O problema da demografia em Portugal
Em sociedades que perpetuam modelos de estereotipia e assimetria de género é difícil promover a natalidade
O saldo natural negativo revelado pelo INE devia servir para reflectirmos mais como ter um futuro demográfico mais promissor. É que não há condições em Portugal para o incentivo à natalidade. As causas são estruturais mas também culturais. Mulheres que trabalham mais horas por dia do que o resto das mulheres europeias; com salários inferiores aos homens e em situações de precariedade; poucos apoios a creches; incremento de nados-mortos, provavelmente pelo trabalho excessivo e stressante das mulheres; e, para mais, a mentalidade dos homens que, apesar das transformações sociais, não se alterou. Numa realidade fortemente patriarcal e masculina como a portuguesa, que não está preparada para lidar com os problemas da natalidade e da responsabilidade no nascimento e crescimento dos bebés, por razões culturais, não podemos esperar que sejam os homens a contribuir de forma eficaz para a resposta a estas preocupações. E o facto é que as decisões sobre as vidas das mulheres ainda são fruto de uma gestão predominantemente masculina.
Um dos aspectos apontados pelos demógrafos é o facto de os pais não ajudarem ou ajudarem pouco nas tarefas domésticas. Na realidade, este absentismo deve-se, sobretudo, a educarmos os nossos filhos para a compartimentação das suas tarefas mundanas. Desde pequeninos ouvimos pais aflitos se virem os rapazes a brincar com bonecas, quando afinal o que a criança faz é apenas reproduzir os modelos e referências familiares que recebe. Achamos que deviam brincar com carros e tractores, armas e super-heróis, serem activos, detestarem aspiradores, panelas e biberões. Quando crescem, estes mesmos rapazes, embora se tornem, muitos deles, excelentes nos papéis de pais e companheiros, eles são-no sem uma noção prática, experimentada, da interacção no espaço doméstico com a mulher e os filhos. O mesmo não acontece com as raparigas. Durante a vida toda, são ensinadas não apenas a ter essa experiência como também a complementar esses papéis com o de profissionais exímias e supercompetentes, porque ainda por cima devem superar os homens nos seus desempenhos para acabar por ter salários inferiores aos deles e muito poucas vezes podem ascender aos lugares de liderança e de decisão nos postos de trabalho, mesmo naqueles em que os papéis tradicionalmente femininos são de esperar. Vejam-se as grandes maternidades em que os chefes de serviço são homens. É uma sociedade desigual, machista e pouco democrática.
Quando a mulher inicia a sua gravidez e se dirige aos serviços de saúde, o pai normalmente fica de fora. Não se lhe reconhece a responsabilidade para que possa acompanhar de forma intensa e total a experiência da mulher-mãe. Muitas vezes a sua ajuda pode ser preciosa e vital.
Não foi essa a experiência que tive na minha primeira gravidez, em Inglaterra. Os programas de acompanhamento da gravidez incluíam o pai. Ensinava-se a lidar com situações práticas do parto e pós-parto, do nascimento e do cuidar da criança. O pai nunca estava ausente e era considerado parte fundamental no desenvolvimento saudável da família. Para além destes cuidados, havia literatura de fácil acesso onde se encontravam respostas para as situações muito frequentes durante a gravidez, durante e depois do parto, e nos primeiros anos de vida. Isto para além do serviço das Health Visitors, que se incumbiam de monitorizar a saúde da família depois do nascimento. A literatura era dirigida a ambos, pai e mãe. Outra coisa que achei importante e eficaz era a possibilidade de os residentes na freguesia poderem oferecer-se para a função de interlocutores com populações imigrantes. Havia uma bolsa de tradutores/intérpretes para situações de apoio as mulheres que recorressem ao serviço nacional de saúde, facilitando e garantindo o sucesso do trabalho médico.
Aqui em Portugal tenho tido raras oportunidades, felizmente, de aceder aos serviços de saúde nacional mas, das poucas vezes que o utilizei, não gostei do que senti. Quando recorri, na minha segunda gravidez, aos serviços de uma maternidade pública fiquei desolada por não terem deixado entrar o meu acompanhante numa urgência quase no final da gestação; quando solicitei a sua companhia a enfermeira olhou para mim como se lhe estivesse a pedir a coisa mais absurda!
Em sociedades que perpetuam modelos de estereotipia e assimetria de género como a portuguesa é difícil incentivar a população para a natalidade. É preciso mudar estruturalmente a sociedade, mas é preciso transformá-la na mentalidade em primeiro lugar, e essa faz-se pela educação dos seus agentes, para a vida social mas também a familiar. Investigadora de temas islâmicos