, o movimento e a inércia. Há uma razão prosaica para isso: ambos vieram do teatro de marionetas, e estão há anos em trânsito para a dança.

Gisèle Vienne vê as 13 personagens da peça como objectos de desejo: "Procuramos esse momento perturbador em que o bailarino de carne e osso se transforma numa figura, num corpo inanimado. É a própria transfiguração que é perturbadora, sobretudo em artes vivas como o teatro e a dança. Interessa-nos explorar a passagem de um estado ao outro", diz ao P2. Como se estes bailarinos, quaisquer bailarinos, fossem marionetas manipuladas por coreógrafos? "É verdade que estamos no limite da instrumentalização dos intérpretes, e certamente evocamos a ideia de manipulação. Mas faço questão de trabalhar com intérpretes criativos, em regime de verdadeira colaboração, portanto nunca os vejo como marionetas. E o que nos interessa aqui, mais do que reflectir sobre a natureza da execução na dança, é perceber por que é que um corpo completamente artificial, completamente desencarnado, nos atrai tanto. Se a representação desse tipo de corpo tipo boneca é tão recorrente na nossa cultura, sobretudo nas esferas publicitária e comercial, é porque há um desejo por trás", argumenta. Um desejo já inscrito no mítico A Vénus das Peles (1870), de Sacher-Masoch, que se tornou leitura de cabeceira de Gisèle e Étienne durante o processo de criação da peça, em 2001, e depois durante a reescrita desta nova versão, estreada em 2009.

Tal como a versão original da peça, este segundo Showroomdummies centra-se num trabalho sobre o movimento a partir da rigidez extrema da pose. Um trabalho, de resto, profundamente influenciado "por uma história da dança robotizada, marionetizada", que associamos às experiências exploratórias no campo da música electrónica protagonizadas pelos Kraftwerk nos anos 70 (uma filiação que o título explicita e que a banda sonora de Peter Rehberg também assume).

Ainda que 11 dos 13 corpos em cena sejam femininos, Showroomdummies não é um comentário sobre a guerra dos sexos: a objectificação recorrente da mulher, reflecte Gisèle, "não responde só a um desejo masculino, é um fantasma tanto para homens como para mulheres". Pessoalmente, os objectos fazem parte da vida dela desde que entrou na École Nationale Supérieure des Arts de la Marionette de Charleville-Mézières, onde conheceu Étienne Bideau-Rey: "A marioneta interessa-nos enquanto objecto, enquanto representação de um corpo antropomórfico. Nesse sentido, sentimo-nos muito mais próximos das interrogações da dança contemporânea do que das questões do teatro."

É por aí que vamos em Showroomdummies, entre o pesadelo destes corpos paralisados e o apelo fantasmagórico de bonecas andantes - e falantes, no caso da japonesa Tujiko Noriko, uma das novidades da segunda versão da peça (juntamente com o tom do movimento, mais "subtil, mais complexo", e com a idade dos bailarinos, que são mais velhos e por isso "mais assombrosos").

Também será por aí, pela dança, que Gisèle Vienne irá a seguir: quando voltar a Guimarães, em Setembro de 2012, já estará a trabalhar na sua versão da Sagração da Primavera, cujos primeiros ensaios decorrerão na Capital Europeia da Cultura (a peça terá "dez ou 15 bailarinos portugueses"). Sem marionetas, mas de novo no limiar da transfiguração, promete.

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