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Portugueses nos campos de concentração nazis
Nomes e rostos que faltava conhecer
Desde 2014, quando primeiro abordámos os casos dos portugueses deportados para os campos de concentração nazis, que a informação sobre o tema não tem parado de aumentar. Há mais nomes a juntar a essa lista inicial e algumas histórias já conhecidas ganharam novos contornos. Neste trabalho deixamos um retrato do que conhecemos até agora, com o objectivo de contribuir para a memória das vítimas, mas também com a expectativa de que, no futuro, novos contributos possam juntar mais rostos e pormenores às histórias aqui traçadas. E, quem sabe, trazer para este espaço outros nomes até agora desconhecidos. Os documentos que permitiram traçar estes retratos foram recolhidos pelo PÚBLICO junto de vários arquivos franceses e do antigo International Tracing Service (agora Arolsen Archives), cedidos pelo investigador do ICS-ULisboa Antonio Muñoz Sánchez (Arolsen Archives), por José Manuel Barata-Feyo e a professora Sandra Costa.
Pequenos crimes, destinos trágicos
Alguns portugueses identificados como “presos políticos” nos campos de concentração nazis foram, afinal, deportados depois de serem acusados de praticar crimes menores, como roubar uma bicicleta, roubar legumes ou matar uma vaca. Tiveram o mesmo destino que membros da Resistência como João António Fernandes, que regressou a Portugal para constituir família e morreu na sua aldeia natal.
Ler artigoO destino marcado por uma bicicleta
Abel de Carvalho emigrou para França já com 41 anos, a 20 de Setembro de 1931. Tinha passaporte, um contrato para trabalhar numa barragem e foi do sustento desse trabalho que viveu até ser preso, a 25 de Julho de 1942. Acusado de “roubo, cumplicidade e ocultação”, seria condenado a 14 meses de prisão, apesar de jurar que não fora ele quem roubara a bicicleta que estaria na origem do processo. “Declara não ter roubado nada, mas que comprou uma bicicleta que tinha sido roubada, embora desconheça a sua proveniência”, lê-se nos “motivos para o internamento” de um dos documentos do antigo Campo de Vernet. Na sequência deste caso, o português de Vila Verde, em Alijó, acabaria por morrer em Gusen, um sub-campo de Mauthausen, na Áustria.
A história do homem nascido a 4 de Fevereiro de 1890, casado com uma portuguesa e com um filho, parece uma sucessão de azares, iniciada por aquela condenação inicial, justificada ou não. Segundo os documentos que permitem traçar o seu percurso, Abel de Carvalho, que vivia em Brive, começou por cumprir a pena a que fora condenado na Prisão Central de Eysses, e deveria ser libertado a 26 de Setembro de 1943, mas as autoridades francesas intervieram para que isso não acontecesse.
Argumentando que o português fora “objecto de uma medida de expulsão do território francês, após a sua detenção, com data de 24 de Dezembro de 1942”, o prefeito de Lot-et-Garonne pede ao colega de Haute-Garonne para que Abel de Carvalho seja internado no Campo de Vernet, “no próprio dia da sua libertação”, para que aquela medida possa ser executada.
Abel de Carvalho é, por isso, levado para o campo de internamento de Noé, a 27 de Setembro de 1943, aguardando um transporte que o leve até Vernet. É ainda ali que dá início aos procedimentos para ser repatriado para Portugal, um pedido que irá repetir posteriormente, mas que acabará por ficar sem resposta.
Numa carta de 7 de Fevereiro de 1944, atribuída ao próprio, mas assinada com as suas impressões digitais, já que não saberia escrever, pede ao prefeito de Ariège que lhe conceda um visto para poder abandonar a França. A missiva curta termina com a frase: “Declaro que não sou judeu.”
Só que o pedido, submetido à “aprovação da Autoridade de Ocupação” ainda nesse mês, ficará sem resposta, como se depreende de uma carta do Consulado de Portugal, em Toulouse, também dirigida ao prefeito de Ariège, a 26 de Junho de 1944, pedindo-lhe que “intervenha junto do senhor Secretário Geral da Manutenção da Ordem para se obter uma solução”.
Mas era demasiado tarde.
Quando o consulado volta a contactar o prefeito, a 4 de Julho, ainda a pedir conselhos sobre a melhor forma de obter um visto para Abel de Carvalho, já este tinha sido entregue aos alemães, juntamente com todos os restantes internados de Vernet, aquando do encerramento do campo, no dia 30 de Junho. Aliás, o dia 4 de Julho marca o início da viagem do portugês para a Alemanha.
Abel de Carvalho foi deportado para o campo de concentração de Dachau (prisioneiro n.º 94.100), num transporte que ficou conhecido como o Comboio Fantasma, e que levava outros nove homens nascidos em Portugal. A entrada naquele que foi o primeiro campo de concentração do sistema nazi, só aconteceria a 28 de Agosto, mas o transmontano não iria permanecer ali muito tempo. A 14 de Setembro é transferido para o campo de concentração de Mauthausen (prisioneiro n.º 97804) e poucos meses depois, um dia depois de cumprir 55 anos, Abel de Carvalho estava morto.
A sua morte, a 5 de Fevereiro de 1945, no sub-campo de Gusen, inserido no complexo de Mauthausen, foi atribuída a uma falha cardíaca e “colite”.
Um resistente discreto
Acácio Pereira foi um dos portugueses que se instalaram na aldeia de Lacapelle-Biron e que acabaram detidos durante a rafle de 21 de Maio de 1944, levada a cabo pela divisão SS Das Reich. Uma operação que levou à sua deportação e à de outros dois portugueses: André de Sousa e Joaquim Sequeira. Nascido a 20 de Novembro de 1913, em Sedielos, Peso da Régua, de onde também era originário André de Sousa, estava envolvido com a Resistência.
Terá sido uma participação discreta e não muito prolongada. Segundo o seu ficheiro, guardado nos arquivos nacionais franceses (Service Historique de la Défense), Acácio Pereira, casado e com uma filha, integrou um grupo de Resistência dos Francs-Tireurs et Partisans Français (ligado ao Partido Comunista Francês), a partir de 1 de Fevereiro de 1944, tendo participado em “operações feitas pelo grupo”. Sem mais pormenores.
Não terá sido, contudo, essa a razão para a sua deportação, já que o português recebeu o mesmo tratamento dos 49 homens da aldeia, entre os 18 e os 60 anos, seleccionados a 21 de Maio de 1944 para serem deportados para a Alemanha e utilizados como mão-de-obra escrava. Foi, por isso, na sua companhia que Acácio Pereira seria deportado para Dachau a 18 de Junho de 1944.
Apesar de três portugueses de Lacapelle-Biron serem presos e deportados, apenas o destino de Acácio Pereira parece chegar aos ouvidos das autoridades portuguesas. Num telegrama enviado para Lisboa, a 8 de Junho, a embaixada portuguesa em Vichy dá conta da sua detenção, bem como da de outro português, Luís Júlio, num outro local e data. Sobre Acácio Pereira, o telegrama indica que o português, contramestre numa empresa da região “foi preso pelas SS às 5h da madrugada no seu domicílio e conduzido para Agen.” “Entreguei nota na embaixada alemã reclamando contra detenções e pedindo libertação”, acrescenta ainda.
Na sequência desta comunicação, o Ministério dos Negócios Estrangeiros pede ao consulado de Toulouse que se informe sobre o que se passou e a 18 de Julho o cônsul escreve ao prefeito de Agen, pedindo-lhe que esclareça, com urgência, “as razões que motivaram a detenção, a 21 de Maio de 1944, às 5h da manhã, no seu domicílio em Lacapelle-Biron, pelas tropas de ocupação (SS), do meu compatriota Acácio Pereira”. Pede ainda que lhe seja indicado o local para onde o português fora enviado.
Na resposta, enviada quatro dias depois, o prefeito esclarece que a prisão aconteceu “no seguimento de uma operação da polícia realizada na região pelas tropas de ocupação”, mas diz desconhecer o destino dado a Acácio Pereira, aconselhando o cônsul a dirigir-se aos serviços policiais alemães em Toulouse.
Por esta altura, já Acácio Pereira estava há mais de um mês em Dachau, onde recebeu o número de prisioneiro 74.130, antes de ser transferido para o sub-campo de Allach, de onde seria libertado, pelo Exército norte-americano. Foi repatriado a 3 de Junho de 1945 e regressou à aldeia francesa, onde continuaria a viver.
Acácio Pereira chegou a França em 1927 e ainda não aparece nos registos de estrangeiros da aldeia de 1936, mas já consta como morador de Lacapelle-Biron em 1939. Na sua “ficha de estrangeiro” desse ano existe também a referência de que tem uma filha, Yvette, nascida em 1934, em Lourdes, mas que provavelmente não seria filha da mulher com quem casou — uma espanhola que também morava em Lacapelle-Biron, Joséphine Aznar —, já que a criança não aparece em qualquer registo local e o casal aparece sempre referenciado como não tendo filhos.
Morto pela França em Flossenbürg
Quando Alberto de Oliveira nasceu, a 27 de Março de 1893, a família vivia na Rua do Bonjardim, no Porto. Os pais, Feliciano e Angélica Maria, eram de Braga, mas tinham-se mudado para o Porto, tal como o filho, anos mais tarde, se mudaria para França. A morte, essa, encontrou-a no campo de concentração de Flossenbürg, aos 51 anos.
Viúvo, pai de dois filhos, Alberto de Oliveira foi preso a 25 de Março de 1944 pela polícia francesa, durante uma busca à sua casa em Lons-le-Saulnier, e imediatamente entregue aos alemães, o que não é surpreendente, já que há mais de dois anos que o portuense, naturalizado francês em 1935, se tinha juntado à Resistência francesa. O seu nome aparece numa lista de quatro detidos, naquele mês de Março, na região de Jura, no âmbito da acção repressiva contra actos “anti-nacionais de inspiração comunista ou anarquista”. Estava na posse de “brochuras e folhetos comunistas”.
Segundo os documentos que chegaram até aos dias de hoje, Alberto de Oliveira juntou-se à Resistência no primeiro dia do ano de 1942, começando por ter a responsabilidade de distribuir panfletos e jornais clandestinos. Mais tarde, serviu como agente de ligação e de informação dos FTPF (Franc-Tireurs et Partisans Français, movimento de resistência do Partido Comunista Francês), até ser preso.
Foi enviado para a prisão de Saint Paul e depois para o campo de Compiègne, de onde seria deportado para Dachau (prisioneiro n.º 75682) a 29 de Junho de 1944. Transferido para Flossenbürg (prisioneiro n.º 13.773), morreria neste campo de concentração às 7h20 do dia 21 de Setembro de 1944, alegadamente de insuficiência cardíaca.
As autoridades francesas reconheceram-no como membro da RIF (Résistance Interieure Française) e atribuíram-lhe, postumamente, a patente de sargento. Recebeu também a designação de “Morto pela França”.
Alberto Matheus Guerreiro, de campo em campo até à morte
Ao contrário da esmagadora maioria dos portugueses que foram deportados para campos de concentração nazis, Alberto Matheus Guerreiro, nascido em Serpa, a 3 de Março de 1897, nunca chegara a emigrar para França. Com 41 anos, chega àquele país a 28 de Agosto de 1938, como “refugiado” da Guerra Civil de Espanha, num comboio carregado de feridos deste conflito. Em Lisboa, onde morava antes de partir para o país vizinho e se alistar como voluntário nas Brigadas Internacionais, deixava a mulher e seis filhos.
Alberto era sapateiro, tal como o pai, e a determinada altura da sua vida, troca o Alentejo por Lisboa. É aí, na freguesia do Socorro, que se casa com Emília de Almeida e a família instala-se depois na baixa pombalina, no 5.º piso de um prédio na Rua de Santa Justa, que é hoje uma unidade hoteleira.
Nas informações que fornece aos responsáveis do campo de internamento de Vernet, Alberto Matheus Guerreiro, que não tinha qualquer documento de identificação, explica que o comboio sanitário que o levou para França, o deixou num centro para recuperação de feridos, na zona de Paris, onde ficou até 22 de Abril de 1939. Tinha, segundo a sua ficha de Vernet, uma lesão no cotovelo direito e o dedo indicador da mão esquerda amputado.
As informações francesas também indicam que o homem “nunca trabalhou em França” e que “esteve sempre internado”. De facto, depois de deixar o centro de recuperação e sem ter qualquer documento de identificação para apresentar às autoridades francesas, o alentejano passou pelos campos de internamento de Gurs, Argèles-sur-Mer, Vernet e Noé (um “campo-hospital”, destinado a velhos, doentes e mutilados), antes de ser reenviado para Vernet a 11 de Março de 1944.
Tal como outros internados portugueses, Alberto pede para ser repatriado e até recebe um parecer favorável nesse sentido, mas o regresso a Lisboa nunca irá acontecer. Quando Vernet é encerrado e os seus ocupantes entregues aos alemães, Alberto Matheus Guerreiro é deportado para o campo de concentração de Dachau (prisioneiro n.º 94.062), a bordo do chamado Comboio Fantasma. Os dados alemães indicam que morreu ali, a 29 de Abril de 1945.
A vida e morte do português estão ainda rodeadas de alguns mistérios. Não se sabe, por exemplo, se alguma vez conseguiu que lhe devolvessem o aparelho fotográfico e as pesetas que tinham ficado retidos em Noé, e que ele pede, por carta, que lhe sejam enviados para Vernet. Também não se sabe se a sua família chegou a saber o que lhe aconteceu, mas, se o soube, não o comunicou às autoridades portuguesas, já que o óbito de Alberto não aparece nos registos e o seu casamento com Emília é considerado “dissolvido”, apenas quando esta morre, em Agosto de 1987.
O último grande mistério envolvendo Alberto Matheus Guerreiro tem a ver com a sua religião. Foi baptizado em Serpa e nos documentos franceses e alemães está identificado como católico, mas no pós-guerra, Alberto Matheus Guerreiro é identificado pelo World Jewish Congress, em Nova Iorque, como judeu.
Com o passaporte na mão
O passaporte “para efeitos de repatriação” e emitido pelo Cônsul de Portugal em Toulouse, estava pronto desde 16 de Março de 1944, mas não chegou a cumprir a sua função. O homem a quem se destinava, Américo da Costa, e que estava, na altura, internado no Campo de Vernet, acabaria por ser deportado para o campo de concentração de Dachau. O português sobreviveu à guerra.
Américo da Costa nasceu em Folgosa, na Maia, a 14 de Junho de 1896. Foi ainda na Maia que se casou, com Maria da Silva Martins, a 2 de Março de 1918, mas a vida em conjunto seria breve. No ano seguinte, o homem partia para França, com um contrato de trabalho, e iniciou uma nova vida, em que o casamento português não tinha lugar.
Segundo as informações prestadas pelo próprio aos responsáveis do campo de Vernet, Américo da Costa entrou em França em Junho de 1919 e, até ser preso, em 1938, trabalhou em diversos locais do país: Creusot, Vouziers, Paris e Rouen, onde se instalou depois de 1924. Terá sido aí, talvez, que conheceu Renée Simon, uma cidadã francesa, com quem passou a viver maritalmente e de quem teve quatro filhos. Na altura em que o português chega a Vernet, contudo, já Renée tinha morrido e os filhos do casal estavam a cargo da assistência social do país.
O maiato foi preso a 12 de Julho de 1938 e condenado a cinco anos de prisão, por “atentado ao pudor e má conduta”. Quando presta informações em Vernet, Américo da Costa acrescenta “agressões” aos motivos que o levaram à prisão e justifica o atentado ao pudor com o facto de ter tido “relações com uma jovem de 17 anos”. Diz ainda que ficou proibido de permanecer em França pelo período de dez anos. O contacto que fornece, para o caso de ser preciso enviar alguma informação para Portugal, é o dos pais, e não da mulher que deixara para trás.
Foi apresentado um recurso à pena de prisão, mas esta acabaria por ser confirmada e Américo da Costa é alvo de uma ordem de expulsão do país a 15 de Junho de 1939.
Cumprida a pena de prisão, em Nîmes, o homem deveria ter sido libertado a 12 de Junho de 1943, mas, como é considerado “indesejável”, as autoridades francesas decidem o seu internamento administrativo e é na sequência dessa decisão que chega ao Campo de Vernet, em Outubro desse ano. O seu pedido para ser repatriado para Portugal é, contudo, visto com bons olhos, e há indicações para que se proceda às formalidades necessárias para que possa deixar o país.
É neste processo que é emitido o passaporte que não salvou Américo da Costa da deportação. Apesar de o documento ter a data de Março de 1944, a verdade é que quando o Campo de Vernet é encerrado no final de Junho, o português ainda lá está e, tal como os restantes internados, é entregue aos alemães.
Américo da Costa foi deportado para o campo de concentração de Dachau (prisioneiro n.º 94.034), no transporte que ficou conhecido como Comboio da Morte. Sobreviveu à guerra e foi repatriado para França, desconhecendo-se o que lhe aconteceu em seguida.
O casamento em Portugal foi dissolvido em 1978, ano em que morreu a mulher com quem Américo casara 60 anos antes.
“O meu pai não teve uma vida boa”
Quando os alemães chegaram à aldeia de Lacapelle-Biron, a 21 de Maio de 1944, André de Sousa estava na sua pequena quinta, La Belle Prionde, a cuidar dos animais. Por perto estavam a sua mulher e as duas filhas, de quatro e três anos. Em 2014, a mais velha das duas contou o que recordava desses tempos e as marcas que a passagem pelo campo de concentração de Dachau deixou no pai, para o livro Os Portugueses nos Campos de Concentração Nazis (ed. Vogais). Nadine de Souza, então com 75 anos, recordava: “É com uma precisão sem falhas que revejo aquela manhã em que os alemães vieram buscar o meu pai.”
André Avelino de Sousa nasceu em Sedielos, Peso da Régua, a 17 de Maio de 1911. Foi aí que se casou, a 29 de Outubro de 1933, com Lucinda Teixeira, antes de partir para França, em busca de melhores condições de vida. A mulher, grávida de gémeos que acabaria por perder, juntar-se-lhe-ia algum tempo depois.
Nadine de Souza (nome pelo qual é tratada, apesar de se chamar Fernande da Concession de Souza), dizia “sem certeza” que o pai terá chegado a França em 1936 e que a escolha de Lacapelle-Biron não terá sido aleatória: apesar de, nesse ano, ter apenas 510 habitantes, havia várias famílias portuguesas ali instaladas, incluindo as de outros dois homens que seriam deportados com o transmontano.
Sobre aquela manhã de domingo, em que os alemães invadiram a aldeia, numa rafle que terá sido motivada por denúncias da existência de actividade anti-alemã na zona, Nadine de Souza recordava-se: “Vi os camiões cobertos, os soldados e as suas metralhadoras. O meu pai fechou o celeiro, onde tinha ido alimentar os animais. A minha mãe chegou-se à soleira da porta, com a minha irmã ao colo e eu colada às suas saias. Recordo-me de o presidente da câmara, o senhor [Paul] Lagarrigue, dizer em dialecto ao meu pai que ele tinha de se dirigir à aldeia a uma hora precisa. E um soldado alemão aproximou-se de nós, as crianças, dizendo, “kinder, kinder”, ofereceu-nos um doce e fez-nos uma festa nas bochechas. O meu pai desceu então o caminho que levava a Lacapelle. A mamã seguiu-o pouco depois e eu percebi vagamente que ela lhe tinha arranjado uma pequena mala e que, depois, o meu pai subiu para um camião, e que lhe tiraram os cigarros e o canivete.”
Naquele dia, depois de reunir todos os homens no centro da aldeia, a divisão SS Das Reich seleccionou 49 deles — todos os que tinham entre 18 e 60 anos — para serem deportados para a Alemanha, a fim de se transformarem em mão-de-obra escrava. Os três portugueses incluídos neste grupo sobreviveram à deportação, mas 23 dos seus vizinhos, não.
Depois da selecção, os escolhidos de Lacapelle-Biron foram levados para o Hôtel des Roches, onde estavam a ser reunidos outros homens capturados na região, e conduzidos à cadeia de Agen, onde foram submetidos a interrogatórios.
A partida para o campo de concentração de Dachau acontece a 18 de Junho, num comboio que saiu do campo de internamento de Compiègne, para onde tinham sido, entretanto, transferidos. Nadine de Souza só voltaria a ver o pai (prisioneiro n.º 74.176) já após a sua libertação, quase um ano depois, no sanatório de Agen. “Estava muito doente com tuberculose”, contou. Depois disso, a vida da família nunca mais foi a mesma.
Por causa dos problemas de saúde decorrentes da deportação, André de Sousa não consegue manter a quinta e obtém uma taxa de invalidez de 100% +5, que lhe garante uma pensão. E as duas filhas são consideradas Pupilles de la Nation, uma designação que lhes permite receber uma pensão até serem adultas, e que fora criada para apoiar os órfãos da Primeira Guerra Mundial.
O homem não esconde à família a sua experiência em Dachau e no sub-campo de Allach. “O meu pai sofreu muito, com frio e com fome. Ele contou-me como os seus amigos portugueses estavam com ele, bem como alguns franceses da aldeia, e como se ajudaram uns aos outros. Falou-me também das agressões à bastonada, das partidas nas manhãs geladas para irem trabalhar, das cenouras congeladas apanhadas nos campos para comerem, recebendo assim mais agressões. Das latrinas que serviam de esconderijo para fumar um cigarro, o que também valia umas bastonadas. Ele disse-nos que transportara deportados para o forno crematório e que, se ele próprio não teve esse fim, foi porque foi libertado a tempo”.
Já sem a quinta da família, e depois da morte de Lucinda, em 1952, Nadine e a irmã Odette deixam Lacapelle-Biron em 1956. É em Toulouse que Nadine se instala e é também aí que morre o seu pai, a 26 de Maio de 1960, poucos dias depois de celebrar 49 anos. “O meu pai não teve uma vida boa, porque sofreu sempre muito”, contou a sua filha mais velha.
Já depois da guerra, o português, que não sabia ler nem escrever, regressou a Portugal por duas vezes, por causa de uma herança deixada pela sua mãe e para vender a casa onde esta vivera. A filha mais velha ainda mantinha contacto com alguns familiares em Trás-os-Montes e dizia que costumava ler páginas de A criação do Mundo, de Miguel Torga, para não se esquecer da língua dos pais e da sua “pátria do coração”.
