O Japão não perdeu tempo
Os japoneses já começaram a receber casas temporárias. Mas o sismo pode ter acelerado o crescimento das cidades fantasmas. A reconstrução deverá levar vários anos
É apenas um exemplo: um carro está em cima de um barco que está enfiado numa casa. Tudo à volta são escombros, pedaços de madeira como se fossem peças de mikado, uma localidade inteira em ruínas no meio da lama. A pergunta que todos fazem face a cenários como este trazidos pelo sismo do dia 11 de Março é invariavelmente esta: por onde se começa?
O espírito japonês, apesar de contemplativo, não é de inacção. Dez dias depois da catástrofe já estavam a ser erguidas as primeiras casas temporárias no distrito de Iwate, um dos mais atingidos: 200 casas pré-fabricadas, de 30 metros quadrados com água e aquecimento. Instaladas no recreio de uma escola de Rikuzentakata, podem alojar entre duas e cinco pessoas. Crianças e idosos têm prioridade.
O sismo, que poderá ter matado mais de 28 mil pessoas, deixou em destroços 110 mil edifícios. Não há tempo a perder. "Precisamos de avançar", grita aos construtores o presidente da câmara, Futoshi Toba, citado pela agência de notícias Kyodo. O próprio autarca perdeu a sua casa. Só naquele distrito serão necessárias 8800 unidades.
Por toda a região atingida há neste momento mais de 173 mil pessoas sem casa, ou deslocadas - porque à catástrofe do sismo e do tsunami juntaram-se os problemas da central nuclear de Fukushima que ainda não têm solução à vista e que obrigaram a evacuar as populações num raio de 20 quilómetros.
Em alguns locais, as casas temporárias estão a demorar mais tempo a chegar porque a falta de combustível atrasou a entrega de materiais.
A reconstrução da costa nordeste do Japão irá levar vários anos - mais do que Kobe, a cidade destruída por um sismo em 1995, mas que ao fim de três anos estava de pé, quase sem marcas visíveis do terramoto.
A Architecture for Humanity (organização não governamental criada para pensar soluções para zonas atingidas por catástrofes) está envolvida no processo de recuperação. Molly Stack, directora para o desenvolvimento, diz ao P2 por telefone que "ainda é demasiado cedo" para se saber quantas casas será preciso erguer em Sendai, a zona mais afectada. "Primeiro é preciso limpar os escombros, só depois começará a construção, e isso pode levar uns dois ou três meses", adiantou.
A Architecture for Humanity está neste momento com equipas em Osaka, Tóquio e Quioto para avaliar os danos, estudar formas de arranjar fundos, listar as necessidades mais urgentes.
"É fundamental trabalhar com as pessoas no terreno", continua Molly Stack. "Quando queremos ajudar uma comunidade, vamos lá e são eles que nos dizem o que pretendem. As populações locais envolvem-se muito, querem ter um papel no processo."
Em todo o caso, há sempre alguns factores comuns para projectos de casas temporárias. "Tentamos que os custos sejam o mais reduzidos possível para se construir em grande número, até porque não há muito dinheiro. A nossa organização faz angariação, mas nunca chega." Outra das regras desta ONG é "utilizar materiais locais".
Cidades fantasmas
Se muitas das vítimas dizem que só querem voltar para o lugar onde viviam, outras, com medo de uma nova tragédia, garantem que nunca mais irão lá morar. Corre-se o risco de se assistir a uma multiplicação das cidades fantasmas. O sismo fez acelerar o declínio de pequenas localidades, dizem especialistas ouvidos pela Christian Science Monitor, uma organização noticiosa.
Não ajuda o envelhecimento da população e a queda acelerada do índice de natalidade. Entre 2000 e 2005, o número de pessoas a viver em pequenas localidades caiu 10 milhões. O Governo terá de encontrar um equilíbrio entre reconstruir a economia e reconstruir as comunidades arrasadas, adianta a publicação.
"Para as pequenas cidades com populações mais velhas, há uma boa hipótese de muitas não serem recuperadas", diz Koichi Hachi, economista da NLI Research Institute em Tóquio. "Basta algumas pessoas saírem para que a população baixe tanto que não conseguirão sobreviver como cidades."
"Há cem anos, estes locais teriam sido reconstruídos. Agora, não estou tão certo disso", afirma também Akio Nishizawa, professor da Universidade de Tohoku, em Sendai. "As comunidades costeiras aqui já tinham assistido ao problema de ver os jovens partir para as cidades e este pode ser o golpe de misericórdia".
Kohei Abe, de 17 anos, expressa o que vai na cabeça de muitos jovens na sua aldeia, em Nonohama: "Já não há nada aqui para mim. Não quero viver cá." Estuda no liceu em Sendai e era lá que estava quando o sismo de escala 9 provocou toda esta destruição que tem à frente dos olhos: "Não resta nada." E nada significa nada. Nenhuma casa ficou de pé.
Casas de papel
A revista Design Boom perguntou uma vez ao arquitecto japonês Shigeru Ban o que mais teme que o futuro lhe possa trazer. A resposta foi sucinta: "terramotos".
Talvez por isso Ban se tenha dedicado tanto a encontrar soluções para abrigos em situações de catástrofe.
O arquitecto já criou várias casas temporárias para diferentes crises (algumas em colaboração com a Agência de Refugiados das Nações Unidas): Ruanda, Kobe, Turquia, Indonésia, Haiti, Itália.
As suas construções tornaram-se célebres também pelo material que utiliza: papel.
Depois do sismo de Kobe foi preciso realojar 300 mil pessoas.
As soluções pensadas pelo arquitecto japonês passavam por estruturas simples, que podiam ser construídas por qualquer pessoa: grades de cervejas cheias de areia para as fundações; para as paredes, cilindros de cartão com dez centímetros de diâmetro (e tratamento de poliuretano para dar solidez); material de tendas para o telhado.
Uma habitação com 52 metros quadrados custava dois mil dólares (pouco mais de 1400 euros). O telhado e o tecto poderiam separar-se para permitir a circulação do ar e garantir o arrefecimento no Verão, ou juntar-se para manter o calor no Inverno. As casas eram separadas por 1,8 metros para áreas comuns.
Estas habitações são fáceis de transportar e fáceis de construir.
Como a generalidade das casas temporárias, levam-se em peças e montam-se no local. Os materiais são recicláveis e os cilindros de papel são resistentes ao fogo e à água.
O atelier de Shigeru Ban em Tóquio disse ao P2 que uma equipa já está a trabalhar para novos alojamentos no Nordeste do país, mas que ainda é demasiado cedo para adiantar detalhes.