Uma arquitectura low-profile
No novo Centro Champalimaud projectado por Charles Correa vale a pena destacar três factores. Os dois primeiros são essencialmente estratégicos e apenas um é do domínio exclusivo da arquitectura.
O primeiro relaciona-se naturalmente com o significado que este equipamento possui e que em Lisboa é apenas comparável à sede da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Mas se, no final da década de 50 do século XX, Portugal era um país deprimido no plano artístico - o que justificava a construção da FCG -, hoje as principais lacunas sentem-se na investigação - não exactamente na qualidade dos cientistas portugueses, mas na ausência de estruturas físicas onde a actividade científica possa decorrer adequadamente. Nesse sentido, o novo centro é uma aposta ganha.
O segundo ponto aproxima-se já da arquitectura, mas decorre ainda de uma decisão política que se revela acertada. Ao implantar este edifício na zona ribeirinha (e não na periferia da cidade), contradiz a tendência dominante em tornar estas áreas apenas povoadas por estruturas residenciais (para especulação) ou de lazer, deixando para a periferia os chamados equipamentos "pesados". Há muito que os arquitectos têm defendido que os antigos lugares portuários devem manter diversidade de usos e principalmente assegurar as actividades produtivas e de trabalho, como são as que se inscrevem como principais na proposta do Centro Champalimaud.
A terceira é exclusivamente arquitectónica. Charles Correa representa uma geração de arquitectos que transformou a linguagem moderna internacional em expressões locais. Esta conquista foi fundamental para países que ganharam independência das antigas potências coloniais em Novecentos, como é o caso da União Indiana. Ao trabalhar com a cultura local, Correa acabaria por se tornar uma figura influente no panorama internacional (e entre os arquitectos portugueses como Manuel Vicente), principalmente nas décadas de 60 e 70. Agora, que estão longínquos os anos 90, que viram emergir o fenómeno dos arquitectos-estrelas, as novas gerações estão outra vez receptivas a discursos que regressem a princípios fundadores, como o respeito pelo lugar, um apurado sentido de economia, a cultura local. É o que faz com que arquitectos como Winy Maas do escritório holandês MRDV (uma vedeta dos anos 90) tenha cada vez menos alunos na prestigiada escola de arquitectura de Delft.
Em Lisboa, Correa propõe uma solução rigorosa e o discurso que elabora em torno do lugar é autêntico, dando continuidade a um percurso profissional que se desenvolveu num ambiente problemático, como a Índia, com urgências muito agudas de alojamento e construção de equipamentos.
É talvez por isso que o edifício de Lisboa, sem deixar de ser rico plasticamente e até recorrendo a um certo simbolismo mais literal (caso das colunas que se elevam na direcção do céu), é igualmente contido e com um forte sentido urbano. Transmite segurança e apuro. Respeita os doentes e os cientistas a quem se destina, interpelando as suas necessidades. E, construído num lugar assombroso, não banaliza a paisagem, preferindo encerrar os principais espaços interiores, ao invés de escancarar a vista a cada novo plano. Lisboa ganhou um lugar de ciências mas também um edifício inteligente e uma belíssima prova de arquitectura. ?
Ana Vaz Milheiro