Duas multas levaram-no à deportação
Foram precisas apenas duas multas para que Aníbal dos Santos fosse internado em França e, posteriormente, deportado para o campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha. Nascido em Bragança, a 11 de Outubro de 1884, chegou ao Campo de Vernet a 22 de Junho de 1943, por ordem do prefeito de Isère. Nos motivos para o internamento, que constam do seu processo do campo, lê-se: “Este estrangeiro é a prova do mais completo desprezo pelas nossas instituições. O seu mau exemplo constitui um elemento perigoso para a ordem pública.”
Mas pelo que foi, afinal, condenado o homem que chegara a França em 1919, com contrato de trabalho, casado e com quatro filhos? Identificado, em diferentes locais, como trapeiro ou fabricante de cestos, tinha uma pequena propriedade em Chasse-sur-Rhône, e as multas a que foi condenado foram por “infracção à lei da recuperação de materiais velhos” (200 francos, por decisão do Tribunal de Vienne a 7 de Outubro de 1942) e pelo “abate clandestino de animais” (uma vaca, segundo o próprio), o que levou o mesmo tribunal a condená-lo, a 10 de Fevereiro de 1943, ao pagamento de uma multa de 3000 francos.
Não há indicação de qualquer outro crime no registo de Aníbal dos Santos, não tem ordem de expulsão, nem sequer se refere qualquer suspeita de actividade política, mas a 16 de Junho de 1943, o prefeito de Isère vai ordenar o seu internamento. O relato dessa detenção, feita a 21 de Junho, mostra que o português, então com 58 anos, e que não sabia ler nem escrever francês, não tinha qualquer arma e acompanhou os agentes da polícia sem oferecer resistência.
No dia seguinte, dá entrada no Campo de Vernet, e começa imediatamente a pedir que o libertem para poder regressar a casa, em Chasse-sur Rhône, e continuar a ocupar-se da quinta, dos filhos e do seu trabalho. O responsável do campo diz que ele “não parece perigoso” e que a mulher tem “‘cabeça’ fraca” depois da morte de dois filhos, pelo que não vê inconveniente na sua libertação.
Mas o pedido nunca será satisfeito. Mesmo com Aníbal dos Santos a reiterá-lo, já após ser transferido para o campo “hospital” de Noé, a 19 de Janeiro de 1944. Ele bem diz que sempre pagou os seus impostos e que nunca se interessou por política. “Vivi para a minha família, tenho quatro filhos, e para os meus negócios”, relata, pedindo, de novo, para o deixarem regressar a casa, a 28 de Março de 1944.
Também o responsável por Noé dá parecer favorável à libertação do português, mas a autorização para que tal aconteça nunca chega. A 4 de Agosto de 1944, os serviços do campo são informados da recusa do pedido e da razão para tal: “De facto, o prefeito de Isère opõe-se ao regresso do interessado ao seu departamento”, escreve o prefeito de Haute-Garonne ao director do campo, explicando que, por isso, não pode “dar seguimento a esse assunto”.
Nesta altura, contudo, qualquer resposta já chegaria demasiado tarde. Aníbal dos Santos já tinha sido deportado para Buchenwald (prisioneiro n.º 69.455) num comboio que saiu de Toulouse a 31 de Julho de 1944.
Luís Ferreira Martins, outro deportado português que seguia a bordo desse mesmo transporte, testemunhará isso mesmo, numa carta erradamente datada de 1944, em que refere: “O senhor Dos Santos, Aníbal, estava no campo de Noé (Alta Girona) a 30 de Julho de 1944 e foi deportado nessa data, como e centenas de outros detidos, para Buchenwald, onde ele desapareceu”.
Apesar da já ter quase 60 anos quando chega ao campo de concentração, Aníbal dos Santos consta da lista de sobreviventes portugueses de Buchenwald. Contudo, o homem deverá ter morrido já depois dessa lista ser feita, sem nunca regressar a casa. Nos documentos relacionados com o pedido da sua companheira para que lhe fosse atribuído o estatuto de deportado político, o português é sempre identificado como “desaparecido”. O pedido seria rejeitado, em 1962, e comunicado à família a 31 de Janeiro de 1963, com a indicação que a razão para Aníbal dos Santos ter sido deportado fora “um delito comum”, pelo que não poderia ser reconhecido como deportado político.
Um cigano nascido em Lisboa
Os registos sobre Antoine Bauer, preservados em Arolsen e na região de Vienne, em França, são unânimes: este homem nasceu em Lisboa, a 16 de Janeiro de 1910. Antoine Bauer era cigano e foi deportado para o campo de concentração de Sachsenhausen numa situação pouco comum em França, onde a comunidade cigana não foi alvo de uma deportação colectiva.
Em 1961, a Cruz Vermelha procurava saber, junto do então International Tracing Service (hoje Arolsen Archives) o que acontecera a Antoine Bauer, depois de ter sido enviado para a Alemanha. O pedido era feito por um dos seus três filhos, Louis, que apenas sabia que o pai foram levado de Poitiers algures em 1940/41 e que trabalhara na Alemanha “pelo menos até 1945”. Desde então, refere-se na carta, “os familiares do desaparecido não receberam qualquer sinal de vida dele.”
Não havia sinais de vida para dar, porque Antoine Bauer, prisioneiro 58.375 no campo de concentração de Sachsenhausen, terá morrido aqui, em data desconhecida.
Bauer foi vítima da repressão dos regimes nazi e colaboracionista francês e, aparentemente, da aleatoriedade. Os ciganos franceses foram proibidos de circular no território a partir de Abril de 1940, mas alguns meses depois, as autoridades alemãs decretaram que lhes fosse fixada uma residência, o que, para muitos deles, significou o internamento em campos criados para o efeito no país.
Antoine Bauer, a mulher, os três filhos e outros elementos da família alargada são detidos e internados no campo de Mérignac a 15 de Outubro de 1940. Cerca de dois meses depois, a família é transferida para um novo campo, construído na estrada de Limoges para Poitiers e é aí que vai permanecer durante anos, apesar do pedido (negado) de Antoine Bauer ao prefeito de Poitiers logo em 1941, para ser libertado.
A separação da família acontece a 13 de Janeiro de 1943 (e não em 1940/41, como apontava o filho), quando Antoine Bauer é integrado num grupo de 70 ciganos do campo, com idades entre os 16 e os 60 anos, transferido para Compiègne, a fim de ser enviado para a Alemanha, para suprir a falta de mão-de-obra do regime. Esta deportação, segundo o catálogo de uma exposição sobre os campos da região de Vienne, foi caso único entre a comunidade cigana francesa e a escolha de quem integraria o grupo terá sido feita de forma aleatória. Um outro aspecto fora do comum neste processo é que o grupo terá sido alvo de uma selecção ainda em Compiègne, já que seis deles são reenviados para Poitiers, por razões de saúde.
Com 33 anos, Antoine Bauer não tem tanta sorte e é deportado para Sachsenhausen com os restantes homens do grupo, perdendo-se o seu rasto aí.
A I Guerra Mundial levou António a França, a Segunda aos campos de concentração
António Ferreira, nascido em Vila Real, a 22 de Março de 1895, chegou a França com o Corpo Expedicionário Português, em 1916. Era soldado de Infantaria e foi nessa condição que participou na Primeira Guerra Mundial. Desmobilizado a 27 de Novembro de 1918, em Reims, não regressou a casa. A decisão de permanecer em França iria moldar-lhe o destino.
O transmontano nunca casou e viveu em diferentes localidades francesas, onde trabalhou sempre no fabrico de cimento — primeiro em Reims, depois na zona de Bordéus e, a partir de 1928, em Limoges, onde reside quando é preso 14 de Novembro de 1941.
Julgado pelo Tribunal Militar de Périgueaux é condenado a dois anos de prisão e à proibição de permanecer em França durante dez anos, por “atentado à segurança exterior do Estado”. O documento em que é vertida a sentença refere que António Ferreira já fora previamente condenado, em 1930, em Lyon, também a dois anos de prisão, por razões que não são referidas. A pena fora acompanhada de uma ordem de expulsão do país.
A segunda condenação, contudo, acontece já em plena Segunda Guerra Mundial e, tal como aconteceu com outros portugueses considerados “indesejáveis” pela França de então, o fim do cumprimento da pena de prisão não significa, para António Ferreira, a liberdade. Em vez disso, depois de deixar a Prisão Militar de Mauzac, é enviado para o Campo de Vernet, onde chega a 27 de Outubro de 1943. Aí, conta que a sua identificação lhe foi retirada em Limoges, aquando da sua detenção, e nega ter alguma vez tido qualquer actividade política ou sindical, bem como a autoria do crime pelo qual fora condenado. “Diz ser vítima de uma vingança de uma mulher e de falsas denúncias”, transcrevem os responsáveis do campo.
António Ferreira pede para ser repatriado para Portugal e a sua saída do campo não é mal-vista pelos que o dirigem. Numa carta dirigida ao prefeito de Ariège, a 6 de Março de 1944, o chefe do campo refere que o português sempre teve um bom comportamento ali e também em Mauzac, pelo que é favorável a que ele fique em prisão domiciliária na sua residência, em Limoges.
Dias depois, contudo, o secretário-geral da Manutenção da Ordem aposta na partida de António Ferreira para Portugal, instando os responsáveis do campo a insistir com ele para “começar imediatamente os passos necessários ao seu repatriamento”. “Quando Ferreira estiver na posse dos documentos necessários ao seu regresso a Portugal, deverá conduzi-lo, sob escolta, à fronteira e dar-me a conhecer (...) se a partida se deu sem incidentes”, escrevia.
Só que o processo não avança. A 13 de Abril de 1944, o consulado de Portugal em Toulouse comunica ao director do Campo de Vernet que não pode tratar do repatriamento, “por ausência total de documentos portugueses de identificação”. Por ali desconhece-se o nome dos pais de António Ferreira (estão descritos como “desconhecidos”, o que pode indicar que ele tenha sido abandonado) e o local e data exactos de nascimento.
Por isso, quando o campo encerra e os seus ocupantes são entregues às autoridades alemãs, a 30 de Junho desse ano, António Ferreira junta-se aos que foram deportados para o campo de concentração de Dachau. Aí, é-lhe atribuído o número de prisioneiro 94.042, que trocará pelo 45.484, quando é transferido, já em 1945, para o campo de Flossenbürg. Os últimos registos do percurso do transmontano pelo sistema concentracionário nazi, localizam-no em Bergen-Belsen, onde chegou a 7 de Março de 1945. Depois disso, desconhece-se o que lhe aconteceu.
Gaseado em Hartheim
Sabe-se quase nada da vida de António Ferreira, nascido a 25 de Dezembro de 1897, em Vila Real. O seu nome aparece apenas na lista dos transportes que deixaram a França em direcção aos campos de concentração nazis e numa breve referência no campo de concentração de Mauthausen.
Segundo as informações disponíveis, António Ferreira chegou ao campo de concentração de Mauthausen a 27 de Agosto de 1943, tendo-lhe sido atribuído o número de prisioneiro 34.520. Foi transferido para o subcampo de Schwechat e, depois, para o Castelo de Hartheim daquele complexo, onde foi gaseado a 11 de Setembro de 1944.
Está identificado como prisioneiro NN, uma referência ao termo alemão Nacht und Nebel (Noite e Nevoeiro), nome de código de uma directiva de Adolf Hitler, de 1941, segundo a qual os activistas políticos e resistentes contra o regime nazi nos territórios ocupados deveriam ser julgados por tribunais especiais, que funcionavam à margem das convenções internacionais, podendo ser feitos prisioneiros, mortos ou simplesmente desaparecer, sem que fosse dado qualquer conhecimento do seu destino aos seus familiares.
Depois de ter sido central na aplicação da Aktion 4 (directiva que previa a eutanásia de doentes e pessoas com deficiência), o Castelo de Hartheim foi o palco da aplicação de uma outra directiva, a Aktion 14f13, que previa o assassinato de prisioneiros dos campos de concentração que se encontrassem demasiado fracos ou doentes para trabalhar.
Segundo os dados do Centro de Documentação de Mauthausen, cerca de cinco mil prisioneiros deste complexo e três mil de Dachau foram mortos naquele local, cumprindo aquela directiva. Aqueles que eram seleccionados para serem mortos neste local eram gaseados poucas horas depois de ali chegarem.
Um sobrevivente com oito filhos
Sabe-se muito pouco sobre as razões que levaram António Ribeiro a ser deportado para Buchenwald, a 30 de Julho de 1944, no mesmo comboio em que seguiam quatro outros portugueses: Aníbal dos Santos, Cândido Ferreira, Luiz Ferreira e Venâncio Dias. O homem sobreviveu à passagem pelo campo de concentração nazi.
António Ribeiro nasceu a 5 de Julho de 1895 na Beira Alta, numa localidade identificada como Barco. Casado e com oito filhos, antes de ser detido, a 6 de Maio de 1944, vivia em Carmaux, embora não tenha sido possível encontrar o seu rasto nos arquivos da região.
Sabe-se que chegou a Buchenwald (prisioneiro n.º 69.823) a 6 de Agosto de 1944 e que o seu nome consta de uma lista de sobreviventes portugueses daquele campo de concentração, ao lado dos seus companheiros na viagem iniciada em Toulouse, com excepção de Cândido Ferreira, que morreu no campo.
No seu processo de Buchenwald, António Ribeiro está identificado como prisioneiro político. Os documentos dizem ainda que era mineiro e que os seus pais, António e Laura, morreram ambos em Espanha.
Um resistente medalhado
Foi baptizado como Benedito, mas preferiu identificar-se sempre pelo nome que usou depois de se mudar para França: Benoît. É, por isso, como Benoît da Costa que aparece identificado em todos os documentos que dão conta do seu percurso na Resistência Francesa, na deportação para os campos de concentração nazis e no reconhecimento pela luta que travou contra o nazismo, e que lhe valeu a atribuição de uma medalha.
Benedito da Costa Araújo nasceu em Rapa, Celorico da Beira, às 23h30 do dia 1 de Outubro de 1922. Não é certo quando se mudou para a região de Pas-de-Calais, no Norte de França, mas sabe-se que trabalhou como mineiro até 1942, ano em que se juntou à Resistência. A actividade do português está bem detalhada no seu ficheiro guardado pelos arquivos nacionais franceses e onde aparece numa fotografia sem data, aparentando uma idade muito superior àquela que teria em 1944, quando foi preso (apenas 21 anos). Os relatos do que fez durante a guerra são descritos pelo próprio e por dois chefes da Resistência; juntando-os, traça-se um percurso que bem podia estar na origem de um filme.
O português juntou-se aos Francs-Tireurs et Partisans Français (FTPF), ligado ao Partido Comunista Francês, em 1942, começando por distribuir panfletos patrióticos e colar cartazes nos muros em que se apelava aos trabalhadores franceses para “reduzirem o rendimento do seu trabalho para a máquina de guerra alemã”. Recebe o pseudónimo “Jacques”.
O facto de falar várias línguas (ele não especifica quais) faz com que seja enviado para locais geridos pelos alemães, como espião. Em Setembro de 1942 provoca várias explosões num desses espaços, o campo de aviação de Estrée-Blanche, e em Fevereiro de 1944 é ele que consegue as informações sobre a data de partida e percurso de um comboio de armamento que sairá deste local, permitindo que a aviação britânica o bombardeie.
Participa em sabotagens de vias férreas, roubo de armas germânicas e em confrontos armados com soldados alemães. Em Junho de 1944 é interrogado pelos alemães, mas não fica detido. Junta-se aos companheiros da Resistência e participa num combate em que, diz, perdeu, logo ali, “dez camaradas”, enquanto outros 22 foram “feitos prisioneiros e fuzilados de seguida em Arras”. “Os alemães perderam 60 homens, incluindo um comandante”, escreveu no seu testemunho sobre aquele combate que se prolongou por quatro horas e meia. Benoît da Costa não integra no seu relato que ele próprio matou três soldados alemães, são os seus chefes de Resistência que o relatam. As armas destes homens seriam escondidas pelo português e mais tarde recuperadas por ele, quando, na companhia de outros, tenta reorganizar os afectados grupos dos FTPF. Teve a seu cargo uma companhia com cerca de 130 resistentes e há-de ser reconhecido com a patente de tenente, pela sua participação no combate ao nazismo.
Benoît da Costa foi preso no bosque de Camblain-Châtelain quando se dirigia para uma reunião com a cúpula da Resistência local, a 25 de Junho de 1944. Foi torturado durante oito dias e passou por diversas prisões (Bethune ou Loos, por exemplo), antes de ser condenado, a 15 de Agosto, pelo Tribunal Militar Alemão em Arras, a trabalhos forçados perpétuos, por “alta traição, sabotagem e uso de armas contra o exército alemão”, relataram os seus chefes.
Foi deportado para Sachsenhausen naquele que seria o último transporte a deixar a França com destino aos campos de concentração nazis, a 1 de Setembro de 1944, e que ficou conhecido como o Comboio de Loos.
Em Sachsenhausen, com o número de prisioneiro 9995, é colocado no Bloco 38, classificado como “bloco disciplinar”. É depois transferido para Neuengamme (Bloco 17, prisioneiro n.º 58.035). Antes do final da guerra é ainda transferido para o campo de prisioneiros de guerra em Sandbostel. É aí que é libertado pelo exército britânico a 28 de Abril de 1945, regressando a França a 1 de Junho.
Como todos os deportados, Benoît da Costa regressa fragilizado e com problemas de saúde que carregará por toda a vida. Nos anos 1960 é-lhe atribuído um grau de invalidez de 85% e a lista dos problemas de que sofre é extensa: astenia dos deportados, problemas de fígado, estômago e coração, reumatismo e bronquite.
Ainda assim, quando relata a experiência que viveu durante a guerra, como resistente e como deportado, o português deixa uma mensagem: “Não me arrependo dos meus serviços pela França e se tivesse de recomeçar, voltaria a percorrer o mesmo caminho de coração cheio, para acabar com estes brutos nazis.”
Um esforço reconhecido pelas autoridades francesas, que o descreveram como um “resistente animado por uma bela fé patriótica, que participou arduamente na luta clandestina durante a ocupação pelo inimigo, foi detido e deportado e suportou corajosamente a dura provação de uma longa detenção”. Por tudo isto, Benoît da Costa foi agraciado com a Cruz de Guerra com Estrela de Bronze.
Morto num transporte de pesadelo
Bernardino da Silva não chegou ao campo de concentração de Dachau. Nascido em Cidoi, Alvarelhos, Santo Tirso (hoje, a localidade pertence à Trofa), a 17 de Março de 1923, morreu no trajecto, a bordo daquele que ficaria conhecido como “Comboio da Morte”.
Bernardino da Silva chegou a França com apenas 3 anos, em 1926, acompanhado da mãe, Deolinda da Silva. É ela quem, no pós-guerra, vai tentar descobrir o que aconteceu ao filho e, eventualmente, conseguir que o Estado francês o declare como deportado político, já em 1958.
Os dois viviam em Lourdes, nos Altos Pirenéus, mas Bernardino vai ser preso a centenas de quilómetros dali, durante uma rusga aos trabalhadores da barragem do rio Triouzoune, em Sérandon. Refractário ao trabalho obrigatório, decretado pelos nazis, o português ter-se-á juntado ao grupo de Resistência alvo da rusga, tendo sido detido pelos alemães, a 14 de Abril de 1944, na companhia de “outros dois camaradas portugueses e um número indeterminado de refugiados espanhóis”, segundo uma declaração da Câmara de Lourdes.
Com apenas 21 anos, Bernardino foi internado no campo de Nexon e posteriormente transferido para Compiègne, última paragem antes da deportação para a Alemanha. Aí, foi visto por um habitante de La Capelle-Biron que, numa carta enviada a Deolinda da Silva, em 1948, se desculpa por não poder dar muitas informações sobre o destino do jovem. “Vi o seu filho pela última vez em Compiègne, dois dias antes da nossa partida para Dachau, ou seja, a 16 de Junho de 1944. Ele tinha sido preso no maquis, segundo me disse, com cerca de 20 pessoas”, escreveu o homem que não é possível identificar pela assinatura ilegível, acrescentando ainda: “Presumo que fez parte de um transporte que chegou 15 dias depois de nós a Dachau”.
O nome de Bernardino da Silva aparece, de facto, na lista de passageiros do comboio com o n.º 7909, que saiu de Compiègne a 2 de Julho de 1944. E sobre este transporte, que ficaria conhecido como “Comboio da Morte”, sabe-se muito, graças ao testemunho de alguns dos sobreviventes.
Com mais de 2100 pessoas a bordo, de 19 nacionalidades diferentes, o comboio atravessaria os portões de Dachau depois de entre 500 a 900 dos passageiros terem morrido na viagem, feita sob um calor intenso, com várias paragens prolongadas (algumas das quais por causa de sabotagens na linha), e em que muitos terão sucumbido à falta de ar, em vagões de gado sobrelotados, e assolados pela sede. Cenas de loucura repentina entre os passageiros, que levaram a actos de violência, também foram relatadas pelos sobreviventes.
Quando chegou a Dachau, o comboio tinha sido reorganizado e havia vagões em que se tinham acumulado apenas os mortos. Alguns moribundos tinham sido retirados do transporte numa das paragens, em Revigny, e mortos com um tiro.
Os relatos dos sobreviventes indicam que o comboio transpôs os portões de Dachau pelas 16h30 do dia 5 de Julho. Os mortos são levados directamente para o crematório, sem nunca serem registados. Bernardino da Silva estaria, muito provavelmente, entre eles.
O Estado francês declarou-o, oficialmente, morto a 17 de Fevereiro de 1953. Cinco anos depois, era reconhecido como deportado político.
A morte aos 22 anos
Cândido Ferreira morreu em Buchenwald a 24 de Fevereiro de 1945, com apenas 22 anos. Uma condenação por roubo levou-o ao internamento em França e, posteriormente, à deportação para o campo de concentração nazi, a que não sobreviveria.
O jovem português nasceu em Castelões, Vila Nova de Famalicão, a 17 de Abril de 1922. Com apenas seis anos vai para França com os pais, tendo entrado no país a 24 de Maio de 1928. Vive na região de Charente e não se lhe conhecem opiniões políticas. Também não chegou a casar e trabalhava como assentador de telha até ser condenado a um ano de prisão, a 12 de Agosto de 1943, por roubo de colheitas. A sentença é acompanhada de uma proposta de expulsão do país.
