Nicolau Breyner regressa ao teatro quase 20 anos depois
Com uma peça para um actor, Breyner vai estar até Novembro em palco. É um ano de mudança, em que também vai filmar a sua primeira longa-metragem
Nicolau Breyner tinha 14 anos quando viu o actor João Villaret interpretar Esta Noite Choveu Prata, do brasileiro Pedro Bloch. Lembra-se da figura de Villaret no palco, do seu fato esbranquiçado e da bóina que levava na cabeça. "Provavelmente", Nicolau Breyner também irá usar uma bóina para, justamente, interpretar a partir de hoje Esta Noite Choveu Prata, no Centro Olga de Cadaval, em Sintra. É o regresso do actor aos palcos de teatro ao fim de quase 20 anos de interregno.Em Sintra, depois de um mês de ensaios, Breyner, que tem "medo" da "rotina" - por isso não fazia teatro há tanto tempo -, olha à sua volta no camarim. "O camarim é o meu começo, é o dealbar da minha vocação. O palco, o cheiro do palco é gratificante." A partir de agora e até Novembro - quando o espectáculo chegar a Lisboa depois de um percurso por Portugal - a sua vida "vai mudar". A digressão, refere, vai atenuar a sensação de rotina.
Nicolau Breyner fala da relação "sentimental" que tem com o texto de Pedro Bloch, que morreu no ano passado aos 90 anos. "Sou de Serpa, vivi lá até aos 9, 10 anos. Quando viemos para Lisboa - vínhamos imensas vezes a Lisboa, os meus pais gostavam imenso de teatro -, esta foi das primeiras peças que vi, era uma criança. Lembro-me do impacto que me provocou a peça, não me pergunte porquê", diz o actor um dia antes da estreia.
Esta Noite Choveu Prata é uma tragicomédia, uma peça "muito humana" e "inteligente" na forma como é construída, descreve o actor. Breyner vai representar três personagens, que vivem no Rio de Janeiro: um português, um violonista italiano e um actor brasileiro em final de carreira - é "um enorme monólogo sobre o que é ser actor, sobre a vida e sobre o valor das palavras". Aqui o actor está entregue a si próprio - não convidou ninguém para o dirigir. "Esta peça não vive de grande encenação. Vive de um texto para um actor. Penso que estou a fazê-lo como está certo."
Ontem à noite o actor ia experimentar o jogo com a plateia no ensaio geral com o público. Sentia-se "ansioso": "Esta peça vive do jogo com as pessoas. Foi escrita há 53 anos e tem uma interactividade espantosa, faz do público cúmplice."
Projecto de talk-show entregue a uma TV
Foi Jô Soares quem disse a Nicolau Breyner que tinha de fazer duas coisas: um monólogo e um talk-show. "Quando lhe contei que ia fazer Pedro Bloch, ele disse: "Óptimo, acertaste em cheio." Foi ele quem me disse que Ingmar Bergman tinha encenado Bloch várias vezes... Os intelectuais consideravam-no um autor comercial e o teatro comercial um intelectual, estava num limbo."
Depois de duas décadas afastado do teatro, o produtor Sérgio Azevedo desafiou o actor a regressar aos palcos. "Não estava nas minhas perspectivas voltar a fazer teatro. A minha vida é feita de acasos, deixo-me guiar pela vida, deixo-me arrastar pela corrente e a corrente levou-me para este lado. Porque a peça me agradou, porque o Sérgio Azevedo, produtor, me convidou, porque me apeteceu muito ser um bocadinho mais rigoroso e disciplinado na minha vida em termos de trabalho. O teatro exige esse rigor e essa disciplina."
O projecto de talk-show também já está entregue a uma estação, que Breyner não quis identificar: tem convidados, conhecidos e desconhecidos, porque "toda a gente tem histórias interessantes para contar", uma banda e o próprio como anfitrião. "Gosto de conversar e acho que sei conversar, sei ouvir, o que é bom." Daqui a uns bons meses começa a rodagem da sua primeira longa-metragem, apoiada pelo Instituto do Cinema Audiovisual e Multimédia: chama-se Requiem para Dom Quixote, a partir de um livro de Dinis Machado, e terá pouco actores, ainda não escolhidos. Embora diga que está desencantado com a televisão pela ausência de aposta na ficção além das telenovelas, género em que foi precursor (fundou a NBP, a maior produtora de ficção), Breyner vai agora fazer a série Quando os Lobos Uivam, para a RTP.
ESTA NOITE CHOVEU PRATA
De Pedro Bloch. Encenação de Jô Soares. Com Nicolau Breyner.
SINTRA. Centro Cultural Olga de Cadaval. R. Dr. Câmara Pestana. Até 27/03. 5ªa sáb., às 22h; dom., às 16h. Tel.: 219107110.
Bilhetes: 10 a 20 euros.