Tavira, um território de poder, revelada no Museu de Arqueologia
Mais do que um popular destino de férias, a cidade de Tavira e os seus arredores são, desde 4000 a.C. um território de fixação de populações, atraídas pelo clima ameno, a proximidade do mar e as jazidas de minério, sobretudo de cobre e estanho (essenciais à produção de bronze). "Tavira: Território e Poder", a exposição que é inaugurada hoje no Museu Nacional de Arqueologia (MNA), Lisboa, faz o retrato da ocupação humana desta área do Algarve oriental, entre a pré-história e a época moderna (século XVI)."É a exposição com maior diacronia que alguma vez organizámos no museu", diz Ana Isabel Santos, uma das comissárias executivas de "Tavira: Território e Poder". Dividida em sete núcleos, propõe um percurso sobre as principais actividades económicas da região, passando pelo universo doméstico relacionado com práticas rituais e os aspectos mais elementares do quotidiano."Queremos que os visitantes deixem a exposição com a ideia de que Tavira foi um espaço cobiçado por onde passaram civilizações e culturas muito diferentes, algumas delas de grande sofisticação", explica. A estadia de fenícios, romanos e muçulmanos merece especial destaque, sendo documentada por peças provenientes de escavações recentes e do acervo do próprio museu. "É a primeira vez que muitas destas peças são mostradas ao público porque foram descobertas em escavações muito recentes", dirigidas, na sua maioria, por Maria e Manuel Maia (Campo Arqueológico de Tavira), entre 1997 e 2001. Um reino míticoDepois de uma breve passagem pela ocupação dos construtores de megálitos - entre o quarto e terceiro milénios a.C. existia na região uma sociedade de pastores e agricultores responsável pela criação de monumentos funerários como a Anta da Masmorra - a exposição evolui para um dos módulos centrais: a Idade do Bronze (1500 a 700 a.C.). Nesta época, na foz do Guadalquivir (Espanha), instala-se um "reino mítico" cuja capital não foi ainda encontrada. "Tartesso tem várias localizações possíveis e é descrito por fontes diversas [textos clássicos, Bíblia] como um território de abundância que estabeleceu os primeiros contactos com o Mediterrâneo oriental e que viria a transformar-se num importante entrepostos comercial", diz Ana Isabel Santos. "Os textos mesopotâmicos e bíblicos falam de uma terra distante de grande riqueza, com minas e fundições."Primeiro visitado pelos fenícios, depois pelos gregos, Tartesso prosperou graças ao minério - cobre, estanho e prata - e afirmou-se como unidade geo-política, influenciando decisivamente Tavira, já que a cidade se desenvolvia nos arredores deste reino contemporâneo de Homero. Já muito importante na Idade do Bronze, Tartesso consolida-se na Idade do Ferro (terceiro núcleo). Nas vitrinas, repletas de artefactos ligados à extracção e transformação de minérios, expõem-se lingotes de ferro, martelos e pontas de seta. "A partir do século VIII a.C. o comércio com fenícios e gregos intensifica-se. Os fenícios chegaram a estabelecer em Tavira uma das suas maiores colónias. Percorreram a costa do Mediterrâneo e do Atlântico e chegaram até à foz do Mondego." A introdução de novas tipologias cerâmicas levou a uma alteração dos hábitos alimentares e dos próprios rituais religiosos e fúnebres. Neste módulo, um queimador de perfumes e fragmentos de vasos gregos são expostos ao lado de ânforas e objectos votivos. "Uma das peças mais importantes é um caco com vestígios de uma escrita de estrutura alfabética e de grande influência fenícia, ainda por decifrar."Os fragmentos de vasos gregos, que deviam ser oferecidos às elites que em Tartesso dominavam o comércio, são vulgares, o que parece paradoxal para um centro de grande riqueza. "Não sabemos ainda explicar por que razão a cerâmica grega mais erudita não chegava até aqui. É possível que a fortíssima tradição da cerâmica indígena o impedisse."A Tavira romanaÀ entrada do quarto núcleo, um grande bloco de pedra documenta a existência de uma "república dos balsenses". Com a chegada dos romanos à península, o centro da cidade de Tavira, com as suas muralhas fenícias, é deslocado por razões que ainda hoje se desconhecem, mas mantém a sua importância. Os vestígios do circo - o único edifício público já identificado em Balsa - apontam para a existência de uma cidade próspera, nascida como "ponto de apoio ao comércio de longa distância". O facto de ser um dos 11 locais do território português em que os romanos cunharam moeda (no Algarve há ainda Faro e Castro Marim) reforçam a sua importância e as dimensões gigantescas do capitel exposto (parte superior de uma coluna) deixam adivinhar a monumentalidade dos edifícios.As peças provenientes da "sepultura do cirurgião" - designação de um enterramento em que foram encontrados dezenas de objectos ligados ao exercício da medicina (alguns extensíveis à cosmética) - formam um importante e curioso conjunto, ao lado de ânforas, lucernas e serviços de cerâmica fina ("terra sigillata").Objectos do quotidiano romano decorados com motivos cristãos (peixes, por exemplo) asseguram a ligação ao núcleo islâmico. "Não há Deus senão Alá", lê-se à entrada. Escavações recentes demonstraram que a actual cidade de Tavira (onde começou por desenvolver-se a colónia fenícia) esteve praticamente desocupada entre IV a.C. e o século XI e, num espaço de 30 anos, passou de aldeia modesta a praça fortificada. "Durante a ocupação islâmica, Tavira passa a 'capital' do Algarve. A colina de Santa Maria volta a ser ocupada e nasce uma nova ordem." Uma nova ordem que continua a ser marcada por simples gestos do quotidiano: o transporte e armazenamento de águas, a alimentação (há um pote com "caracóis contemporâneos de Afonso Henriques"), a higiene pessoal, as actividades domésticas, a celebração de rituais em que o religioso e o profano se misturam ("Vaso de Tavira", ver caixa).Os dois últimos núcleos são dedicados às épocas medieval e moderna (século XVI). Neles são expostos desenhos de portais manuelinos, conjuntos de moedas e quatro painéis do século XV, da Igreja de Santa Maria do Castelo. As tábuas, representando S. Pedro, S. João Baptista, S. Brás e S. Vicente, "estão provavelmente entre as mais antigas pinturas portuguesas". Muito danificadas no século XVI - repintadas ao gosto da época - foram restauradas nos anos 50 do século XX (apenas S. Pedro e S. João Baptista) e regressaram à configuração subjacente.Tavira: Território e PoderLISBOA Museu Nacional de Arqueologia. Mosteiro dos Jerónimos. Praça do Império. 3ª, das 14h às 18h. De 4ª a dom., das 10h às 18h. Tel.: 213620000. Bilhetes a 3 euros. Até Outubro