Cândido Ferreira cumpre pena na prisão de Eysses e, quando se aproxima a data em que pode ser libertado, em Julho de 1944, é determinado o seu internamento. O prefeito de Toulouse quer que ele seja enviado para o Campo de Vernet, mas este está já em processo de encerramento (fechou a 30 de Junho), pelo que o famalicense é transferido para Noé, onde chega a 13 de Julho de 1944.
Com a guerra a aproximar-se do fim, também este campo começa a ser esvaziado e nesse mês os alemães deportam todos os internados capazes de trabalhar que ainda ali estavam. Cândido Ferreira é, assim, enviado para Buchenwald (prisioneiro n.º 69.209), num comboio que sai de Toulouse a 30 de Julho de 1944. Dois dias depois, o prefeito de Haute-Garonne está a escrever ao chefe do Campo de Noé, pedindo-lhe que lhe faça chegar um pedido de visto em nome de Cândido Ferreira, para que este possa regressar a Portugal, cumprindo a ordem de expulsão de que fora alvo, mas a resposta, datada de 4 de Agosto, dá conta que o português já não está ali.
Apesar da sua juventude, o jovem não consegue resistir à sua passagem por Buchenwald e morre a 24 de Fevereiro de 1945, a pouco menos de dois meses de completar 23 anos.
Morto em Neuengamme por alimentar quem passava a fronteira
“Não devemos estar tristes hoje. Neste dia, Casimiro voltou à sua aldeia”. Começava assim o discurso que o sobrinho e afilhado de Casimiro Martins fez na aldeia de Arcizans-Avant, nos Pirenéus franceses, quando o seu nome foi incluído num monumento que honrava os mortos locais da I Guerra Mundial. Casimiro não era francês nem lutara na I Guerra, mas morrera num campo de concentração nazi, depois de ter sido preso e deportado. O sobrinho, François Martins, desvendou a sua história quando se reformou e teve tempo para as pesquisas necessárias, como contou ao PÚBLICO, em 2014.
Casimiro Martins nasceu em Loulé (S. Clemente), a 12 de Março de 1906. Na década de 1920 ou 1930, segue as pisadas do irmão mais velho, Emmanuel, pai de François, e junta-se a ele em Arcizans-Avant, numa altura em que as obras para a construção de barragens e centrais eléctricas na região exigiam muita mão-de-obra.
Solteiro, “simpático” e “sempre disponível”, conquistou a simpatia de muitos, recordava o sobrinho que tinha apenas três anos quando Casimiro foi preso. A detenção aconteceu a 10 de Junho de 1944, na cantina da empresa em que o algarvio trabalhava, em Sassis. O pai de François pediu ajuda ao cônsul português em Pau e este, a 28 de Junho, escreve ao prefeito dos Altos Pirinéus, em Tarbes, a solicitar informações sobre Casimiro. “Se o motivo da sua detenção for insuficiente, peço-lhe, senhor prefeito, que o liberte”, escreve o cônsul. A resposta, de 30 de Junho, não traz nada de bom para Casimiro: “Em resposta à sua carta, tenho a honra de o informar que efectuei diligências junto do comandante da polícia de segurança alemã sobre o seu cidadão, Casimiro Martins, detido pelas autoridades alemãs no dia 10. Ele indicou-me que o Sr. Casimiro Martins foi acusado de ter fornecido provisões a terroristas.”
Nenhuma outra diligência terá sido feita pelas autoridades e Casimiro Martins, enviado inicialmente para a prisão de Saint Michel, acabou por ser enviado para Dachau, a bordo do chamado Comboio Fantasma, onde estavam outros nove portugueses saídos do Campo de Vernet.
O algarvio chegou a Dachau a 28 de Agosto de 1944 (prisioneiro n.º 94.305) e a 25 de Outubro desse ano é transferido para Neuengamme (prisioneiro n.º 61.393). É aí que morre a 19 de Dezembro de 1944, segundo os registos nazis, de uma infecção do intestino.
Em Portugal, a família nada soube do que aconteceu a este filho que partira para França, até François se dedicar a descobrir a sua história. Em França, as notícias não tinham sido mais esclarecedoras. Em 2014, François Martins recordava-se ainda de o pai nunca falar do irmão, excepto uma vez, no final da década de 1940, quando uma notícia na rádio dava conta da libertação de um grupo de prisioneiros na Sibéria. “Talvez Casimiro esteja entre eles”, terá dito, na altura, Emmanuel.
O destino de Casimiro Martins permaneceu na obscuridade até François Martins o trazer à luz do dia. E lutar por tudo o que o tio, preso por suspeita de ajudar os que fugiam do nazismo e tentavam passar a fronteira, tinha direito. Em 2010 conseguiu que Casimiro Martins recebesse o título de Deportado Resistente e, posteriormente, que fosse declarado “morto pela França”. A inserção do seu nome no monumento da aldeia que escolheu como casa nos últimos anos de vida foi apenas o ponto final dessa batalha.
Preso por roubar galinhas
Em 1943, quando chega ao Campo de Vernet, Delfim Ribeiro da Cunha já não era um jovem, estava apenas a alguns dias de fazer 56 anos. Estivera em França, como soldado português, na Primeira Guerra Mundial, altura em que foi ferido, mas terá regressado a casa, em Lousada, para voltar alguns anos mais tarde, a 19 de Março de 1928.
Foi para trabalhar e, durante a Segunda Guerra Mundial, era já viúvo de uma portuguesa, tendo deixado dois filhos em Lousada, onde ele próprio nascera a 1 de Março de 1887. Era tanoeiro, mas andou de cidade em cidade a trabalhar em obras como a electrificação da linha ferroviária Paris-Toulouse, até se fixar em Chateauroux, onde foi preso a 7 de Abril de 1942. Aos responsáveis do Campo de Vernet diz que foi condenado a oito meses de cadeia por “roubo de galinhas” — pena que foi aumentada para dez meses, após recurso. Mas recusa assumir a autoria do crime. “Pretende que foi um dos compatriotas que roubou e colocou as aves na sua bolsa”, escrevem na sua ficha. Além disso, insiste também que nunca fora condenado em França antes deste processo, embora as autoridades do país refiram uma condenação prévia, de oito dias de prisão, também por roubo e falta de visto, em 1938.
Fosse como fosse, Delfim Ribeiro da Cunha é considerado “indesejável em França” e recebe uma ordem de expulsão do país, sendo internado em Vernet, após cumprir pena na cadeia de Limoges, até, supostamente, regressar a Portugal.
Só que, tal como aconteceu com os outros portugueses que estavam em Vernet naquele ano de 1944, Delfim Ribeiro da Cunha não chega a ser repatriado e, a 30 de Junho, é entregue às autoridades alemãs, quando o campo é encerrado.
Deportado para o campo de concentração de Dachau (prisioneiro n.º 94.101), onde chega a 28 de Agosto a bordo do chamado Comboio Fantasma, permanece ali pouco tempo. No mês seguinte é transferido para o campo de Mauthausen e é neste complexo que morre, no sub-campo de Melk (onde os prisioneiros enfrentavam condições terríveis na construção de túneis), a 4 de Abril de 1945, com 58 anos.
A violência que ditou uma deportação
Os problemas de Domingos Fernandes da Cunha tinham começado muito antes de a Segunda Guerra Mundial se anunciar. O pedreiro, nascido a 27 de Dezembro de 1904, no lugar de Portozelo, em Cabanelas, Vila Verde, já tinha sido condenado vários vezes e sempre pela mesma razão: agressões. A esse facto juntou-se, mais tarde, o incumprimento da ordem de expulsão que lhe fora dirigida já a 15 de Abril de 1938.
Não se sabe o ano exacto em que Domingos Fernandes da Cunha chegou a França, mas sabe-se que em Setembro de 1924 ainda estava em Portugal. Foi nesse mês, no dia 7, que casou com Violante dos Santos, na freguesia do Olival, em Vila Nova de Gaia. Em meados da década de 1930, o homem já estava em território francês, com várias condenações associadas. Nos registos administrativos aparece a indicação de que tinha quatro filhos.
Até ser internado administrativamente, já durante a guerra, Domingos Fernandes da Cunha foi condenado várias vezes, com as agressões como motivo subjacente a praticamente todas elas. Em 1936, o Tribunal de Tours condenou-o a dois meses de prisão e em 1938 é condenado por três vezes: a oito meses pelo tribunal de Orleães, em Janeiro; a seis meses pelo tribunal de Tours, em Setembro; e a quatro meses em Outubro pelo mesmo tribunal, desta vez por incumprimento da ordem de expulsão que sob ele pendia.
A 6 de Abril de 1939, os mesmos motivos levam o português a ser sentenciado a mais um ano de prisão e a pena mais pesada chega a 6 de Junho de 1941, quando o Tribunal de Orleães o condena a dois anos de cadeia. O caso que levou a esta última sentença foi descrito pelo procurador-geral ao prefeito de Aube, num ofício que termina com a recomendação: “Acredito que se trata de um estrangeiro indesejável e por isso impõe-se o seu internamento desde a sua libertação e até que seja possível a sua expulsão.”
Segundo a descrição feita pelo procurador, Domingos da Cunha e a sua “concubina” foram convidados a jantar e pernoitar na habitação de outro português, “o senhor Louro”, numa noite em que se viram impossibilitados de regressar a casa. Após uma discussão “por motivos fúteis”, Domingos feriu o conterrâneo, esfaqueando-o repetidamente nas costas. “Da Cunha apresenta-se como um indivíduo particularmente violento”, refere o procurador-geral antes de elencar alguma das condenações prévias do português.
Por isso, quando a última pena a que fora condenado é cumprida, na prisão de Clairvaux, Domingos Fernandes da Cunha não é posto em liberdade. Seguindo as recomendações do procurador-geral e as orientações legais da altura, o prefeito de Aube determina o seu internamento administrativo. No documento em que ordena esse internamento, o prefeito refere que “em razão das circunstâncias actuais, a sua expulsão é difícil”, pelo que o português ficará internado até que ela “seja possível”. O homem é enviado para o campo de Rouillé e posteriormente, a 23 de Novembro de 1943, é transferido para o de Voves.
As autoridades do campo não demoram a tentar que Domingos Fernandes da Cunha seja, efectivamente, expulso de França. Logo em Dezembro é emitida uma ordem para a sua libertação, mas o prefeito avisa o chefe da polícia que “o homem não pode ser libertado senão com garantia expressa que irá regressar ao seu país de origem”.
Quando esta comunicação é enviada, já os procedimentos para esse regresso tinham sido postos em prática. Em Fevereiro de 1944, Domingos Fernandes da Cunha é acompanhado ao consulado-geral de Portugal em Paris, para que lhe seja passada uma guia de repatriação. O documento, com fotografia, tem a data de 17 de Fevereiro de 1944, e a indicação de que “servirá de passaporte até à fronteira portuguesa”. Quanto a outros eventuais procedimentos para que o homem pudesse regressar ao seu país de origem, o cônsul-geral António Alves declina qualquer responsabilidade. “A intervenção deste consulado-geral face a assuntos deste género limita-se à entrega do passaporte de que possa precisar. As autoridades francesas responsabilizam-se, normalmente, por obter directamente o visto das autoridades alemãs e estabelecem elas mesmas as modalidades de transferência; o que parece justo, dado que a ordem de expulsão é dessas mesmas autoridades”, escreveu ao prefeito da região de Eure et Loire.
O processo de repatriamento de Domingos Fernandes da Cunha arrasta-se e acaba por nunca se concretizar. Local de várias fugas por parte dos internados, o Campo de Voves assiste à mais ousada de todas na noite de 5 para 6 de Maio, quando 42 prisioneiros deixaram o campo através de um túnel com cerca de 160 metros de comprimento, que começava na barraca dos chuveiros. Como consequência, as SS encerraram o campo no dia 9 e os prisioneiros que ainda lá estavam, como Domingos da Cunha, foram enviados para Compiègne, com o objectivo de serem deportados para os campos alemães.
Domingos da Cunha está na lista dos passageiros de um comboio que deixa Compiègne a 21 de Maio de 1944, em direcção a Neuengamme. E isso é tudo o que se sabe. Não há qualquer registo do seu número de prisioneiro no campo de concentração nos arredores de Hamburgo, pelo que não se sabe se Domingos Fernandes da Cunha chegou a entrar no campo ou se terá morrido ou fugido durante a viagem.
Sob suspeita
Se há algo que se pode dizer da história de Duarte da Paixão é que é complicada. Não há dúvidas de que foi preso, torturado e deportado. Também não há dúvidas de que pertenceu à Resistência, mas testemunhos do pós-guerra acusam-no de ser um traidor, que prestava informações à Gestapo. Por causa disso, o título de Deportado Resistente foi-lhe negado, já nos anos 1970.
Duarte da Paixão nasceu a 27 de Dezembro de 1916, em Torre de Terrenho, Trancoso. Em 1937 rumou a França, para se juntar aos pais que se tinham instalado em Francheville. Durante algum tempo muda-se para Pagny-le-Château, a cerca de 185 quilómetros de distância, onde trabalha como lenhador, mas acaba por regressar a Francheville, onde é preso, a 21 de Novembro de 1943, na posse de cinco armas. Torturado “publicamente”, segundo é descrito em alguns testemunhos, e durante o tempo que passou na prisão de Dijon, acaba por ser enviado para Compiègne a 7 de Janeiro de 1944, saindo dali num comboio que se dirigia a Buchenwald, no dia 21 desse mês.
Ali, recebe o número de prisioneiro 44.584 e fornece como contacto mais próximo o nome de uma irmã: Teresa Lima. Fica ainda registado que o homem então com 37 anos é solteiro e sem filhos.
Duarte da Paixão é transferido, 40 dias depois de chegar a Buchenwald, para as minas de sal de Nomensfeld, incorporadas no complexo, de onde será libertado em Abril de 1945 pelo exército americano. O português regressa a Francheville e o que parecia uma história linear começa a complicar-se.
Ainda em 1945, no mês de Outubro, um antigo chefe de Duarte da Paixão na Resistência, declara que o português “entrou em Junho de 1943 no 3.º grupo FFI [Forces Françaises de l’Intérieur] da Côte d’Or (Dijon)” e que foi “torturado publicamente em Francheville e depois deportado para Buchenwald”. Também um antigo patrão de Duarte da Paixão, de Pagny-le-Chateâu, afirma que, nos anos de 1940-41, enquanto o empregou, ele “tinha sentimentos franceses, ajudou os prisioneiros franceses a evadir-se, alimentou-os e albergou-os no seu domicílio.” “Ele tinha o maior desprezo pelos ocupantes alemães”, conclui.
Declarações escritas que terão contribuído para que o certificado de pertença às FFI lhe fosse concedido, logo em 1948. O pedido para que fosse considerado Deportado Resistente, contudo, não teve o mesmo desfecho, já que denúncias sobre o seu carácter e uma alegada colaboração com os nazis levam a uma investigação que se arrasta por vários anos, culminando, em 1973, com a recusa de atribuição daquele título.
Na origem das dúvidas lançadas sobre Duarte a Paixão, durante a investigação dos anos 1960, está a declaração de três homens de Francheville, que levam às seguintes conclusões, vertidas num relatório de 1966: “De moralidade duvidosa, Da Paixão era conhecido como um salteador, despojado de quaisquer escrúpulos, que vivia de expedientes e de roubos, e o que é ainda mais grave, como estando na base da detenção, internamento e deportação de vários verdadeiros resistentes denunciados por ele à Gestapo.”
As graves acusações levam a uma investigação mais profunda, concluída em 1968, que não encerra definitivamente as dúvidas. As conclusões transmitidas ao Ministério do Interior indicam que o cadastro de Duarte da Paixão inclui uma condenação a 22 de Outubro de 1941 de três meses de prisão com pena suspensa por “roubo de uma bicicleta destinada à evasão de um prisioneiro de guerra” e uma multa de 400 francos, em 1942, por agressão.
O documento confirma que o português se juntou à Resistência a 15 de Junho de 1943 e que foi “encarregado do transporte de armas para a Resistência”, bem como a sua prisão pela Gestapo e o facto de ter sido “submetido, sob tortura, a vários interrogatórios”.
As informações recolhidas dão ainda conta que Duarte da Paixão foi preso a 13 de Julho de 1945, após o regresso de Buchenwald, pelas autoridades francesas, por suspeita de denunciar “camaradas da Resistência” à Gestapo. Seria libertado a 13 de Setembro, depois de o tribunal de Dijon concluir que “era simplesmente suspeito de ter, após a sua prisão pela Gestapo e sob o efeito de tortura, denunciado certos camaradas.”
Analisados todos estes factos, conclui-se no relatório: “Não foi possível encontrar nada de preciso contra o sujeito. Ele negou-o sempre e os seus acusadores não apresentam qualquer prova válida.”
O documento, contudo, não teria o peso necessário para ilibar Duarte da Paixão aos olhos da administração francesa. A acusação de três homens, incluindo um antigo autarca, de que cinco antigos resistentes tinham sido denunciados pelo português parece falar mais alto. Mesmo que as declarações à polícia estejam pejadas de imprecisões. Desde logo porque três dos casos indicados parecem não ter tido contacto com a Gestapo: um nunca terá sido detido, o outro é desconhecido para os arquivos da Resistência, e um terceiro morreu durante a ocupação, mas sem indicação de a sua morte estar relacionada com os ocupantes.
A suspeita parece recair assim, totalmente, sobre o destino de dois homens: pai e filho de sobrenome Boneterre. Os dois viviam, com os restantes membros da família, numa quinta isolada e prestavam apoio a pessoas que precisavam de passar para a Zona Livre. Foram presos a 14 de Dezembro de 1943 e o pai foi condenado à morte e fuzilado, enquanto o filho foi deportado para Buchenwald, como Duarte da Paixão.
Um dos homens que acusa o português diz — erradamente — que os Boneterre foram presos “no dia seguinte [a Duarte], certamente no seguimento da denúncia do Da Paixão”, quando a detenção aconteceu cerca de três semanas depois. Outro diz mesmo que, após a deportação, “Da Paixão guardava na Alemanha os prisioneiros franceses.”
Já a viúva e mãe dos Boneterre, também ouvida na tentativa de esclarecer as dúvidas, declara que o advogado do marido, escolhido pelos alemães, lhe disse que aquele fora denunciado por Duarte da Paixão. E acrescenta uma explicação, no mínimo, estranha: “Tive muitos contactos com o advogado designado pelos ocupantes, que me disse que a sua defesa seria muito difícil, porque ele tinha sido denunciado por um Da Paixão, de Francheville, que fazia parte, segundo diziam, do Exército Vermelho, que, na época era constituído em grande maioria por russos favoráveis à Alemanha.”
Não há, no processo guardado no ficheiro de resistente de Duarte da Paixão qualquer declaração feita pelo próprio, nem qualquer sinal de que tenha sido ouvido novamente no âmbito desta investigação.
Após o regresso da Alemanha, casara e teve pelo menos um filho, abandonando entretanto a região e instalando-se na Córsega. Em 1973, o Ministério dos Antigos Combatentes e das Vítimas de Guerra rejeita o seu pedido para ser considerado Deportado Resistente, com a justificação que “os elementos recolhidos não estabelecem que a detenção foi motivada por um acto classificado como de resistência ao inimigo”.
Um sobrevivente improvável
Emílio Pereira sobreviveu à sua passagem pelo campo de concentração de Buchenwald e isso é um feito improvável, dadas as condições de vida que ali existiam e a sua própria condição física. Mas este não é o único mistério a rodeá-lo.
Nascido em Vila de Prado, Vila Verde, a de 2 de Fevereiro de 1910, não há, no seu processo guardado nos arquivos de Arolsen, qualquer indicação de que teria residência em França. O que pode indiciar que Emílio era combatente da Guerra de Espanha e entrou em território francês como refugiado ou ferido de guerra. Mas não há certezas.
O que se sabe, de acordo com o seu processo, é que foi preso a 11 de Dezembro de 1943 e que foi deportado para Buchenwald num comboio que saiu de Compiègne a 22 de Janeiro de 1944. Está registado como “prisioneiro político”, mas desconhece-se a razão exacta que levou à sua detenção e posterior deportação.
Pedreiro de profissão, Emílio Pereira era solteiro, sem filhos, media 1,63 e pesava uns meros 55 quilos. O seu registo médico do campo refere que teve malária em 1923 e que em 1943 sofreu um acidente que lhe fracturou o crânio e lhe deixou uma cicatriz profunda na cabeça, com cerca de 10 centímetros, além de uma fractura no braço esquerdo e contusões na pélvis. Foi ainda operado ao fígado e sofria de epilepsia, com a ocorrência de “três a quatro ataques” por mês.
Apesar de ser enviado para um espaço onde os mais fracos e que não tinham condições para trabalhar acabavam, muitas vezes por não resistir ou ser mortos, Emílio Pereira aparece na lista de sobreviventes portugueses de Buchenwald. Desconhece-se o que lhe aconteceu a seguir.
Família D'Azevedo Neves
Américo d'Azevedo Neves, Maria da Silva Leite
Gião, Vila do Conde
Uma família de resistentes
Os D’Azevedo Neves pagaram caro o seu combate ao nazismo, na França que escolheram para viver. Américo foi preso, torturado e morreu no bombardeamento da prisão em que se encontrava, dois dias antes de ver cumprida a pena de morte a que fora condenado pelos alemães. A mulher, Maria, e um dos seis filhos do casal, Maurice, foram deportados para campos de concentração. Os dois sobreviveram.
Maria da Silva Leite nasceu em Gião, Vila do Conde, a 21 de Fevereiro de 1900. É aí que cresce e que casa, a 24 de Abril de 1919, com Américo d’Azevedo Neves, da mesma freguesia. Ela tinha 19 anos e ele, nascido a 7 de Julho de 1896, 22. Os filhos (seis sobreviveram, mas a mulher perdeu outros dois) começam a chegar logo a seguir. Manuel, que nasce a 9 de Fevereiro de 1920, é o primeiro. Seguem-se Marcel (17 de Agosto de 1921), Maurice (8 de Julho de 1924), Marie (4 de Abril de 1930), Christian (28 de Dezembro de 1931) e Jeannette (7 de Abril de 1936).
Não se sabe exactamente quando é que a família emigrou para França, instalando-se em Albert, mas em 1931 já tem cartões de estrangeiros emitidos pelo município. Depois de o país ser invadido pelos alemães, em 1940, os D’Azevedo Neves não fogem ao combate e envolvem-se com a Resistência, integrando os Francs-Tireurs et Partisans Françaises (FTPF), ligado ao Partido Comunista.
Américo d’Azevedo Neves é preso pela primeira vez, supostamente após uma denúncia, a 1 de Maio de 1941. Quem o detém, por actividades relacionadas com a Resistência, é a polícia francesa, mas rapidamente o entrega à Gestapo. Julgado pelo Tribunal Militar Alemão é condenado a dois anos de cadeia. Acaba por ser libertado de Amiens um pouco mais cedo, em Janeiro de 1943, após ver “perdoado” o resto da pena pelos alemães, por ter ajudado a extinguir um incêndio na prisão, segundo o livro On les nommait des étrangers… (Les immigrés dans la Résistance), de Gaston Larouche e de Boris Matline, coronel dos FTPF, e publicado em 1966, em que a família portuguesa é referida.
Livre, Américo, que actua sob o pseudónimo “Auguste”, regressa aos FTPF e assume o comando de um grupo de 40 resistentes, participando em várias acções de descarrilamento de transportes e sabotagem, antes de ser novamente denunciado, alegadamente por um elemento do seu grupo, e preso.
Levado de casa pela Gestapo, pelas 5h da madrugada de 29 de Setembro de 1943, foi torturado violentamente (arrancaram-lhe a orelha esquerda, as unhas de um pé e de uma mão e tinha o corpo coberto de hematomas), mas não terá falado. Em Novembro, segundo um relato da mulher Maria, comunicou à família que o tribunal alemão o condenara à morte. A sentença deveria ser cumprida a 20 de Fevereiro de 1944.
Ironicamente, Américo d’Azevedo Neves encontraria a morte dois dias antes, quando a cadeia de Amiens, onde estava, de novo, encarcerado, foi bombardeado pelos Aliados, numa operação desenhada para libertar resistentes presos, a Operação Jericó. Maria e Maurice só souberam do que lhe acontecera depois de regressarem do cativeiro na Alemanha, em 1945.
Porque a prisão de Américo foi apenas o início do sofrimento dos D’Azevedo Neves às mãos dos nazis. A 17 de Novembro de 1943, mãe e filho são presos em simultâneo. Ela actuava como agente de ligação, acolhia patriotas e escondia armas. Maurice, como o pai, participara em diversos actos de sabotagem.
Os dois são enviados também para a prisão de Amiens, que deixam em dias distintos. Maurice d’Azevedo Neves é transferido para Compiègne a 17 de Janeiro de 1944 e daqui é deportado para Buchenwald (prisioneiro n.º 43.118) num comboio que deixa aquela localidade no dia 22. A mãe, Maria, chega a Compiègne dias depois, a 25 de Janeiro, e parte num comboio que se dirige para o campo de Ravensbrück (prisioneira n.º 27.650) a 31 desse mês, e onde também seguia Maria Barbosa.
A portuguesa fica em Ravensbrück até 20 de Julho de 1944, altura em que é transferida para Buchenwald e, posteriormente, para o subcampo de Leipzig, que fornecia a fábrica de armas HASAG, onde recebeu o número de prisioneira 3845. A 13 de Abril de 1945, o campo é evacuado e Maria acaba por ser libertada pelas forças Aliadas durante esse processo, no início de Maio. A 21 de Maio de 1945, chega ao Hotel Lutetia, em Paris.
Em Buchenwald, Maurice passa pelos comandos Laura e Dora-Mittelbau, dedicados ao fabrico das bombas V2. Libertado pelos Aliados, regressa a França, também via Hotel Lutetia, e a sua ficha médica do centro de repatriamento dá conta que perdeu 15 quilos durante o período em que esteve na Alemanha, além de apresentar várias lesões, incluindo um ferimento de bala que terá sofrido durante uma tentativa de fuga.
No pós-guerra, os três elementos da família viram os seus esforços na luta pela liberdade reconhecidos pelo Estado francês. Américo d’Azevedo foi considerado internado resistente e recebeu a distinção Morto pela França. Maria e Maurice viram reconhecidos a sua qualidade de deportados resistentes. A mulher morreu em Albert, a 23 de Junho de 1986.
Seis dias de Resistência
Bastaram seis dias na Resistência francesa para que Fernando Acácio de Barros fosse enviado para um campo de concentração, mas também para que a sua acção fosse reconhecida com uma medalha. Nascido a 5 de Julho de 1906, em Espinhosa, sobreviveu à guerra com graves problemas respiratórios e, nos anos 1960, quando tratava do processo para que fosse reconhecida a sua participação nas FFI (Forces Françaises de l’Intérieur) dava como morada a ala de doenças respiratórias do Hospital de Rambouillet.
Segundo o ficheiro de resistente de Fernando Acácio de Barros, a sua participação no combate aos ocupantes nazis foi curta. Terá entrado na Resistência a 7 de Junho de 1944, com a patente de sargento, e foi preso seis dias depois, a 13 de Junho, no âmbito de uma luta armada com o exército alemão.
Na altura, o português estaria a conduzir um camião que deveria recolher material lançado de pára-quedas pelos Aliados. Capturado, seria deportado para Neuengamme (prisioneiro n.º 43.735) num comboio que deixou a cidade de Belfort a 29 de Agosto de 1944. Os homens que seguiam a bordo deste transporte tinham estado encerrados desde o dia 15 de Agosto no Forte de Hatry, daquela cidade. Não se sabe exactamente onde esteve Fernando Acácio de Barros desde o momento da sua detenção até ser enviado para Neuengamme, onde chega a 1 de Setembro, mas no seu ficheiro de resistente, o período de deportação é contabilizado desde 20 de Julho, o que é estranho, já que, por essa altura, ainda não teria deixado a França.
Fernando Acácio de Barros, naturalizado francês, sobrevive à sua passagem por Neuengamme, mas paga um elevado preço. É ele mesmo quem o refere, num dos documentos do seu ficheiro: “Sofri muito na deportação e fui repatriado como grave doente pulmonar”.
À insuficiência respiratória com que terá de lidar a partir de então, junta ferimentos sofridos durante o bombardeamento a um comboio em que estava a ser transportado, em Abril de 1945. Foi libertado a 15 de Maio desse ano.
Em 1952 viu recusada a certificação de que pertencera às FFI, com a justificação: “Actividade FFI não demonstrada”. Contudo, o seu processo inclui a referência à atribuição da Medalha da Resistência, por decreto de 1951 e, em 1962 é-lhe atribuído, finalmente, o título de Deportado Resistente.
O irmão que não sobreviveu
Até hoje, permanece desconhecida a razão exacta pela qual Francisco Barbosa da Costa foi detido a 27 de Fevereiro de 1944, cerca de um mês e meio depois de a sua irmã, Maria Barbosa, ter sido também detida. Os dois seriam deportados para os campos de concentração alemães, mas o jovem, com apenas 20 anos no momento da sua prisão, não iria sobreviver.
Foram precisas décadas para que o percurso de Francisco Barbosa da Costa, nascido a 12 de Fevereiro de 1924, em Vilar das Almas, Ponte de Lima, fosse desvendado. A informação chegou a casa da sua irmã, Maria Barbosa, em Port-Sainte-Marie, em 2008. Mas François Vallon, viúvo da portuguesa que todos tratavam por Mariette, optou por não lhe contar o trágico destino do irmão, numa altura em que a mulher estava já muito debilitada pela doença que lhe causaria a morte poucos meses depois.
A informação do International Tracing Service (hoje Arolsen Archives) dava conta de um percurso penoso por vários campos alemães, até à sua presumida morte, em data desconhecida, no campo de Bergen-Belsen. Um campo onde a sua irmã também esteve, na mesma altura que ele, mas sem que se tenham cruzado.
Após a sua detenção, Francisco Barbosa da Costa foi deportado para Dachau (prisioneiro n.º 75.950) num comboio que saiu de Lyon a 29 de Junho de 1944. A 21 de Novembro é transferido para o comando Weiss-See e, dias depois, a 3 de Dezembro, regressa ao campo principal, onde volta a permanecer pouco tempo. A 12 ou 14 desse mês é enviado para Buchenwald (prisioneiro n.º 41.933) e dias depois para o sub-campo Ohrdruf (prisioneiro n.º 112.418). Há um registo que dá conta do internamento do português no hospital deste sub-campo. Quando é transferido para Bergen-Belsen, a 20 de Março de 1945, tinha 21 anos. Morreu aí nas semanas que se seguiram.
Francisco tinha apenas cinco anos quando os pais, João Barbosa e Diolinda de Magalhães, abandonaram Ponte de Lima e se instalaram na região de Lyon. É o último dos três filhos do casal minhoto nascidos em Portugal (além de Rosa, a mais velha, e Maria), a que se juntarão outros dois já nascidos em França. Naturalizado francês, o jovem poderá ter sido preso enquanto tentava descobrir o que acontecera à irmã. Era essa, pelo menos, a convicção de Mariette, segundo transmitiu ao P2, em 2014, o seu viúvo.
O único documento a dar conta de que Francisco não regressou a França é um “acto de desaparecimento”, emitido em 1947, no qual é confirmado que não houve qualquer notícia do jovem deportado “depois de 27 de Junho de 1944”.
De trabalhador a prisioneiro
Francisco Ferreira é mais um caso de um português que deixou o país ainda criança, acompanhando a família na emigração para França. Nasceu a 13 de Outubro de 1916, em São João das Caldas, Guimarães, mas na década seguinte já não está em Portugal e, em 1937, é considerado refractário, por ter faltado ao cumprimento do serviço militar obrigatório.
Segundo informações da revista Visão História de Novembro de 2017 (totalmente dedicada a uma investigação sobre o trabalho forçado de portugueses na Alemanha nazi), a família Ferreira instalou-se, nos anos 1920, em Sedan e naturalizou-se francesa em 1932.
Quatro anos depois, Francisco Ferreira, com 20 anos, voluntaria-se para o exército francês e, quando a guerra começa é um dos que é chamado para combater os alemães, sendo feito prisioneiro a 12 de Junho de 1940. O português naturalizado francês é condecorado com a Cruz de Guerra, mas, internado num campo de prisioneiros, acaba por aceitar um contrato de trabalho na Alemanha e é colocado na empresa Kleinvreser Sonne, em Krefeld.
O fim deste período chega quando um seu superior, aparentemente, considera que um emblema que ele tinha no casaco era um símbolo comunista. O vimaranense é preso pela Gestapo e enviado para o campo de concentração de Sachsenhausen (prisioneiro n.º 103.063) e, depois, Neuengamme (prisioneiro n.º 61.051). Um envelope deste campo perto de Hamburgo, com a data de 17 de Setembro de 1944 e contendo os objectos pessoais de Ferreira, diz-nos que ele deixou ali dois relógios (um de bolso e um de pulso), duas alianças de casamento, um anel e uma corrente.
Colocado no comando Drütte, é enviado para Bergen-Belsen, numa altura em que os Aliados se aproximam e o complexo de Neuengamme é evacuado. Quando o comboio em que segue é bombardeado pela aviação Aliada, na estação de Celle, a 8 de Abril de 1945, Francisco Ferreira está entre os prisioneiros que sobrevivem e tentam fugir, mas é capturado no dia seguinte pelas SS e, considerado válido para trabalhar, estará entre os pouco mais de 300 prisioneiros, dos quatro mil originais que estariam em Celle antes do bombardeamento, a ser enviado a pé para Bergen-Belsen.
A sua vida termina aí, embora não seja exactamente claro em que data. Inquéritos realizados no pós-guerra, para tentar saber o que lhe aconteceu, determinaram que a última informação sobre Francisco Ferreira data de 28 de Abril de 1945, colocando-o em Bergen-Belsen, mas, de acordo com a Visão História, a sua certidão de óbito aponta a sua morte para o dia 9 desse mês, o que indicaria que ele não teria sobrevivido ao bombardeamento e consequente execução de vários prisioneiros pelas SS, em Celle.
Sobreviver a Mauthausen
Francisco Gamero Gonzalez, nascido em Évora a 14 de Janeiro de 1914, até poderia ser de origem espanhola, mas não há dúvidas de que era português. É ele mesmo quem o afirma, na ficha em que pede para integrar o Partido Comunista de Espanha. Ainda assim, na documentação alemã relativa à sua passagem pelo campo de concentração de Mauthausen, está identificado como espanhol, provavelmente por ter chegado ali com outros combatentes da Guerra Civil de Espanha. O homem sobreviveu à sua passagem de quase quatro anos pelo temível campo de concentração em território austríaco.
Com a instrução primária, Francisco Gonzalez trabalhou no Barreiro, Vendas Novas e Cacilhas, onde morava antes de abandonar o país, em 1936. Quatro anos antes, contudo, tornara-se militante do Partido Comunista português, no Barreiro, tendo sido “encarregado de levar propaganda para o Norte de Portugal”. Era também sindicalista desde o mesmo ano. Preso pela polícia política em Agosto de 1936 passa 14 dias detido antes de ser “expulso do país”, relata na ficha de pedido de adesão ao PC espanhol.
Libertado a 4 de Setembro de 1936, parte nesse mesmo dia para França, instalando-se em Cherbourg. É a partir daí que entrará depois em Espanha, tendo participado na Guerra Civil enquanto membro das Brigadas Internacionais. Era “comissário político” e participou em diversas batalhas, mas nunca foi ferido. Eventualmente, face à derrota dos republicanos, terá fugido do país em direcção a França, mas antes, em 1938, pediu para aderir ao PC espanhol.
Francisco Gamero Gonzalez enfrentaria depois o mesmo destino de muitos combatentes da Guerra Civil de Espanha — a deportação para Mauthausen. O homem terá chegado a este campo de concentração a 2 de Maio de 1941, proveniente de Magdeburg, onde terá trabalhado numa das fábricas para onde eram enviados vários prisioneiros de guerra. Tinha o número de prisioneiro 5059 e esteve no subcampo Steyr, onde os trabalhos forçados a que eram sujeitos os deportados incluíam a produção de armas e a construção de abrigos aéreos subterrâneos.
O português aparece numa lista de sobreviventes espanhóis do campo de concentração de Mauthausen, com a data de 5 de Maio de 1945. Tinha, nessa altura, 31 anos.
Henrietta Helena Achtienribben, Henri Tesler e Sam Foyentin
Lisboa
Três dúvidas, mas não para os nazis
Nos registos dos campos de concentração aparecem vários casos de cidadãos identificados como portugueses, mas em que a veracidade dessa informação suscita dúvidas. Até porque, há casos em que, em diferentes documentos, são indicadas diferentes nacionalidades para a mesma pessoa e diferentes locais de nascimento.
É o caso de Henrietta Helena Achtienribben (nascida Weliogoera). Na base de dados do Yad Vashem, Henrietta aparece como tendo nascido em Lisboa, a 17 de Maio de 1905. A mesma localização é dada por uma fundação holandesa dedicada à memória de guerra, em Haia. Mas tanto nos Arolsen Archives como na documentação dos Países Baixos sobre o destino do povo judeu, o local de nascimento de Helena é Amesterdão. Não foi possível confirmar a origem da mulher que, sem qualquer dúvida, vivia nesta cidade dos Países Baixos durante a guerra e foi deportada de Westerbork (campo de internamento onde foram concentrados os judeus daquele país antes de serem deportados) para o campo de extermínio de Sobibor, onde foi morta, a 26 de Março de 1943.
As mesmas dúvidas aplicam-se a Henri Tesler, cuja data de nascimento é apresentada como 3 de Julho de 1932, em Lisboa. A criança teria apenas dez anos quando foi enviada de Darcy para Auschwitz-Birkenau, em 1942, acompanhada de uma familiar (provavelmente a mãe), de origem romena. Num dos documentos de Arolsen, Henri também aparece como tendo a nacionalidade romena, pelo que persiste a dúvida sobre se terá nascido mesmo na capital portuguesa. Segundo a informação que consta na base de dados do Yad Vashem, o comboio em que seguia Henri, e que saiu de Drancy a 25 de Setembro de 1942, tinha a bordo 1004 judeus, incluindo 127 crianças. Todas foram enviadas para a câmara de gás à chegada ao campo nazi em território polaco.
Outro caso que consta nos arquivos sobre os campos de concentração é o de Sam Foyentin, nascido a 15 de Janeiro de 1906 (ou 1908) também em Lisboa. Enviado em 1943 para Auschwitz, também a partir de Drancy, Sam é, dos três casos, aquele que cujas dúvidas são mais leves. Não aparece, nas bases de dados consultadas, informação contraditória sobre a sua origem — todos os documentos apontam Lisboa como o local de nascimento e a sua nacionalidade como portuguesa.
Contudo, existem outros casos de pessoas identificadas como portuguesas em todos os documentos dos campos de concentração que, efectivamente, não o eram. É o caso de Maurice Epstein.
O homem aparece na curta lista de oito sobreviventes portugueses do campo de concentração de Buchenwald. Segundo este documento, nasceu em Lisboa, a 14 de Dezembro de 1908. Para os nazis e os Arolsen Archives, Maurice Epstein é português. Mas a verdade, segundo as informações recolhidas junto do Memorial da Caserna Dossin, na Bélgica, é que Maurice nasceu em Klimontów, na Polónia.
Ele e a família — mulher e dois filhos — foram deportados do campo de Dossin, a 13 de Dezembro de 1943, num comboio que se dividiu já na Alemanha. A mulher de Maurice, Cipe, e o filho com menos de 15 anos, Jacques (Izak) seguiram para Ravensbrück, Maurice e o filho mais velho, Henri para Buchenwald. Toda a família é deportada como sendo portuguesa, graças a documentos falsos que terão conseguido. Mas nenhum deles, segundo os arquivos belgas, tinha qualquer ligação a Portugal. Dos quatro elementos da família, apenas Maurice e o filho mais novo, Jacques, sobreviveram.
Da Guerra de Espanha à morte em Sachsenhausen
Inácio Augusto Anta nasceu em Bragança a 5 de Abril de 1906 e é a prova de que o que poderia ser um trabalho menos penoso num campo de concentração, não significava a salvação de quem o exercia. Escolhido para integrar o Departamento de Matemática criado no campo de Sachsenhausen, acabaria por morrer ali, gaseado, depois de contrair tuberculose.
O português deixou Trás-os-Montes muito cedo, para ir estudar para Lisboa.
Esteve no Instituto Superior Técnico, mas, em 1925, vai para a Escola Militar, onde frequentou, sem o concluir, o curso de oficiais.
Em 1936, Anta faz-se de novo à estrada. Desta vez vai para Espanha, onde se juntará aos republicanos na Guerra Civil do país. Casa-se com uma catalã e, quando Barcelona cai às mãos dos franquistas, junta-se aos milhares de combatentes republicanos que procuram refúgio do outro lado da fronteira, em França. O filho de seis meses morrerá na travessia dos Pirinéus.
Em França, Inácio Augusto Anta é colocado no campo de Argélès-sur-Mer e, depois, no de Gurs. Segundo a Visão História de Novembro de 2017, o casal instala-se numa povoação próxima de Bordéus, e vivia das explicações de Matemática que o português dava. Os dois ter-se-ão envolvido com a Resistência e Anta foi preso pela Gestapo, em casa, 4 de Dezembro de 1942. Foi levado para o campo de Vincennes, mas tanto ele como a mulher (presa algum tempo depois) acabam por ser deportados para campos de concentração nazis: ela, segundo a edição de Dezembro de 2017 da Revista Militar, para Ravensbrück, ele para Sachsenhausen (prisioneiro n.º 58.427).
Inácio Augusto Anta é deportado num comboio que sai de Compiègne a 24 de Janeiro de 1943, com destino àquele campo de concentração.
É aí que ficará até à sua morte, em Fevereiro de 1945. Antes fora integrado no Departamento de Matemática, que entrou em funcionamento a 14 de Novembro de 1944. Anta fazia parte do grupo restrito de prisioneiros seleccionados para o integrar. Um documento da época dá conta que o departamento começou a funcionar com dez prisioneiros, mas apenas três dias depois do seu arranque, “alguns dos presos acabaram por se revelar inúteis”. Inácio Augusto Anta continua entre os restantes sete que permaneceram neste grupo de trabalho científico ao serviço do Reich.
A actividade longe dos trabalhos pesados da maior parte dos prisioneiros dos nazis, não é suficiente para o salvar e Anta junta o seu nome ao dos milhões de vítimas mortais dos campos de concentração.
O seu destino chegou aos jornais portugueses, através de informações publicadas n’O Século, em Julho de 1945, e fornecidas pelo filho do embaixador da Noruega em Portugal, que estivera com Anta em Sachsenhausen e procurava, através do jornal, chegar à família dele, a fim de lhe revelar o que lhe acontecera.
Regressar a casa
João António Fernandes deixou a aldeia de Lombadinha, em Gondoriz, nos Arcos de Valdevez, com apenas 18 anos. Nascido a 5 de Junho de 1911, rumou a França e por lá ficou durante décadas. Na Segunda Guerra Mundial, fez parte da Resistência, foi deportado e passou por três campos de concentração. Sobreviveu e acabou por regressar a Portugal, onde casou e teve dois filhos.
O minhoto fixou-se em Mouleydier, onde trabalharia como “jornaleiro, em trabalhos diversos”. Em Portugal, deixaram de ter notícias dele e o filho mais velho, António, bem como um amigo que com ele conviveu depois de o homem regressar à terra-natal, garantem que, ao fim de alguns anos, todos o davam como morto.
Mas João António continuava a fazer a sua vida em França, na pequena comuna na região da Dordonha (em 2010 tinha cerca de mil habitantes).
Durante a guerra acabaria por se juntar aos grupos de Resistência locais. Segundo os registos, fê-lo no mesmo dia em que se dava o desembarque da Normandia — 6 de Junho de 1944 —, embora o antigo líder do sector em que operava tenha testemunhado que a participação do português nas actividades contra os alemães era anterior. “Desde 1943 que teve uma parte activa nos combates do sector”, escreveu, num testemunho do pós-guerra para que João António Fernandes pudesse receber o reconhecimento de deportado resistente.
O português foi preso a 21 de Junho, durante combates com os alemães, e terá estado preso em Bergerac, até ao final de Junho, altura em que foi enviado para a prisão do Forte du Hâ, em Bordéus.
João António Fernandes é um dos portugueses que vai ser enviado para Dachau (prisioneiro n.º 93.945) no chamado “Comboio Fantasma”, que deixou Bordéus a 9 e Agosto de 1944 e só chegou ao campo de concentração nazi a 28 desse mês. O português não ficaria ali muito tempo. A 14 de Setembro foi transferido para Mauthausen (prisioneiro n.º 98.030) e cerca de um mês depois para o campo de Natzweiler, na Alsácia (prisioneiro n.º 42.733).
É aqui que irá permanecer até ser libertado pelo exército norte-americano. Regressou a casa, em França, em Maio de 1945. Com mais de 1,80 metro, pesava, nessa altura “40 quilos”, terá contado ao filho, décadas depois.
Muito debilitado, foi considerado inválido a 100%, apresentando problemas pulmonares, cardíacos, gastrointestinais e também “síndrome depressiva dos deportados”.
João António Fernandes manteria, em França, uma relação com uma mulher mais velha, com quem nunca casou. Terá sido ela a aconselhá-lo a procurar uma companheira jovem, que o pudesse apoiar no futuro. A lenda familiar diz que ele decidiu, então, regressar a Portugal.
Medalhado pelo Estado francês, senhor de uma pensão que os vizinhos portugueses não julgavam possível, por causa do valor elevado para a época, restaurou a casa dos pais, que já tinham morrido, e acabou por casar com Rosa Dias, em 1961.
O casal teve dois filhos e o português nunca deixou de passar temporadas em França, depois de uma tentativa para instalar lá a família, que não resultou porque a mulher não se adaptou. Foi lá que, em Junho de 1979, se sentiu mal. Regressou a Portugal com a ajuda do filho, mas as consultas em vários especialistas não o conseguiram salvar. Morreu a 22 de Novembro desse ano, de cancro do pulmão, e está enterrado no cemitério de Lombadinha, ao lado da mulher.
Um prisioneiro “NN”
João (Jean) de Brito nasceu a 14 de Agosto de 1906 em Idanha-a-Nova. Parte dos documentos que traçavam o seu percurso em França perderam-se, mas sabe-se que em 1933 já estava naquele país. O português foi deportado em 1942, em direcção a prisões alemãs. Morreu num dos campos de concentração nazis.
Não é certo em que ano João de Brito chegou a França, mas em 1933 já se encontrava em Gravigny, porque é aí que nasce a primeira das suas quatro filhas. No cartão de identificação como trabalhador, emitido pela prefeitura local em 1937 e válido até 31 de Dezembro de 1939, o português aparece como solteiro, mas tendo quatro filhas pequenas a seu cargo — a mais nova das quais nascida já durante o período de validade do documento, a 5 de Dezembro de 1938.
A 9 de Dezembro de 1939, já com a guerra em curso, João de Brito pede a revalidação deste documento, prestes a caducar, e as informações que acompanham o seu processo não apontam qualquer indício de que o operário fabril poderia ter qualquer actividade política. A sua conduta é apontada como “boa”, não há qualquer observação relacionada com a sua “moralidade” e em relação à sua “atitude do ponto de vista nacional”, as autoridades escreveram: “Não participou em qualquer manifestação ou reunião”. Apontado como um “trabalhador sério”, o português tem direito a uma nota da prefeitura a indicar: “O pedido deve ser tido em consideração, bom trabalhador, com trabalho regular e quatro filhos pequenos a seu cargo”.
O que se passou entre este ponto e o dia em que o português foi preso, a 12 de Maio de 1942, em Gravigny, é uma incógnita, mas a 10 de Julho desse ano, João de Brito, identificado como francês, vai a bordo de um comboio que deixa Paris-Trevè com os chamados prisioneiros “NN”, sigla de Nacht und Nebel (Noite e Nevoeiro), o nome de uma directiva de Adolf Hitler, de 1941, segundo a qual os activistas políticos e resistentes contra o regime nazi nos territórios ocupados deveriam ser julgados por tribunais especiais, que funcionavam à margem das convenções internacionais, podendo ser feitos prisioneiros, mortos ou simplesmente desaparecer, sem que fosse dado qualquer conhecimento do seu destino aos seus familiares.
Neste comboio seguiam 49 homens e uma mulher de diferentes nacionalidades. Dez deles são levados para Saarbrücken, onde são julgados. Os restantes, entre os quais se encontra João de Brito, vindo da prisão de La Santé, são enviados para a prisão especial das SS, Hinzert.
Segundo a página do Memorial da Deportação de França, este grupo, em que se inclui o português, é composto por homens que foram presos por posse de armas ou por serem activistas comunistas.
João de Brito chega a Hinzert a 11 de Julho de 1942 e recebe o número de prisioneiro 4591. A 17 de Setembro é transferido para a prisão de Wittlich, local para onde eram enviados os prisioneiros NN provenientes de Hinzert, enquanto aguardavam para serem julgados em Colónia. Brito terá ficado neste local até 1 de Julho de 1943.
O homem terá sido enviado para o campo de concentração de Sonnenburg, no seguimento do julgamento, já que era para aí que seguiam os prisioneiros NN condenados a trabalhos forçados. Morreu neste campo a 12 de Março de 1944.
Um teleférico para a liberdade
Quando arranjou emprego como operador de teleférico, na região de Aston, junto à fronteira entre França e Espanha, João de Faria e Sá achou que podia fazer alguma coisa para ajudar os “patriotas” que tentavam sair do país. Foi assim que, por sua iniciativa, o português se juntou à Resistência francesa, ainda em 1942. Uma decisão que lhe custaria a saúde.
Nascido em Sezures, Vila Nova de Famalicão, a 15 de Março de 1910, João de Faria e Sá emigrou para França em data desconhecida. Instalou-se nos Pirinéus, perto da fronteira com Espanha e o emprego como operador de teleférico apresentou-se como uma oportunidade para ajudar os “patriotas” que pretendiam escapar aos alemães. Os acessos à fronteira eram fortemente vigiados e o teleférico era um meio engenhoso de escapar a essa vigilância durante parte do percurso.
Segundo o próprio João de Faria e Sá contaria no pós-guerra, numa declaração que consta do seu ficheiro da Resistência, foi ele mesmo quem decidiu entrar em contacto com dois resistentes da região a dar conta das suas intenções. As declarações de ambos, a atestar a sua determinação e valentia, também constam do mesmo processo. Um deles, escreve que o português “favoreceu a passagem de patriotas que queriam juntar-se ao exército de libertação: a subida pelo teleférico dava uma grande vantagem aos patriotas, bem como aos guias que os acompanhavam; estes actos foram a causa da sua prisão”. O outro atestou que o famalicense “colocou o teleférico em marcha, para contornar as estradas guardadas pelos alemães e ajudar muitos jovens que se queriam juntar ao exército da África do Norte”. Acrescenta que, depois de preso, “apesar de todas as torturas, guardou o silêncio.”
João de Faria e Sá foi preso pela Gestapo a 23 de Março de 1943, após denúncia de um trabalhador que, segundo o português, desapareceu em seguida, com medo de represálias pelo que fizera. Esteve detido nas cadeia de St. Michel, em Toulouse, e em Fresnes, antes de ser enviado para Compiègne, de onde seria deportado para Buchenwald (prisioneiro n.º 41.109) a 17 de Janeiro de 1944.
Regressou a França a 6 de Maio de 1945, depois da libertação do campo, com a saúde irremediavelmente perdida. “As privações e os maus tratos dessa passagem pelo campo [de concentração] são a causa da doença que me garantiu uma pensão [de invalidez] de 100%”, escreveu.
De facto, são muitos os problemas respiratórios e pulmonares descritos no ficheiro de João de Faria e Sá. E toda a correspondência que consta deste processo, entre finais da década de 1940 e na seguinte, relacionada com o reconhecimento da sua condição de resistente e de deportado, é enviada para o Hospital de Pamiers, apresentado como a morada do português.
Entre os prisioneiros espanhóis
João Ferreira Fernandes, nascido em Adaúfe, Braga, a 15 de Outubro de 1907, está entre os primeiros cidadãos portugueses a morrerem num campo de concentração. Referenciado em todos os documentos como espanhol, chega ao mortífero campo de Mauthausen a 24 de Agosto de 1940 e morreria no final do ano seguinte, no sub-campo de Gusen.
Não parecem restar muitas dúvidas de que João Ferreira Fernandes combateu na Guerra da Espanha e chegou a França entre os milhares de republicanos que ali procuram refúgio, fugindo das tropas de Franco. E o que aponta nesse sentido não é apenas o facto de aparecer como espanhol nos poucos documentos que sobre ele subsistem. A sua chegada a Mauthausen é a principal pista nesse sentido.
Porque João Ferreira Fernandes chega ao campo em território austríaco num transporte carregado de republicanos espanhóis que se encontravam detidos no Frontstalag 184, em Angoulême, um dos vários centros de internamento alemães para prisioneiros de guerra nos territórios ocupados. No campo, o mineiro, casado com Eutimia Gonzales, recebe o número de prisioneiro 10.381. Fica por esclarecer se João se teria, de facto, naturalizado espanhol ou se existe uma confusão com a sua nacionalidade, fruto das circunstâncias da sua detenção.
Há uns anos, Antonio Muñoz Sánchez esteve em San Paio, onde encontrou algumas pessoas que ainda se lembravam do português. Na aldeia viviam muitos portugueses, que para ali tinham ido, para trabalhar nas minas. E, quando estas encerraram, nos anos 1930, muitos procuraram trabalho nas minas de Suria, perto de Barcelona.
O investigador espanhol diz não ter dúvidas que João Ferreira Fernandes foi um deles e que em 1936, quando rebentou a Guerra Civil de Espanha, o português se juntou aos combates, ao lado dos republicanos. E foi ao lado dos espanhóis que foi internado em Angoulême e deportado no Comboio dos 927, o primeiro transporte de civis a deixar a França em direcção a um campo de concentração, e a bordo do qual seguiam também João Ribeiro de Sousa e José Nunes Mateus.
A contabilidade dos refugiados espanhóis que chegam a Mauthausen naquele mês de Agosto de 1940 é mortífera. Das 1059 pessoas transportadas, 756 (quase 71,4%) morrem. O destino de outras 93 (8,78%) é desconhecido.
No caso de João Ferreira Fernandes não há dúvida. O certificado de morte emitido a 23 de Dezembro de 1941 informa que ele morreu em Gusen, pela 1h do dia 19 de Dezembro desse mesmo ano. Tinha 34 anos. Eutimia foi informada oficialmente da morte do marido e essa documentação foi essencial para que pudesse receber, posteriormente, uma indemnização das autoridades alemãs.
Resistente a qualquer preço
João Nunes Rodrigues tinha 24 anos quando foi preso pela Gestapo, numa altura em que tentava passar a fronteira de França para Espanha, com dois companheiros e sem qualquer ajuda organizada, para se juntar “às Forças Livres Francesas” em Inglaterra ou no Norte de África. Começava assim o seu percurso para a deportação, mas não acabava aqui a sua actividade de resistente.
Nascido em Águas Belas, Sabugal, pelas 20h do dia 17 de Março de 1919, João Nunes Rodrigues vivia com os pais, António e Maria dos Prazeres, em Divion, na região de Pas-de-Calais, quando a França foi invadida pelas tropas nazis. Era o segundo dos cinco filhos do casal e, tal como o pai, trabalhava nas minas de carvão de La Clarence.
A família tinha-se naturalizado francesa, a 13 de Dezembro de 1936, pelo que quando a guerra começou, João Nunes Rodrigues foi mobilizado. Voltou a casa depois de desmobilizado e, em 1942 junta-se à Resistência, fornecendo, no processo, informações que permitem sabotar a ponte de Divion. Jules Tijon, chefe de um grupo das FFI (Forces Françaises de l’Intérieur), contou, numa declaração de 1950, este episódio, bem como outros. “Dei-lhe folhetos que ele distribuía durante a noite, porque queríamos testá-lo antes de o admitir entre nós. Contudo, no mês de Agosto de 1942 fui preso, assim como a maior parte dos meus companheiros, e Nunes, sem outras ligações, tentou chegar a Inglaterra com dois camaradas, mas foi preso e deportado.”
A tentativa acontece no ano seguinte, já depois de João Nunes Rodrigues ter sido requisitado para o STO (Service du Travail Obligatoire), o programa de trabalho forçado alemão, que não cumpriu.
A 8 de Maio de 1943, a Gestapo prendeu João Nunes Rodrigues e os seus companheiros a pouco mais de 50 quilómetros da fronteira espanhola, em Oloron-Sainte-Marie. Recordaria, mais tarde, segundo o testemunho que deixou no seu processo da Resistência, que foi “torturado durante várias horas” e que os alemães lhe disseram que “não duraria seis meses” nos campos de concentração para onde seria enviado.
Antes da deportação, o português passou pelo Forte de Hâ e pelo campo de Royallieu, em Compiègne. Foi daqui que, a 27 de Junho de 1943, foi deportado para Buchenwald (prisioneiro n.º 14.093).
João Nunes Rodrigues seria, contudo, transferido para o sub-campo Dora deste complexo, onde trabalhava nos túneis em condições brutais. Foi aqui que, segundo o próprio, deu continuidade à actividade de resistente. “Era perfurador e quando a ocasião se apresentava, perfurava sem cuidado”, contou, garantindo que, por causa dos danos causados nessas ocasiões, “cerca de 20 máquinas ficaram assim inutilizadas”. As consequências faziam-se sentir logo a seguir, com o chefe do grupo a agredi-lo de cada vez que isto acontecia.
Com a apertar do cerco dos Aliados, os campos de concentração começaram a esvaziar-se e os seus ocupantes a ser transferidos para outros espaços mais distantes da frente de batalha. No caso de João Nunes Rodrigues, a transferência começou no início de Abril de 1945, quando foi enviado para o campo de Ravensbrück. Segundo a obra Le Livre des 9.000 Déportés de France à Mittelbau-Dora, coordenada pelo historiador Laurent Thiery, João Nunes Rodrigues integrou os passageiros de um grande comboio que deixou Dora a 5 de Abril de 1945 e circulou pela Alemanha, evitando as tropas Aliadas que avançavam, durante nove dias. Os prisioneiros foram depois sujeitos a uma “marcha de morte” de 40 quilómetros, até chegaram a Ravensbrück. Aqui, o jovem de origem portuguesa é inscrito como mecânico e recebe o número de prisioneiro 14.027, mas a permanência no campo próximo de Berlim é curta. A 26 de Abril começa a evacuação do espaço e os prisioneiros voltam à estrada, até serem libertados pelo Exército Vermelho, a 2 de Maio.
Para alguns internados no campo, incluindo o português, seguiu-se uma oportunidade para uma violenta vingança, que ele também relatou. “Começámos uma caça ao homem e encontrámos um capataz polaco, que nunca mais verá os seus, e um SS, que pendurámos pelos pés e queimámos, regando-o com gasolina, a 5 de Maio”.
Debilitado, João Nunes Rodrigues regressou a França a 18 de Maio. Teve direito a uma pensão de 100% + 63, pelos problemas de saúde associados ao tempo passado em deportação, e viu reconhecida a sua pertença às FFI, recebendo o grau de soldado, e a condição de Deportado Resistente.
A obra francesa que conta a história dos prisioneiros do país que passaram pelo sub-campo de Dora-Mittelbau refere que, ainda em 1945, João Nunes Rodrigues voltou ao trabalho nas minas de carvão e que casou, a 15 de Fevereiro de 1947, com Janina Pawlak. O casal teve uma filha, Nadine, que nasceu em Junho desse ano. João Nunes Rodrigues morreu em 2003.
Soldado e internado num campo de concentração
João Pereira da Silva nasceu em Celeirós, Braga, a 11 de Setembro de 1917, mas foi como soldado francês que foi feito prisioneiro dos alemães, em 1940.
O mais velho de seis irmãos (quatro dos quais já nascidos em França), Jean Pereira, como é referido nos diferentes documentos sobre a sua situação, naturalizou-se francês, com toda a família, a 13 de Abril de 1937. Cerca de três meses depois casava-se e em 1940 nasceria o único filho do casal, que Jean já não terá conhecido.
Feito prisioneiro de guerra, enquanto soldado do exército francês, Jean Pereira terá conseguido evadir-se e ficou a viver em Hamburgo, com um nome falso. Contudo, seria denunciado e acabaria por ser detido pela Gestapo, a 27 de Março de 1944. Levado para a prisão de Fuhlsbüttel, que funcionava, em parte, como campo de concentração, na área daquela cidade alemã, permaneceu aí seis meses, antes de ser transferido para Neuengamme (prisioneiro n.º 59.827).
Uma lista de bens entregues no campo, com a data de 6 de Setembro de 1944 contém o nome de Jean Pereira e a indicação de que ali deixou a aliança de casamento e um anel com sinete, pelo que se presume que terá chegado ao campo de concentração mais ou menos nessa data.
Já uma lista sobre o destino de deportados franceses indica que terá sido transferido, a 10 de Outubro desse ano, para o sub-campo do estaleiro Blohm und Voss, responsável pela construção de parte da frota naval alemã.
Depois, não há certezas. Há registos que o dão como desaparecido e outros que confirmam que nunca regressou ao seu domicílio, admitindo-se que possa ter morrido na Alemanha “entre 1943 e 1946”. No pós-guerra, o seu pai, Jacinto Pereira da Silva, tentou saber mais informações sobre o filho, dando conta que a última carta que recebera dele tinha a data de 1 de Janeiro de 1945.
O nome do português está, contudo, incluído na lista dos soldados que perderam a vida durante a Segunda Guerra Mundial, com a menção Morto pela França.
Morto em Agosto de 1941
João Ribeiro de Sousa pode muito bem ter sido o primeiro português a morrer nos campos de concentração nazis. Segundo os poucos registos encontrados sobre ele, nasceu na Régua, a 5 de Fevereiro de 1908. Está identificado como espanhol.
Os registos indicam que ele chegou ao campo de Mauthausen no final de Março de 1941, mas a informação não corresponderá à verdade, já que há dados que indicam que João Ribeiro de Sousa ia a bordo do Comboio dos 927, que deixou Angoulême a 20 de Agosto de 1940.
Certo é que João Ribeiro de Sousa, filho de Domingos Ribeiro de Sousa, ainda residente na Régua em 1941, morreu pelas 8h do dia 31 de Agosto desse ano, no sub-campo de Gusen, onde foi identificado com o número de prisioneiro 56.751. Em Mauthausen aparece como o prisioneiro n.º 11.710.
Uma vida inteira em Lacapelle-Biron
A família de Joaquim Sequeira ainda preserva um quadro que honra a sua participação na Resistência. Nele, aparece jovem, acompanhado de duas medalhas e o resumo da sua deportação, com a indicação final: “Honra aos deportados”. Mas, ironicamente, não foi a sua actividade de resistente que o levou ao campo de concentração de Dachau. Joaquim Sequeira foi preso numa rafle à aldeia em que vivia, Lacapelle Biron, juntamente com todos os vizinhos com idades entre os 18 e os 60 anos, incluindo dois outros portugueses, André de Sousa e Acácio Pereira.
Era isso mesmo que escrevia, em 2014, Maria-Louise Boas, num testemunho sobre o tio-avô do marido, Rui Sequeira, para o livro Os Portugueses nos Campos de Concentração Nazis: “Ele era resistente, mas naquele dia foi preso como os outros”. Tal como os outros dois portugueses deportados para Dachau no âmbito da rafle de 21 de Maio de 1944, Joaquim Sequeira sobreviveu à guerra e regressou a Lacapelle-Biron, onde viveu até à sua morte, a 31 de Dezembro de 1980. O seu corpo está sepultado no cemitério da aldeia.
Muito longe, portanto, de Lalim, em Lamego onde nasceu a 7 de Agosto de 1911. Foi também em Portugal que casou, com Maria Rocha, e teve uma filha, Januária. Contudo, quando parte para França, em 1932, vai sozinho e Maria-Louise Boas afirma que ele tentou por várias vezes que a mulher se juntasse a ele, mas que esta sempre recusou. Joaquim acaba por refazer a vida com uma moradora de Lacapelle-Biron, mas não volta a ter filhos.
Durante a guerra, Joaquim Sequeira ter-se-á juntado à Resistência logo no início de 1943, embora o documento que certifica a sua participação nas FFI [Forces Françaises de l’Intérieur] contabilize apenas o período entre 1 e 21 de Maio de 1944. É um antigo chefe do grupo a que o português terá estado ligado que situa a sua ligação ao combate ao nazismo num período mais longínquo, referindo ainda que a sua actividade principal consistia em “esconder e abastecer refractários, ligações e informações”.
Apesar de haver relatos de que a rafle a Lacapelle-Biron, pela companhia SS Das Reich (que atacou outras povoações na região) foi motivada por suspeitas de actividade da Resistência na zona, nada indica que houvesse uma identificação pessoal de Joaquim Sequeira ou de outros moradores da aldeia enquanto resistentes. Reunidos no centro da aldeia, todos os homens considerados válidos para trabalhar foram detidos e posteriormente deportados, a 18 de Junho de 1944, para o campo de concentração de Dachau.
Joaquim Sequeira (prisioneiro n.º 74.266) foi transferido cerca de um mês depois para o sub-campo em Markrich, que fazia parte do complexo de Natzweiler-Struthof, na Alsácia, onde se abriam túneis e se preparava a instalação de uma fábrica da BMW para a produção de motores dos aviões de guerra alemães. Mas o avanço das tropas Aliadas levou à evacuação do campo, bem como à transferência do material ali instalado para Allach, o maior sub-campo de Dachau. É também para lá que Joaquim Sequeira segue, no início de Setembro de 1944, e terá sido aí que trabalhou “no fabrico de material de guerra”, conforme contaria à família, depois de ser libertado a 3 de Junho de 1945, pelo exército norte-americano, e de regressar à aldeia.
Segundo o relato de Maria-Louise Boas, Joaquim Sequeira voltou dos campos nazis com problemas de saúde graves e, a determinada altura, teve de retirar um pulmão. Apesar de “muito reservado” e de “não gostar muito de falar do que se tinha passado em Dachau”, acabou por contar algumas coisas à família. “Ele dizia que sofreu muito e que estava sempre com muita fome. Davam-lhe apenas duas batatas cruas por dia, como alimento”, contava.
Analfabeto, dividiu o resto da vida entre uma pedreira e a quinta da companheira, enquanto pôde trabalhar. Segundo Maria-Louise Boas não voltou a ver a mulher e a filha que tinha deixado em Portugal.
Um “libertário intelectual” em Dachau
Quando foi preso pela polícia francesa pelas suas convicções políticas, José Agostinho das Neves já sabia muito bem que as consequências de tal acção poderiam ser pesadas. Afinal, ele já havia sido detido e deportado em Portugal pela mesma razão. Em França, iria experimentar um longo internamento no Campo de Vernet, antes de ser deportado para Dachau. Sobreviveu e regressou a França, onde continuou a viver no pós-guerra.
José Agostinho das Neves nasceu a 25 de Maio de 1905, em Lisboa. Ligado ao Partido Democrático português, dissolvido com a chegada da ditadura ao país, é preso, sob a acusação de imprimir clandestinamente panfletos e brochuras hostis ao regime. Foi deportado para a Guiné, mas fugiu e acaba por se refugiar em França, onde chega em 1929.
No ano seguinte instala-se na região de Paris e casa-se a 6 de Dezembro com Ermelinda Badessi, nascida no Porto em 1901, mas de ascendência italiana. A 17 de Maio de 1931 nasce a única filha do casal, Lucie, naturalizada francesa.
José Agostinho das Neves é jornalista e os seus passos são seguidos pelas autoridades francesas muito antes de a guerra começar. A sua proximidade com líderes da extrema-esquerda da comunidade e o facto de o seu cunhado ser um conhecido anarquista italiano terão contribuído para isso. Em 1933, o português vê ser-lhe negada uma autorização de residência e entre a clandestinidade e uma estadia na Bélgica, só três anos depois é que consegue regularizar a sua permanência em França, através de uma autorização de residência prorrogável.
Correspondente de vários órgãos de comunicação estrangeiros, José Agostinho das Neves declara-se “libertário intelectual” e fica ainda mais sob suspeita (e ameaça) quando funda, em Agosto de 1938, e em Setembro de 1939, duas publicações, de carácter anti-fascista — a primeira em português, a segunda em espanhol — que o Governo se apressa a proibir. Junta-se a isto o facto de fazer parte da Federação de Emigrantes Portugueses de França, dissolvida em 1939 pela sua associação ao Partido Comunista, e é o suficiente para que seja “considerado como pessoa perigosa para a ordem pública”, como se lê num relatório sobre ele, guardado nos arquivos da região de Ariège.
Por tudo isto, José Agostinho das Neves é alvo de uma ordem de expulsão a 20 de Dezembro de 1939. O português só será notificado desta ordem, contudo, a 17 de Abril do ano seguinte, quando é preso. No dia seguinte é encaminhado para o campo de Roland-Garros, onde são amontoados vários “indesejáveis”, e a 31 de Maio desse ano de 1940 é internado no Campo de Vernet. A razão está escrita na sua ficha do campo: “Expulso como anarquista — é considerado como um militante anarquista exercendo a sua actividade no seio das colónias portugueses e espanholas da região parisiense”.
José Agostinho das Neves, que já estará separado da mulher em 1940, vai permanecer no campo até 1944. Para ele, não se coloca a possibilidade de ser repatriado, já que deixou Portugal “como refugiado”, refere numa comunicação o próprio director do campo. Não é por isso de estranhar que o português ainda esteja em Vernet a 30 de Junho de 1944, quando o campo é encerrado e os seus ocupantes entregues aos alemães. O jornalista, tal como todos os que ali estavam, será deportado para o campo de Dachau (prisioneiro n.º 94.250) a bordo do “Comboio Fantasma”, que ali chega a 28 de Agosto.
José Agostinho das Neves sobreviveu ao campo de concentração a regressou a França, onde continuou a exercer a sua actividade como jornalista. A sua experiência no campo de concentração nazi chegou a Portugal logo em 1945, nas páginas do Diário Popular, depois de José Agostinho das Neves ter encontrado, por acaso, um jornalista deste periódico em Paris, a quem relatou os horrores vividos no transporte para o campo e a experiência em Dachau.
Na última parte do trabalho publicado ao longo de vários dias, e respondendo ao jornalista Fernando Teixeira sobre como era o regime de prisioneiros, contou: “De manhã, às quatro e meia, éramos obrigados a levantar-nos e a sair para o pátio onde permanecíamos todo o dia até às sete da tarde, qualquer que fosse o tempo cá fora. No Inverno, o sofrimento foi doloroso. Com a chuva, a neve e o frio e sem nos podermos abrigar, só nos restava um recurso: apertar-nos uns de encontro aos outros, como um rebanho de carneiros e ficarmos para ali a procurar não deixar fugir o calor que cada um de nós pudesse armazenar e ceder ao outro. Sem roupa que chegasse e sem calçado, com uma temperatura de 24 graus abaixo de zero, muitos caíam sem sentidos e, assim iam morrendo. Outros, com os pés gelados e gangrenados, eram levados ao hospital ou metidos como coisa inútil no forno crematório e queimados vivos. O espectáculo começou a ser tão vulgar que cada um de nós esperava a entrada no forno como o fim lógico daquela vida ilógica. Durante o dia, para romper a monotonia daquela vida miserável e para que os guardas não se aborrecessem, faziam-nos formar e conservar horas seguidas na posição de sentido para ver a nossa resistência e separar os que deviam partir para os trabalhos nos comandos e os que, por serem fracos, iam acabar na câmara dos gases, mortos por asfixia e intoxicação.”
Quando os norte-americanos libertaram o campo, em Abril de 1945, José Agostinho das Neves pesava, segundo o relato do próprio ao Diário Popular, 39 quilos.
Morto ao fim de mês e meio em Buchenwald
José Augusto Rodrigues tinha apenas 22 anos quando morreu no campo de concentração de Buchenwald. Não chegou a estar dois meses no campo para onde foi deportado, a partir de Compiègne, em França, a 17 de Janeiro de 1944.
Filho de um português e de uma francesa, de Marselha, José Augusto Rodrigues nasceu em Cascais, às 22h do dia 27 de Novembro de 1921, mas acabaria por fixar-se na cidade natal da mãe, com a família, para onde foi sem cumprir o serviço militar em Portugal.
Foi preso a 23 de Julho de 1943 e nos registos do campo aparece como preso político português, mas não são conhecidas as verdadeiras razões para essa detenção. Se estava ligado à Resistência, não terá tido uma actividade suficientemente importante para ter um processo próprio nos arquivos franceses dedicados a essa actividade.
Com 1,76 metros, olhos verdes e cabelo negro, faltava-lhe o dedo indicador da mão esquerda, e está inscrito como “padeiro” nos registos do campo de Buchenwald, onde chega a 19 de Janeiro de 1944, e recebe o número de prisioneiro 40.857.
Solteiro, sem filhos, a lista de bens com que chega a Buchenwald incluem várias peças de vestuário, uma navalha e fotografias. Quando morre, a 2 de Março de 1944, a informação registada é que não deixou qualquer objecto ou documento no Bloco 58, onde estava.
Sabotador e libertador de patriotas
José de Abreu, nascido a 15 de Fevereiro de 1920, em Infantas, Guimarães, tinha apenas 24 anos quando foi deportado para Dachau, em 1944, mas a sua actividade como resistente nos anos anteriores foi suficientemente relevante para que recebesse a mais alta condecoração francesa: a Legião de Honra Militar, grau de Cavaleiro, assim como a Cruz de Guerra com Palma.
António Abreu não estava em Guimarães quando José nasceu, encontrando-se “acidentalmente em França”, conforme se lê no assento de nascimento do filho. Não se sabe se essa permanência acidental em França foi suficientemente prolongada para que o jovem se lhe juntasse, mas o facto é que em 1940 José também já se encontra em França.
Nesse ano, emprega-se como padeiro, mas rapidamente começa a trabalhar na montagem de linhas eléctricas antes de se dedicar a uma actividade mais importante: a organização dos primeiros grupos francos de resistentes, na zona de Lyon.
São antigos responsáveis da Resistência que o identificam como “um dos primeiros resistentes” da região, dando conta que no final de 1940 o português já se dedicava à impressão e distribuição de jornais clandestinos e de panfletos anti-nazis e contra o governo de Vichy. Uma actividade que será rapidamente ultrapassada por outras mais importantes.
Em Junho de 1941, José de Abreu assume o comando de um dos grupos de acção imediata de sabotagem. No ano seguinte participa em acções de sabotagem, no serviço de informações e em acções de “evasão de patriotas”. Em 1943, acrescenta a estas actividades a “intercepção de cartas que denunciam patriotas à Gestapo” e participa em duas acções que são sistematicamente citadas por todos os que testemunharam a sua luta durante a guerra: é responsável por uma “acção que salvou a população de um segundo bombardeamento da RAF [Força Aérea Britânica]”, em Le Creusot (onde fábricas que trabalhavam para os alemães já haviam sido bombardeadas, com grandes baixas civis) e participa no ataque a um carro celular da Gestapo, em que eram transportados vários prisioneiros, incluindo o chefe militar do movimento resistente Libération, Raymond Aubrac, que, a 22 de Janeiro de 1948 testemunha: “José de Abreu teve um papel muito activo na organização da Resistência e na luta armada, nomeadamente nos corpos francos da região leonesa. Participou activamente, de armas na mão, em várias operações destinadas a libertar os patriotas detidos pela polícia de Vichy ou pela Gestapo. Foi assim que ele fez parte do grupo que atacou a 21 de Outubro de 1943 a viatura celular da Gestapo, na qual eu era transportado e que me libertou, bem como a 13 outros prisioneiros.”
A actividade de José de Abreu foi interrompida a 24 de Dezembro de 1943, quando foi preso pela polícia francesa na rua, no regresso de uma reunião com outros resistentes. Na posse de documentos falsos, foi julgado e condenado a três anos de prisão pelo Tribunal de Lyon por “uso de identificação falsa para fins terroristas”.
O tribunal não consegue estabelecer a identidade do português, que utiliza o pseudónimo Jean Messonnier, e diz ser francês, nascido na Córsega. Aliás, vários dos documentos do seu processo de resistente, incluindo o da sua desmobilização, têm o nome do pseudónimo que o vimaranense utilizava, e não o seu verdadeiro nome. Também os documentos dos campos de concentração para onde foi enviado estão em nome de Jean Messonier, sem qualquer referência à sua verdadeira identidade.
Após a sentença judicial (que seria anulada no pós-guerra), a 22 de Maio de 1944, José de Abreu regressa à prisão de Saint-Paul, para onde fora enviado pouco depois da sua detenção, e é ali que permanece até ser deportado para Dachau (prisioneiro n.º 75.704) num comboio que deixa a cidade de Lyon a 29 de Junho de 1944 e em que também vai o português Alberto de Oliveira.
Daqui, é transferido, logo no mês seguinte, para o maior sub-campo de Flossenbürg, Leimeritz (prisioneiro n.º 13.749), onde ficará até 5 de Maio de 1945. Nessa altura, é colocado num comboio em direcção a Dachau, mas ao fim de quatro dias é libertado pelos partisans checos. Debilitado, permanece internado em dois hospitais alemães até 8 de Junho e é, finalmente, repatriado a 10 de Junho de 1945.
No decreto que determina a atribuição de Legião de Honra Militar, a actividade de José de Abreu é resumida assim: “Integrado em Junho de 1941 no movimento Libération, organizou os primeiros grupos francos da região leonesa. Participou com os seus homens em numerosas e perigosas operações. Citado duas vezes em Londres, nomeadamente por uma acção que salvou a população de um segundo bombardeamento da RAF (Le Creusot, em Novembro de 1943). Organizou e participou de numerosas fugas de patriotas internados pela Gestapo. Preso a 24 de Dezembro de 1943 pela polícia francesa, que o entregou aos alemães. Deportado para o campo de Leitmeriz, sofreu terríveis torturas.”
José de Abreu só se naturalizou francês em 1954. Durante a guerra vivia em Villeurbanne e, no livro A Sombra dos Heróis, José Manuel Barata-Feyo relata o caso de outro Abreu, também de Guimarães, e morador na mesma localidade, que integrou a Resistência, em Agosto de 1944, e morreu, cerca de uma semana depois, em combate com os alemães, atingido por uma rajada de metralhadora. A data de nascimento deste António de Abreu não coincide com a do pai de José, que seria cinco anos mais novo, mas fica por esclarecer se existia algum grau de parentesco entre os dois homens.
Da Guerra Civil de Espanha para a morte
José Nunes Mateus, nascido a 9 de Junho de 1908, em Ferrarias Cimeiras, Castelo Branco, é um dos três portugueses que chegam ao campo de Mauthausen logo em 1940. Tal como os outros dois, está identificado como espanhol. Nenhum sobreviveu.
O certificado de morte de José Nunes Mateus diz que ele morreu pelas 12h30, do dia 20 de Setembro de 1941, sem especificar as causas. Segundo os relatos de alguns parentes do português, recolhidos pela reportagem da RTP Deportados Para Outro Mundo, em 2018, José Nunes Mateus emigrou com um irmão para Espanha, em 1928, em busca de trabalho. Quando a instabilidade tomou conta do país, o irmão de José decidiu regressar, mas ele preferiu ficar.
O português ter-se-á envolvido na guerra ao lado dos republicanos e fugiu para França, como milhares de cidadãos espanhóis, quando Franco venceu. José Nunes Mateus aparece na lista de passageiros do comboio que chegou a Mauthausen a 24 de Agosto de 1940, com espanhóis detidos na prisão alemã em Angoulême (Frontstalag 184). Transferido para o sub-campo de Gusen (prisioneiro n.º 9508), morreu cerca de um ano depois.
Um homem com vários nomes
O mistério em torno de José de Oliveira Várzia começa no seu nome. Nos registos dos campos de concentração é assim que se apresenta, com a indicação de que nasceu a 7 de Outubro de 1895, em São João de Bastuço, Barcelos. Mas no Campo de Vernet está registado como Josué, nascido a 7 de Outubro de 1896, e no livro paroquial de São João de Bastuço não há um José de Oliveira Várzea registado com essas datas de nascimento. Há, sim, um António, nascido a 7 de Outubro de 1895, e um Josué, irmão do primeiro, mas que nasceu quase dois anos depois, a 27 de Setembro de 1897. Na sua passagem por França o homem vai usar os dois nomes e ambas as datas de nascimento, além de um outro nome falso: Domingos Carreira.
Quando falamos de José de Oliveira Várzia poder-se-ia ficar com a dúvida sobre se falamos de facto de António, que por alguma razão trocou de nome, ou se falamos do irmão deste, Josué, que teria optado por dar a data de nascimento do irmão. Mas juntando toda a informação recolhida, parece muito mais provável que José seja de facto António de Oliveira Várzia, nascido a 7 de Outubro de 1895. A razão pela qual, ao longo da sua vida em França, optou por usar diferentes nomes e datas de nascimento é um mistério, mas o português que foi deportado para o campo de concentração de Dachau sob o nome de José, morreria em França em 1964, e, segundo os registos paroquiais de S. João de Bastuço, Josué de Oliveira Várzia morreu em Vila do Conde, em 1947. Por isso, quando falamos de José, é, quase de certeza, de António que falamos.
Segundo os documentos preservados pelos arquivos regionais de Loire, que incluem o registo criminal do português, o homem que se apresentava como Josué de Oliveira Várzia também era conhecido como “António” ou Domingos Carreira e foi com este último nome que foi condenado pela primeira vez, ainda em 1922.
A acusação foi “abuso de confiança”, por ter desviado 450 francos que lhe haviam sido entregues por Justino Nascimento para um fim específico. Condenado a seis meses de prisão, Carreira/Oliveira Várzia foi também alvo de uma ordem de expulsão por causa deste caso, em 1923, que nunca cumpriu.
Às autoridades francesas, Oliveira Várzia disse ter vivido em França entre 1917 e 1919, na região de Lot-et-Garonne, e ter reentrado no país em 1923, a partir do Porto. Contudo, a prisão do homem, com o nome falso de Domingos Carreira, em 1922, desmente estas informações.
Depois deste episódio, o português assume o nome de Josué e a profissão de barbeiro em Villars (tinha trabalhado previamente como mineiro), onde viverá até morrer. Contudo, o passado acaba por apanhá-lo, e a 13 de Setembro de 1939 é preso e, posteriormente, julgado, por incumprimento da ordem de expulsão passada em nome de Domingos Carreira. Condenado a seis meses de prisão, deveria ser libertado a 28 de Janeiro de 1940, mas o prefeito de Loire determina o seu internamento e Oliveira Várzia é enviado para o Campo de Vernet, onde chega no dia 30 desse mês. No único documento deste campo relativo ao português que chegou até hoje, refere-se que ele tinha pendente uma ordem de expulsão por ser “propagandista comunista”, algo que não é referido em qualquer dos documentos que descrevem a sua situação perante a justiça francesa.
Oliveira Várzia aparece como católico, casado e sem filhos, embora noutros documentos também seja identificado como protestante e solteiro, vivendo maritalmente com uma mulher francesa.
Tal como os restantes 402 internados em Vernet a 30 de Junho de 1944, data de encerramento do campo, o português de vários nomes foi entregue aos alemães nessa data e deportado para Dachau (prisioneiro n.º 94.255), onde chega a 28 de Agosto de 1944, a bordo do “Comboio Fantasma”.
Seria repatriado em Junho de 1945 e regressou a Villars e à sua profissão de barbeiro. Ter-se-á reformado em 1958, com 63 anos, e morreu naquela localidade francesa a 25 de Abril de 1964.
O documento que certifica a sua morte é mais uma peça que contribui para a confusão em torno do português. António de Oliveira Várzia — e parecem não restar dúvidas de que é dele que falamos - tem uma certidão de óbito em que todos os dados são os do seu irmão. O documento atesta assim a data de morte de Josué de Oliveira Várzia, nascido a 27 de Setembro de 1897. Se assim fosse, Josué teria morrido duas vezes: uma em 1947, em Mosteiró, Vila do Conde, e outra em 1964, em Villars, França.
Um contrato de trabalho que acabou em morte
José da Rocha nasceu em Vila Verde, a 7 de Dezembro de 1919. Vivia em Herserange, com os pais, perto da fronteira francesa com a Bélgica e o Luxemburgo, e foi requisitado para trabalhar na Alemanha em 1942, como operário especializado. Segundo informações do posto de polícia da localidade, naquele ano, o jovem tinha “uma boa conduta moral, era bem considerado no seu meio e a sua atitude, tanto do ponto de vista nacional como político, era correcta a todos os níveis.” É identificado como francês e foi nessa condição que foi mobilizado para o exército, em 1939, tendo voltado à qualidade de civil a 8 de Agosto de 1940.
O português cumpriu a requisição para que fosse trabalhar na Alemanha e fez um contrato de trabalho, tendo-se mudado para aquele país a 19 de Novembro de 1942, mas, por razões que não se conhecem, acabou por ser detido em Setembro de 1944 e enviado para o campo de concentração de Neuengamme (prisioneiro n.º 54.350). Levado, com outros prisioneiros, para a baía de Lübeck, aquando da evacuação do campo, morreu aí, a 3 de Maio de 1945.
José da Rocha terá sido uma das vítimas do bombardeamento britânico do luxuoso transatlântico alemão SS Cap Arcona, em que se amontoavam milhares de prisioneiros transferidos dos campos de concentração mais próximos, sobretudo de Neuengamme.
As dúvidas sobre se os britânicos sabiam ou não que a bordo do navio estavam prisioneiros dos campos de concentração permaneceram durante décadas. A informação pode ter chegado tarde demais, em plena campanha de ataque às posições alemãs. Cerca de 4000 prisioneiros dos campos de concentração terão morrido neste ataque.
Pelo menos até à década de 1950, a família desconhecia o que acontecera ao jovem. Numa carta de 1951, a mãe de José da Rocha pedia às autoridades informações sobre o filho, declarando: “Nunca mais soube nada do meu filho.”
A morte aos 18 anos
Joseph da Silva nasceu em França, na comuna de Montceau-les-Mines, a 11 de Abril de 1926, mas está identificado como português nos documentos dos campos de concentração para onde foi deportado, com apenas 18 anos. Filho de pai português, não terá sido naturalizado francês.
O princípio do fim da vida do jovem Joseph começou a desenhar-se quando é preso, pela polícia francesa, a 18 de Janeiro de 1944. Sob ele pendia um “mandado de detenção”, segundo se lê nos registos da polícia, sem identificar a razão do mesmo. Conduzido à prisão de Autun, seria posteriormente transferido para a cadeia de Besançon e, daqui, deportado para o campo de concentração de Dachau, num comboio que deixou a cidade a 24 de Junho de 1944.
Por esta altura, a família de Joseph da Silva não sabia ainda para onde o jovem tinha sido enviado. Disso mesmo dá conta uma carta do presidente da Câmara de Sanvignes-les-Mines, dirigida a um autarca de outra localidade, a 24 de Outubro de 1944, a perguntar se ele tinha informações sobre o que acontecera a Joseph, para poder informar a família.
O presidente da câmara dizia que os familiares de outros detidos teriam recebido informações de que os presos haviam sido enviados para Dachau, mas que à família Da Silva, não chegara qualquer dado.
De facto, a 24 de Agosto o prefeito de Doubes tinha informado o prefeito de Saône et Loire da lista de encarcerados em Besançon enviados para Dachau, pedindo-lhe que o comunicasse às famílias, e acrescentando que estas se podiam dirigir “para informações complementares e para autorização de correspondência” aos responsáveis do campo de concentração nazi. Mas a informação, aparentemente transmitida a outros detidos, não terá chegado aos portugueses.
Enquanto esta correspondência era trocada, o jovem já deixara Dachau (prisioneiro n.º 74.857) e fora transferido para o campo de Flossenbürg (prisioneiro n.º 13.090), onde chega a 21 de Julho de 1944. Quatro dias depois é enviado para o sub-campo de Hersbruck, onde os prisioneiros eram obrigados a abrir túneis, para criar instalações subterrâneas destinadas ao fabrico de motores de aviões.
Em Abril de 1945 cerca de metade dos prisioneiros deste comando tinha morrido. No caso de Joseph da Silva, o fim chegou mais cedo. Segundo os registos do campo, o jovem morreu a 10 de Dezembro de 1944.
Um português nascido em França
Joseph de Passos tinha apenas 17 anos quando foi preso. Nascido em Rugles, na zona da Normandia francesa, a 4 de Janeiro de 1926, era filho de pais portugueses e foi com essa nacionalidade que os alemães marcaram a sua passagem pelos diferentes campos de concentração em que esteve. Não se sabe por que foi preso nem se sobreviveu à guerra.
Segundo os dados disponíveis, Joseph de Passos foi preso a 25 de Fevereiro de 1943 e a 16 de Abril desse ano está a bordo de um comboio que deixa Compiègne com destino a Dachau (prisioneiro n.º 26.302). Esteve em Mauthausen, onde manteve o mesmo número de prisioneiro, mas não é certo em que data. Sabe-se, contudo, que a 20 de Julho de 1944 estava, de novo, em Dachau, com um novo número de prisioneiro (57.581), já que o seu nome aparece numa lista de pessoas que seriam transferidas nesse dia do sub-campo de Allach, para o sub-campo de Markirch, do complexo de Natzweiler.
Desconhece-se o que lhe aconteceu.
Uma vida “simples e feliz”
Júlio Laranjo era um menino de apenas seis anos quando deixou Portugal, na companhia da mãe e das irmãs Maria e Zulmira, para se juntar ao pai, já instalado em França. Nascido em São Tiago, Alcácer do Sal, a 24 de Fevereiro de 1919, Júlio chega a França em Dezembro de 1925 e irá naturalizar-se francês, com o resto da família (incluindo mais três irmãos ali nascidos), em 1934. Por isso, quando a Segunda Guerra Mundial rebenta, o jovem então com 20 anos, é chamado a combater. A Resistência e a deportação viriam a seguir.
Com a família instalada em Molincourt par Noyon (Oise), Júlio é incorporado na Força Aérea francesa a 27 de Novembro de 1939. Chega a cabo e desenvolve algumas missões em Casablanca, Marrocos, antes de ser desmobilizado, em 1942, e regressar a casa dos pais. Emprega-se como operário e junta-se ao grupo O.C.M. [Organisation Civile et Militaire] da Resistência em Agosto de 1943, conforme testemunhou um antigo responsável do grupo, Raymond Rambert, no pós-guerra, dando conta que Laranjo “pertenceu às formações clandestinas” da O.C.M., até ser preso, “pela sua actividade de resistência, nomeadamente, a difusão de panfletos e de documentos falsos, [e o] registo de plantas”.
Júlio Laranjo foi preso pela Gestapo na casa dos seus pais a 1 de Dezembro de 1943, quando já era chefe de equipa dentro do grupo. Segundo testemunhou no processo guardado nas arquivos da Resistência, a detenção aconteceu “no seguimento de uma denúncia de um camarada, a quem tinha fornecido um bilhete de identidade falso.” No campo destinado à “situação no momento da detenção”, escreveu: “Refractário a todo o trabalho para a Alemanha.”
Preso e torturado durante uma semana nas instalações da Gestapo, é enviado a 7 de Dezembro para a prisão em Compiègne, onde fica até 15 de Janeiro, altura em que é transferido para o campo de trânsito de Royalleu, na mesma cidade. O próximo destino, iniciado a 22 de Janeiro, é o campo de concentração de Buchenwald (prisioneiro n.º 41.940), onde chega a 24 desse mês. Um mês depois, no dia em que fazia 25 anos, chega a Mauthausen (prisioneiro n.º 53.864), para onde fora transferido. Entre 9 de Março de 1944 e 28 de Abril de 1945 permanece no sub-campo Steyr, daquele complexo, antes de regressar ao campo principal, de onde é libertado pelo exército norte-americano a 5 de Maio. Regressa a França a 19 de Maio, com graves problemas de saúde causados pelo tempo vivido em deportação.
Após a guerra, Júlio Laranja casa-se duas vezes. Tem três filhas do primeiro casamento e uma única do segundo. Foi a sua filha mais nova, Sylvie Morel-Laranjo, que em 2015, então com 51 anos, desvendou um pouco da história do pai, para o livro Os Portugueses nos Campos de Concentração Nazis. Descreveu-o como “uma pessoa muito justa, muito altruísta e que não suportava a injustiça e o racismo”. “Amava a vida, simplesmente”, contava, garantindo que, no final, ela lhe foi generosa: “Teve uma vida simples e feliz.”
Pouco efusivo sobre o tempo vivido durante a guerra, Júlio só terá feito algumas referências à sua actividade de resistente e ao período vivido em deportação quando a filha “o interrogava”, garantia ela. “Ele falava muito pouco sobre o tempo na Resistência, excepto uma vez, em que me falou de um ataque a um comboio de munições alemãs na região de Limoges. O grupo de Resistência de que ele fazia parte fez rebentar o comboio. Não houve feridos nem mortos do lado deles”, contou.
Sobre Buchenwald e Mauthausen, ainda diria menos, mas o certificado de invalidez (100% + 15), em que era elencado o conjunto de inúmeros problemas de saúde resultantes da deportação, eram testemunha disso. Assim como as condecorações que o Estado francês lhe concedeu: recebeu a Medalha Militar em 1966, bem como a Cruz de Guerra com Palma, e foi ordenado Cavaleiro da Legião de Honra em 1974. O texto que acompanhava a primeira distinção dizia: “Foi deportado para a Alemanha pela sua acção na Resistência contra o inimigo durante a ocupação. Regressou como grande inválido por causa das privações e sevícias sofridas. Serviu bem a causa da liberdade.”
Júlio Laranjo morreu em França, onde sempre viveu desde que deixou Portugal, a 15 de Dezembro de 1997.
Um monárquico na Resistência
Luc Robet “Tristan” poderia estranhar estar incluído nesta lista, mas o facto de ter nascido em Lisboa, a 17 de Dezembro de 1913, é a razão para isso. Filho de um militar que morrerá na Primeira Guerra Mundial e de uma mãe de origem britânica irá adoptar o pseudónimo “Tristan” durante a segunda guerra a devastar o mundo no mesmo século. De uma família monárquica e profundamente católica, também ele vai combater na Segunda Guerra Mundial e após a desmobilização, em 1940, junta-se à Resistência.
É no âmbito dessa actividade que é preso e torturado, antes de ser deportado a 21 de Maio de 1944, a partir de Compiègne para o campo de concentração de Neuengamme (prisioneiro n.º 30.383). Casado, com quatro filhos, o jornalista vai ser transferido para o sub-campo Fallersleben-Laagberg e, quando é libertado, a 2 de Maio de 1945, está em Wöbbelin.
Regressa a França tão debilitado que os médicos não prevêem que sobreviva, mas Luc Robet vai recuperar.
Industrial e jornalista no pós-guerra, vai também ser presidente da Câmara de Poullan-sur-Mer, entre 1959 e 1977. Morreu ali a 11 de Agosto de 1992. Recebeu a Medalha da Resistência com Roseta e foi oficial da Legião de Honra.
O espião
Experiente, com grande capacidade organizativa e medalhado nas duas guerras mundiais. Luís da Silva, nascido a 25 de Fevereiro de 1893, em Lamego, foi um resistente muito activo na região de Pas-de-Calais, onde vivia, em 1943, até ser preso, no final desse ano. Os nazis escreveram nas suas fichas de deportado a razão para esse destino: “Espionagem e sabotagem”.
Luís da Silva ainda vivia em Portugal em 1913, quando foi recrutado para o Corpo Expedicionário Português (CEP). Partiu para França enquanto soldado da Primeira Guerra Mundial e a sua participação na campanha portuguesa mereceu-lhe a atribuição da Medalha do CEP e a Cruz de Combate.
Não se sabe se regressou a Portugal no final da guerra, mas em 1943 está instalado no Norte de França, casado e com três filhos. Carpinteiro de profissão, no início desse ano junta-se ao grupo de Resistência O.C.M. (Organisation Civile et Militaire) e até Dezembro vai desenvolver inúmeras actividades.
No seu ficheiro de resistente, a descrição por ordem cronológica, das acções em que participou, incluem a criação de um depósito de armas, a organização de um sistema de vigilância em campos de aviação da região, a sabotagem das linhas telefónicas do campo de Merville, e a formação de um grupo que deveria recolher informações sobre a actividade do exército alemão na floresta de Nieppe, onde este estava envolvido na construção de diversas estruturas de combate e defesa. As informações recolhidas por este e outros grupos na zona permitiram que a RAF (a britânica Royal Air Force) bombardeasse e destruísse por completo o complexo germânico na zona, em Janeiro de 1944.
Num testemunho recolhido em 1947, o médico Louis Chavaux, ex-resistente da O.C.M., afirmou que Luís da Silva “foi encarregado, desde o início de 1943” de formar um dos grupos locais de resistentes, “demonstrando de imediato grandes qualidades de organização de grupos de informação”.
Chavaux realça ainda o facto de o homem de origem portuguesa (entretanto naturalizado francês) ter sido nomeado membro da Unité de Combate et Rensiegnements (U.C.R.), um grupo que “continha apenas homens de primeira linha” e que tinha uma missão muito perigosa: munido de um posto de comunicação TSF, deveria acompanhar a frente alemã à medida que esta avançava ou recuava “para dar todas as informações possíveis dos movimentos e das tropas inimigas”.
Luís da Silva foi preso, com outros elementos do U.C.R., a 10 de Dezembro de 1943. Detido nas cadeia de Béthune e depois na de Loos-lès-Lilles, o período de internamento e deportação que se seguiu não é muito claro.
A base de dados francesa sobre os deportados, coloca-o num comboio que deixou a Bélgica a 3 de Março de 1944, com pessoas detidas em prisões políticas belgas, em direcção ao campo de Sachsenhausen. E os documentos dos campos de concentração também referem que este homem chegou à Alemanha a partir da Bélgica. Mas ao traçar o seu percurso de internamento e deportação para o seu processo de resistente, Luís da Silva nunca refere uma passagem por este país.
Diz, sim, ter estado em Sachsenhausen (prisioneiro n.º 88.793) e na Holanda, no campo de Herzogenbusch (prisioneiro n.º 9238), além de referir uma passagem por Küstrin, onde estava o subcampo de Sachsenhausen, antes de ser enviado para Buchenwald (prisioneiro n.º 29.810).
Luís da Silva foi libertado do campo de concentração pelo exército norte-americano a 13 de Abril de 1945, mas encontrava-se tão debilitado por causa da má nutrição que ficou internado quase um mês no hospital de campanha montado no local, antes de ser repatriado. Regressou a França a 8 de Maio, num estado “inacreditável”, segundo Louis Chavaux. Foi citado à Ordem do Regimento e recebeu a Cruz de Guerra com Estrela de Bronze.
Duas guerras e uma vida apaziguada
A luta e a rebeldia parecem ter acompanhado sempre a vida de Luiz Ferreira Martins. Nascido em S. Paio de Figueiredo, Guimarães, a 18 de Outubro de 1902, emigrou com o pai, mas acabou por não regressar com ele a Portugal, fixando-se em França, sozinho, a partir de 1923, quando tinha apenas 21 anos. Foi membro do Partido Comunista e sindicalista, combateu na Guerra Civil de Espanha e foi preso e deportado para o campo de concentração de Buchenwald. Morreu com 89 anos, depois de uma vida que a sobrinha Amélia Martins descreve como bem cumprida: “O meu tio foi uma pessoa que cumpriu bem a vida, porque entendeu tudo muito bem, apesar de todo o sofrimento. Cumpriu o papel dele no mundo. Penso que não era daquelas pessoas que chega ao fim e diz: ‘A minha vida foi uma perda de tempo’. Ele não podia dizer isso. Ele tinha a ideia de que tinha feito tudo o que podia.”
Amélia falou ao PÚBLICO em 2014, para o trabalho sobre os portugueses deportados para os campos de concentração em que a história de Luiz Ferreira Martins foi revelada. Ao contrário de muitos deportados, que preferiram manter o silêncio sobre o que tinham vivido nos campos de concentração nazis, o português fez questão de partilhar as suas memórias com a sobrinha, deixando-lhe várias páginas escritas à mão, dentro de um livro cheio de fotografias relacionadas com o horror dos campos. A mulher, que se tornaria o membro da família mais próximo de Luiz, depois de ele ter restabelecido contacto com esta a partir da década de 1960, chegou a acompanhá-lo em visitas a vários locais relacionados com a Resistência e foi ela que cumpriu as instruções que deixou aquando da sua morte, em 1991.
Luiz Ferreira Martins deixou o país acompanhado do pai, mas quando este regressou, o jovem ficou em França. Instalou-se na região de Lyon, onde trabalhava como canalizador. Nunca casou nem teve filhos. Em 1932 já é militante do Partido Comunista e quando a guerra rebenta em Espanha integra as Brigadas Internacionais, adoptando o nome de código Simon. Foi ferido numa perna durante os combates.
Quando a Segunda Guerra Mundial rebenta, e apesar da assinatura do pacto germano-soviético de não-agressão em vésperas do conflito (que levou a que muitos comunistas franceses se recusassem a combater abertamente os alemães), Luíz Ferreira Martins envolve-se rapidamente com a Resistência. Vários testemunhos indicam que o português participou na organização dos primeiros grupos de Resistência na região de Lyon, logo a partir de Junho de 1940, e que além da edição e difusão de panfletos contra os ocupantes, colaborou em acções de sabotagem, e de recuperação e armazenamento de armas destinadas ao combate aos nazis.
Luiz Ferreira Martins foi preso a 15 de Outubro de 1940, quando se preparava para distribuir alguns daqueles panfletos. Enviado para a prisão de St. Paul foi condenado a quatro anos de cadeia, tendo passado pelos estabelecimentos prisionais de Riom e Eysses, onde reencontra companheiros das Brigadas Internacionais e participa “em várias acções de resistência” no seu interior, que culminaram na revolta de prisioneiros de 19 e 20 de Fevereiro de 1944, testemunharam outros detidos.
A 30 de Maio de 1944, Luíz Ferreira Martins é transferido para o campo de Noé, onde fica até ao final de Julho, altura em que é deportado para Buchenwald (prisioneiro n.º 69.369) num comboio que sai de Toulouse. Transferido para o subcampo de Schönebeck, onde a fábrica Junkers produzia peças para aviões, participou, nos últimos dias da guerra, numa das marchas de morte a que os prisioneiros foram forçados, perante o aproximar das tropas Aliadas. Foi libertado a 4 de Maio de 1944 e repatriado para França dez dias depois.
À sobrinha Amélia deixou o testemunho da fome passada, que fez com que pesasse 45 quilos no final da guerra e lhe deixou problemas de saúde permanentes, dos amigos perdidos e de como estava prestes a perder as forças para andar (o que levaria, quase de certeza, ao seu assassinato) quando foi libertado. Apesar de tudo, ela recordo-o como um homem alegre e muito divertido, que “até contava anedotas”.
No pós-guerra, a última grande batalha de Luiz Ferreira Martins foi para que o Estado francês reconhecesse a sua participação na Resistência. Depois de ter visto recusado o título de deportado resistente (concederam-lhe apenas o de deportado político), por as autoridades considerarem que não havia provas que tivesse prestado “actos relevantes” ao serviço da Resistência, Luiz não desistiu, pediu a reabertura do processo, recolheu testemunhos e conseguiu, finalmente, obter aquele reconhecimento em 1986.
Nascida em Lisboa, desaparecida em Auschwitz
Luísa Lippmann, provavelmente, não teria memória disso, mas os primeiros anos da sua vida foram vividos em Lisboa, onde nasceu, a 5 de Maio de 1894. Deportada para Auschwitz, desaparece aí, tornando-se em mais uma vítima do nazismo.
Foram os negócios que trouxeram o alemão Hugo Lippmann para Lisboa. De uma família de empreendedores, Hugo, nascido em 1866, já passara pelo Brasil, para onde foi trabalhar com apenas 19 anos, antes de regressar à Europa e se instalar na capital portuguesa. Aí, abre uma empresa dedicada às sardinhas em lata, em 1890, e, três anos depois, casa-se com Sophie Charlotte Friedländer. Luísa, que será a única filha do casal, nasce no ano seguinte e é em Lisboa que vai crescendo, até a falência da empresa obrigar a família a regressar à Alemanha, em 1899.
Hugo Lippmann morre em Março de 1939, com 73 anos, escassos meses antes do início da guerra. Na Alemanha ficam a mulher e a filha. O que aconteceu às duas mulheres só é parcialmente conhecido graças às perguntas de uma prima de Luísa, nascida em Inglaterra, que na década de 1950 procurou saber o que lhe acontecera.
As informações recolhidas indicam que Luísa, já com o sobrenome Fass, que terá adquirido através do casamento, vivia em Berlim, pelo menos desde o início de Julho de 1940. E foi da sua casa que, em 1943, foi levada pela Gestapo, juntamente com a mãe. Não há indicação se teria tido filhos, se ainda estava casada ou o que aconteceu ao seu marido.
Os serviços de investigação informaram a prima de Luísa que ela foi deportada para Auschwitz, no final de Fevereiro de 1943 e que, depois disso, nada mais foi possível saber sobre o que lhe aconteceu. No campo da nacionalidade, aparece como “alemã/judia”.
Vítima de “uma injustiça e um erro”
A 26 de Março de 1943, a Gestapo entrou na casa em que vivia Manuel Alves e prendeu-o. O português viria a ser condenado por “roubo e mercado negro”, e deportado, em Janeiro do ano seguinte para Buchenwald. Nas informações sobre o português compiladas pela Associação de Deportados e Familiares de Desaparecidos do Campo de Concentração de Flossenbürg (onde também esteve) diz-se que Manuel Alves “parece ter sido vítima de uma injustiça e de um erro”.
Manuel Alves nasceu a 29 de Novembro de 1910, em Vila Verde (Braga). Em 1927 entra em França como “trabalhador” e em Julho de 1939 chega à cidade de Nantes, vindo de uma localidade no Sul do país. Até à invasão alemã, teve sempre trabalho, mas as coisas complicaram-se a partir daí.
A 10 de Março de 1941, o proprietário da casa em que Alves vivia com a sua companheira, de origem espanhola, escreve ao prefeito de Nantes, a queixar-se do “sujeito português” a quem aluga um quarto. Diz que há meses que não recebe o pagamento do aluguer devido por Manuel Alves, e que este apresenta como pretexto “a falta de trabalho”. Pouco sensível a este argumento, o homem escreve: “Parece-me que este estrangeiro, beneficiário da hospitalidade francesa, abusa verdadeiramente da situação, e peço-lhe que examine o caso e, se possível, que ordene a sua expulsão, pois sou obrigado a considerá-lo como indesejável.”
Na sequência desta carta, é aberta uma investigação, sem o desfecho que o senhorio do português pretendia. O relatório da polícia, do mês seguinte, diz que o local onde Alves mora é “um espaço modesto, sombrio e mal arejado, o que o leva a ter continuamente a luz ligada em pleno dia, pelo que o proprietário lhe cortou a água e electricidade”. O documento refere ainda que o português “trabalhou regularmente” até à chegada dos alemães à cidade, em Junho de 1940, “mas depois dessa data não trabalhou senão intermitentemente e esteve mesmo desempregado por mais de dois meses.”
Contudo, a sorte parecia estar a mudar, já que Alves tinha acabado de arranjar um trabalho fixo, “por isso, será capaz de manter os seus compromissos com o proprietário, o que não pôde fazer nos últimos tempos”, lê-se no documento preservado pelos arquivos regionais de Loire-Atlantique. A razão, escreve a polícia, foi a falta de um salário regular e “obrigações” relacionadas com problemas graves de saúde da sua companheira. “Além disso, na vizinhança diz-se que é por necessidade e não por má-vontade que Alves não pode cumprir os prazos do aluguer”, concluía-se no relatório, com a referência: “As informações recolhidas não lhe são desfavoráveis e a sua atitude do ponto de vista nacional não deu lugar a qualquer crítica.”
O conselho deixado à prefeitura era que estava em causa um problema do foro pessoal, entre inquilino e proprietário, e que ela não deveria intervir — e foi isso mesmo que foi transmitido ao dono do número 54 da Quai Fosse, onde Manuel Alves morava.
Não se sabe se os problemas ficaram sanados ou se têm alguma relação com a aparente “injustiça” que o português iria sofrer dois anos depois. Mas Manuel Alves continua a viver em Nantes e, a partir de 1942, na sua ficha individual de cidadão estrangeiro começa a aparecer como profissão “ferro-velho” e já não “operário”, como na sua carteira de trabalho entre 1936 e 1939.
Depois de ter sido preso pelos alemães, em 1943, Manuel Alves vai ser deportado para Buchenwad (prisioneiro n.º 40.953), num comboio que sai de Compiègne a 17 de Janeiro de 1944. Transferido para Flossenbürg (prisioneiro n.º 6670), logo a 23 de Fevereiro, é afectado ao comando de Hradistko, a sul de Praga (República Checa), no mês seguinte.
É aqui que irá ficar até à evacuação do campo, a 26 de Abril de 1945. Colocado num comboio que irá receber prisioneiros de outros espaços ao longo da viagem através da então Checoslováquia, com várias paragens pelo meio, acaba por ser libertado por guerrilheiros checos a 8 de Maio.
Manuel Alves regressou a Nantes e o seu cartão individual de estrangeiro, válido entre 1947 e 1950, continua a identificar a sua profissão como “ferro-velho”.
O preso de delito comum, “adepto” do Marechal Pétain
Manuel Barreira Gomes é mais um dos portugueses que os nazis registaram nos campos de concentração como “preso político”, mas a quem não se conhece qualquer actividade política. Foi internado pelas autoridades francesas como indesejável, depois de várias condenações a curtos períodos de cadeia. Deportado para Neuengamme, não se sabe se sobreviveu à sua passagem pelo campo de concentração.
Nascido em Monção a 9 de Fevereiro de 1899, Barreira Gomes chegou a França, segundo ele mesmo declarou, em 1924. Vivia em Creusot, em actividades ligadas à construção e às minas, era casado e tinha seis filhos (embora em alguns documentos apareça apenas a referência a dois).
Os problemas com a justiça começam em 1941, quando é condenado por duas vezes pelo Tribunal de Autun: a dois meses de prisão por agressões e falta de prestação de cuidados a uma criança menor de 15 anos, e a três meses por “roubo nos campos”. Colocado em liberdade a 22 de Março de 1942 é detido a 11 de Junho pela polícia francesa, para que se cumpra a ordem de internamento determinada pela prefeitura de Autun, em Abril, por se considerar que o português é “um indivíduo astuto e vingativo e que pode representar um perigo real para a ordem pública”.
Barreira Gomes é, assim, enviado para o campo de Rouillé, onde chega a 13 de Junho. A 22 de Novembro de 1943 é transferido “definitivamente” para o campo de Voves, onde também são internados Domingos da Cunha e Richard Lopes.
Mas, antes disso, o português procura clemência junto do prefeito de Vienne, escrevendo-lhe uma carta a 8 de Outubro de 1942, na qual pede a sua libertação, garantindo que é o único sustento da família e que esta necessita da sua ajuda. Admite que cumpriu três meses de prisão “por roubo de legumes”, mas afirma que a acusação de “maltratar” os filhos foi falsa. Apela ainda à benevolência do autarca, garantindo que não sabe por que foi internado, tanto mais que, escreve: “Nunca tive actividade política, e sou um adepto da política do Marechal Pétain.”
No final da carta, o responsável do campo acrescentou uma curta mensagem para o destinatário: “Barreira é um estrangeiro indesejável de nacionalidade portuguesa em vias de ser expulso do território francês.”
Por isso, não é de admirar que a resposta escrita pelo prefeito de Vienne dois dias depois seja negativa. “Informo que o seu pedido não é, actualmente, passível de qualquer seguimento”, escreveu apenas, sem qualquer justificação para esta decisão.
Assim, Manuel Barreira Gomes integra o grupo de 66 internados que em Novembro do ano seguinte são transferidos para Voves. É aí que irá ficar até o campo ser encerrado, após uma fuga de vários detidos, e os seus ocupantes serem entregues aos nazis, a 9 de Maio de 1944.
Manuel Barreira Gomes é colocado num comboio que sai de Compiègne no dia 21 desse mês, em direcção a Neuengamme (prisioneiro n.º 31.702). É colocado no comando Bremen-Farge, dedicado à construção de submarinos.
Deportado com 45 anos, desconhece-se se sobreviveu à sua passagem pelo campo de concentração.
“Magnífico soldado sem uniforme”
Manuel da Silva nasceu em Vila Nova de Famalicão, a 25 de Abril de 1923. Merceeiro, solteiro, juntou-se às Forces Françaises Combattants, de que era agente P2 desde 1 de Fevereiro de 1944. Foi preso, torturado e deportado para Dachau (prisioneiro n.º 72.469).
No seu ficheiro de resistente há uma proposta de citação à Ordem do Regimento, justificada assim: “Magnífico soldado sem uniforme, demonstrou ser sempre um exemplo de coragem em todas as operações que lhe foram confiadas. Sempre voluntário para todas as missões perigosas, caiu no meio de uma delas, a 10.8.44, nas mãos do inimigo. Foi torturado, depois deportado. Mereceu bem a sua nova pátria.”
A data em que Manuel da Silva foi detido estará errada, mas não há razões para duvidar dos elogios ao português que vivia na região de Bordéus e que se terá naturalizado francês ainda antes da guerra.
Segundo os documentos que acompanham o seu processo, Manuel da Silva foi preso a 27 de Maio de 1944, durante uma missão. Era agente de informação, tendo também participado em actos de sabotagem.
Chegou ao campo de concentração alemão num comboio que saiu de Compiègne a 18 de Junho e foi enviado para o maior sub-campo de Dachau, Allach.
Manuel da Silva sobreviveu à sua passagem pelo campo de concentração e foi repatriado em Maio de 1945. Recebeu o título de deportado resistente, mas viu recusada uma pensão pelos problemas de saúde associados ao período de deportação, por representarem uma incapacidade muito diminuta.
De “castigo” nos campos de concentração
Manuel Augusto Esteves nasceu, provavelmente, a 2 de Fevereiro de 1915 em Terras do Bouro (há um documento que coloca o seu nascimento a 17 de Fevereiro de 1912) e acabou nos campos de concentração nazis depois de ter trabalhado para a IG Farben, em Ludwigshafen.
Entre a pouca informação que foi possível obter sobre ele, está um cartão de trabalhador daquela empresa alemã, válido entre 23 de Janeiro e 16 de Novembro de 1943, mas o percurso do português foi interrompido bem antes do final do contrato.
Preso pela Gestapo, uma investigação do pós-guerra para tentar perceber o que lhe aconteceu situa a sua chegada a Natzweiler (prisioneiro n.º 3351) a 24 de Abril de 1943 e a sua transferência para Bergen-Belsen em Maio desse ano.
O investigador Antonio Muñoz Sánchez procurou deslindar o percurso deste português e descobriu que ele partiu para a IG Farben no mesmo dia em que também partiu um cidadão espanhol, que, como ele vivia, em Orleans. Tendo em conta a data — Janeiro de 1943 — o investigador espanhol admite que ambos “fossem S.T.O.”, ou seja, estivessem integrados no Service du Travail Obligatoire (S.T.O.), ao abrigo do qual, milhares de franceses foram trabalhar para o esforço de guerra alemão.
Manuel Esteves e Rafael Garcia vão, assim, trabalhar para a IG Farben e foram enviados no mesmo dia para o campo de concentração de Natzweiler. Muñoz Sánchez diz que era “bastante comum” que alguns trabalhadores estrangeiros que, de alguma forma, entravam em conflito com o regime, fossem enviados para campos de concentração durante algum tempo, para serem “reeducados”.
Terá sido isso que aconteceu aos dois homens. Depois de Natzweiler, os dois são ainda enviados para Bergen-Belsen, de onde terão sido libertados. O português continuou em território alemão, indo trabalhar para Limburg, e Rafael volta a ter problemas com os nazis e acaba por ser enviado para uma prisão.
Desconhece-se se Manuel Esteves sobreviveu à guerra e se regressou a França no final do conflito.
Manuel João e Antoine João
S. Clemente, Loulé e Villeurbanne, Lyon
Manuel João foi preso com o filho, mas só este sobreviveu
Quando Antoine João foi preso pela Gestapo, a 14 de Março de 1944, estava a cerca de duas semanas de completar 18 anos, e encontrava-se a mais de 160 quilómetros de casa. O jovem, filho do português Manuel João, estava em missão da Resistência em Cusset, onde devia afixar cartazes e distribuir panfletos anti-germânicos, quando foi interceptado, e encontraram na sua posse, além daqueles artigos, duas pistolas. No mesmo dia, o seu pai também seria preso em casa, na localidade de Villeurbanne (Lyon). “Após a minha detenção, os alemães, por causa da minha tenra idade, foram ao domicílio do meu pai [...] e prenderam-no também”, explicaria o jovem, numa declaração à Polícia Judiciária francesa, em 1950.
De facto, apesar de Antoine estar envolvido com a Resistência, não há qualquer indicação de que o seu pai também o estivesse, e, nas razões para a detenção de Manuel, em documentos distintos guardados pelos arquivos regionais de Rhône e da cidade de Lyon, tanto aparece “actividades anti-alemãs” como “refém”. Contudo, seria o mais velho dos dois a pagar o preço mais alto, já que Manuel João não iria sobreviver à deportação.
O português nasceu em Loulé (S. Clemente) a 31 de Dezembro de 1891. A 10 de Outubro de 1925, já em França, para onde emigrou, casa-se com Marie Lunette Marchetti, e poucos meses depois, a 31 de Março de 1926, nasce Antoine. O casal teria outro filho, Fernande, nascido a 13 de Janeiro de 1930.
Manuel João é mecânico e, quando a guerra rebenta, já há muito que se naturalizara como francês. Após a ocupação alemã, Lyon fica integrada na chamada Zona Livre, sob o governo do General Pétain, e vários movimentos ligados à Resistência começam a organizar-se. Antoine João é recrutado com 17 anos, a 20 de Setembro de 1943, passando a usar o nome de código “Alex”. Mantém-se na Resistência até ser preso, em Março do ano seguinte, e chegou a chefiar o seu próprio grupo, tendo participado em diversas acções, desde a distribuição de propaganda anti-nazi, à sabotagem e atentados contra alvos germânicos e “lojas de colaboradores” franceses.
Supõe-se que, como em tantos outros casos, tenha havido uma denúncia que levou à sua detenção. A partir desse momento, pai e filho começam um trajecto comum que só será separado já em território alemão.
Os dois são levados, primeiro, para a prisão de Montluc e daqui para o campo de internamento de Compiègne, onde chegam a 10 de Maio de 1944. No dia 21 desse mês, ambos iniciam a viagem de comboio até ao campo de concentração de Neuengamme, em Hamburgo. Manuel João recebe o número de prisioneiro 31.366, Antoine, o 31.930. Pai e filho vão permanecer neste campo durante quase um ano, até se separarem definitivamente.
Foi o próprio Antoine a contar às autoridades francesas que o pai foi transferido para o campo de concentração de Bergen-Belsen a 15 de Abril de 1945. É aí que o português morre, dez dias depois. “O senhor Jean M. Favre, poderá fornecer algumas informações sobre a morte do meu pai, a que assistiu”, contou Antoine João à polícia francesa.
Já sobre o seu percurso, Antoine diz que integrou um transporte “através da Alemanha”, e que foi libertado a 3 de Maio de 1945, “pelas autoridades britânicas”.
Documentos do seu ficheiro de resistente dão conta que, após o repatriamento, no dia 17 de Maio, esteve internado no Hospital da Cruz Vermelha até Julho, enfrentando depois um período de convalescença de “seis meses”.
Na década de 1950, foi-lhe atribuída uma taxa de invalidez de 100% mais 15, por causa do conjunto de maleitas físicas atribuídas à experiência vivida durante a deportação, e que o deixou com problemas hepáticos, cardíacos, reumáticos e respiratórios, além de apresentar “tendências depressivas”.
Ainda assim, o filho do algarvio Manuel João teve uma vida longa e morreria em Março de 2008, com 82 anos. Foi reconhecido como deportado resistente e recebeu uma indemnização pelo tempo vivido em internamento e deportação. A sua mãe veria reconhecido o seu pedido para que Manuel João recebesse a menção “Morto pela França”. Também ela recebeu uma indemnização pela perda do marido em deportação. Na lista de bens que indicou como estando na posse do marido aquando da sua prisão, encontravam-se um relógio e a aliança de casamento. Ambos seriam recuperados e entregues ao International Tracing Service, hoje, Arquivos Arolsen. Mas nenhum deles está já com os arquivos, desconhecendo-se se foram entregues a familiares do português ou se, simplesmente, desapareceram.
Morto aos 20 anos
Manuel Miranda não tinha feito ainda 21 anos quando morreu, no campo de concentração de Sachsenhausen, alegadamente, por “tuberculose pulmonar de dupla face”. Nascido a 21 de Setembro de 1923, em Darque, Viana do Castelo, vivia em Bayonne, e envolveu-se com a Resistência muito cedo.
Em todos os documentos franceses e alemães sobre o jovem minhoto, ele aparece identificado como Emmanuel Miranda, mas o registo de baptismo da paróquia de S. Sebastião de Darque, localizado pelo padre Fernando Caldas, não deixa dúvidas que o nome pelo qual foi baptizado foi Manuel Mendes de Miranda, filho de Francisco de Miranda, serralheiro, e de Margarida do Espírito Santo Mendes, agricultora. Não era, de todo, pouco habitual que os emigrantes trocassem, no dia-a-dia, o nome de baptismo por outro mais fácil de pronunciar em língua francesa, passando de João para Jean, António para Antoine, Francisco para François ou, neste caso, Manuel para Emmanuel.
No caso deste jovem de Viana do Castelo, declarações de outros resistentes que constam do seu ficheiro no arquivo do Service Historique de la Défense indicam que ele “pertencia à Front National e participou na formação dos primeiros grupos F.T.P.F. [Franc-Tireurs et Partisan Français, ligado ao Partido Comunista]”.
O português foi preso pela Gestapo, por auxílio aos resistentes e distribuição de panfletos comunistas, ainda a guerra estava muito longe do fim, a 26 de Outubro de 1942, com apenas 19 anos, e enviado para a prisão do Fort de Hâ no dia seguinte, onde ficou até 18 de Janeiro de 1943, quando foi transferido para Compiègne, o último ponto de paragem para milhares de pessoas, antes da deportação para os campos de concentração.
É a partir daqui que Manuel Miranda é deportado para Sachsenhausen (prisioneiro n.º 58.560), num comboio que deixou o campo francês a 24 de Janeiro de 1943. Durante o período da deportação trabalhou para a fábrica de componentes de aviação Heinkel, que funcionava na órbita de Sachsenhausen, utilizando a mão-de-obra escrava fornecida pelo campo. E, segundo os dados do seu ficheiro de resistente, não desistiu de tentar opor-se aos alemães, mesmo preso: Manuel Miranda faria parte de uma organização clandestina de resistência que funcionava no interior do próprio campo de concentração.
O português não iria, contudo, resistir às duras condições infligidas aos prisioneiros e a sua morte está registada às 17h45, de 11 de Julho de 1944. Postumamente foi reconhecido como Deportado Resistente e recebeu a distinção Morto pela França.
Apoio à Resistência por reconhecer
Nascido em Alturas do Barroso, Boticas, a 5 de Junho de 1903, Manuel Pires foi preso pela sua actividade junto da Resistência, mas integra o grupo daqueles que, depois da guerra, não viram reconhecida essa actividade. Deportado para Dachau e para Buchenwald, sobreviveu à guerra e regressou, para a mulher e os quatro filhos, que deixara em Hauteville-Lompnes, a cerca de 90 quilómetros de Lyon.
O português foi preso a 29 de Novembro de 1943, segundo o próprio testemunhou por “detenção de armas e explosivos” destinados ao maquis local. Alguns testemunhos dão conta de que, além de guardar armas em casa, Pires contribuía também para o abastecimento dos resistentes, nomeadamente, com a “colecta de batatas”, actividades que terá desenvolvido desde Julho de 1943 até ser preso.
Enviado para a cadeia de S. Paul, foi condenado em Janeiro do ano seguinte a um ano de prisão pelo Tribunal Especial de Lyon e enviado para a Prisão Central de Eysses. A 30 de Maio é levado pelas SS para Compiègne e é daqui que será deportado, a 18 de Junho, para o campo de concentração de Dachau (prisioneiro n.º 73.885).
Manuel Pires foi depois transferido para Buchenwald e enviado para o comando Allach, tendo sido libertado pelo exército norte-americano a 30 de Abril de 1945. “Regressei a França a 3 de Junho de 1945 pelo centro de repatriamento de Mulhouse”, descreveu, posteriormente.
Em 1949, Manuel Pires foi informado que não foi considerado membro da R.I.F. (Résistance Intérieure Française), por se considerar que “a sua actividade como membro da Resistência não foi demonstrada”.
Morto pela França
Quando a guerra começou já há muito que Manuel Rodrigues se tinha naturalizado francês. Nascido em Portugal, numa localidade apenas identificada como São Pedro, a 10 de Dezembro de 1898, era casado com Yvonne Clément e pai de 12 filhos e naturalizou-se francês a 11 de Novembro de 1930. Profundamente envolvido na Resistência, morreu no comando Dora-Mittelbau, do complexo de Buchenwald.
Segundo o seu ficheiro da Resistência, Manuel Rodrigues juntou-se ao combate clandestino contra os ocupantes nazis logo em Outubro de 1940. Ajudante de canalizador juntou-se às F.F.C. (Forces Françaises Combattants), uma organização militar e em que alguns dos seus combatentes, os agentes P2, se dedicavam exclusivamente às actividades de resistência, cumprindo a disciplina militar. O homem de origem portuguesa era um destes agentes, integrando o grupo Résistance-Fer, composto por trabalhadores dos caminhos-de-ferro franceses, que se dedicavam sobretudo à recolha de informações sobre os movimentos das tropas inimigas ou a executar acções de sabotagem.
Manuel Rodrigues foi preso a 22 de Junho de 1943 e o seu nome consta da lista de passageiros de um comboio que saiu de Compiègne a 17 de Janeiro de 1944, em direcção a Buchenwald (prisioneiro n.º 40.314). Transferido a 9 de Fevereiro para o comando Dora, morre a 21 de Março desse ano. Rodrigues está identificado como espanhol ou francês em todos os ficheiros alemães encontrados.
No pós-guerra, foi proposta a atribuição do grau de sub-tenente, pela sua participação na Resistência e em 1948, Manuel Rodrigues recebeu a distinção de ter sito Morto pela França.
Um herói da Resistência nascido em Lisboa
Marcel Georges Florent Fox nasceu a 22 de Março de 1910, em Lisboa, onde o pai trabalhava como director do banco Crédit Franco-Portugais, uma instituição do universo do Crédit Lyonnais. Embora, à época, esta circunstância lhe conferisse a nacionalidade portuguesa, o homem vivia em Inglaterra e está identificado como francês. É considerado um herói da Resistência e foi executado no campo de concentração de Flossenbürg.
Até 1939, Marcel Fox era subdirector do banco Crédit Lyonnais, em Londres. Mas com o início da guerra, vai para França, e junta-se ao exército. Em Junho de 1940 é preso na região das Ardenas, com a sua unidade, e enviado para um campo de prisioneiros de guerra.
Acaba por fugir e, depois de se reencontrar com um amigo que o acompanhara de Inglaterra até França, e que entretanto se juntara à Resistência, este convence-o a regressar a casa, para receber treino e se juntar à luta clandestina.
A viagem é feita por Espanha, onde Marcel Fox é detido durante algum tempo, mas, eventualmente, acaba por chegar a Inglaterra. Depois de oficialmente recrutado e treinado, é enviado para França (é lançado de pára-quedas no país), onde ajuda a organizar várias redes de Resistência e funciona como espião, integrado na britânica Special Operations Executive (S.O.E.). O seu nome de código é “Ernest”.
Preso em Setembro de 1943, com outros membros da Resistência, esteve internado até Julho de 1944, quando foi deportado para Flossenbürg (prisioneiro n.º 6224).
Casado, com uma filha nascida em 1937, Marcel Fox tem apenas 35 anos quando é executado neste campo de concentração a 29 de Março de 1945. A notícia foi comunicada nesse mesmo ano à mulher e à mãe do tenente. Na carta enviada para esta última, precisa-se que ele tinha sido enviado para Flossenbürg num transporte de 15 oficiais dos exércitos aliados e que, tal como os companheiros, mantinha “um excelente moral, esperando ser libertados de um dia para o outro, quando infelizmente chegou a ordem para a sua execução”. Um oficial dinamarquês que tinha regressado do campo dera conta às autoridades francesas que Fox se mantivera “alegre e corajoso” até ao fim e que nenhum dos 15 oficiais tinha sido maltratado no campo antes da execução. “O seu filho era estimado por todos os oficiais e camaradas. O trabalho que ele começou teve continuidade e, como sabe, produziu bons resultados no momento da invasão e contribuiu largamente para a rápida libertação da França, com o mínimo de perda de vidas”, escreve-se na carta.
Marcel Fox recebeu, a título póstumo, a Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra e a Medalha da Resistência. Félix Gouin, que foi chefe do governo provisório francês no pós-guerra, disse sobre ele: “Oficial de um valor excepcional, herói lendário da Resistência, que pagou com a vida o seu ardente patriotismo”.
Sobreviver a Bergen-Belsen
Maria Barbosa, ou Marinette como era conhecida, tinha apenas 21 anos quando foi deportada. Na altura, vivia com um homem que era politicamente activo, embora subsistam dúvidas sobre se ela própria tinha actividade junto da Resistência. Certo é que, a 10 de Janeiro de 1944, estava numa casa com outros resistentes, quando a Milícia francesa (uma organização ao estilo da Gestapo alemã e que funcionava em articulação com ela) desencadeou uma operação que levou à morte de um deles. Antes de o mês terminar, Maria seria enviada para o campo de concentração de Ravensbrück, o primeiro dos três por onde iria passar.
Maria Barbosa nasceu a 23 de Fevereiro de 1922, em Vilar de Almas, Ponte de Lima, a segunda filha de João Barbosa e Diolinda de Magalhães que, com três filhos pequenos — Rosa, a mais velha, Maria e Francisco — emigraram para França, instalando-se na região de Lyon. Aí, o casal teria ainda mais dois filhos.
Em 1944, a jovem vivia em Saint-Fons e estava numa casa conhecida como Pommerol, alugada por Edmond Partouche, resistente do maquis da localidade de Adergues, ligado à rede resistente comunista Francs-Tireurs et Partisans Français (FTPF), quando a Milícia chegou, pelas 20h. A operação foi descrita por um jornal local francês, que o viúvo da portuguesa, François Vallon, preservou.
O artigo garantia que Maria Barbosa pertencia a uma rede de Resistência baptizada com o nome do primeiro resistente de Lyon condenado à guilhotina pelo regime de Vichy, em 1943, Émile Bertrand. Com ela estavam Antoine Garcia e Daniel Agnes. A aproximar-se da casa, para se juntar a eles, René Fernandez, de apenas 18 anos, apercebeu-se da presença da Milícia e tentou avisar os companheiros, mas foi morto a tiro. Na confusão que se seguiu, Antoine, ferido num braço, conseguiu fugir, Maria e Daniel são presos. “A minha mulher dizia sempre que a pessoa que foi presa com ela estava ali por acaso. Era um amigo de pessoas que pertenciam à Resistência, conhecia-os, queria vê-los, mas acabou detido”, relatou François Vallon, em 2014 ao PÚBLICO na sua casa a poucos quilómetros da pequena localidade de Port-Sainte-Marie, no Sudoeste de França.
Depois da rusga, Maria Barbosa esteve detida na prisão de Montluc, antes de ser transferida para Compiègne, de onde seria deportada para Ravensbrück (prisioneira n.º 27.864), num comboio que deixou aquela localidade a 31 de Janeiro, e a bordo do qual seguia também Maria d’Azevedo Neves.
Segundo os registos preservados em Arolsen, Maria Barbosa foi, posteriormente, transferida para Neuengamme (prisioneira n.º 5575), antes de ser enviada para Bergen-Belsen, provavelmente, durante o processo de evacuação do campo nos arredores de Hamburgo. François Vallon, que a conheceu num restaurante de Lyon onde ela trabalhava, em 1962 (casaram dois anos depois), contou que a mulher falava pouco sobre o que passara nos campos, embora deixasse escapar, de vez em quando, alguns pormenores dolorosos. “Ela evitava falar e, quando via os documentários na televisão, dizia sempre: ‘Estão longe da verdade.’ Mesmo em Ravensbrück, mas sobretudo em Bergen-Belsen. Este era um campo que existiu durante muito tempo, mas no fim da guerra eles tentaram colocar ali toda a gente e era mais um lugar onde se morria. Ela explicou-me coisas… Que [os prisioneiros] eram obrigados a transportar os cadáveres e que, às vezes, as mãos ou os braços deles lhes ficavam nas mãos, por causa do elevado estado de decomposição”, contava em 2014.
Maria Barbosa, que terá contraído tifo no campo, foi libertada de Bergen-Belsen a 17 de Maio de 1945 e chegaria ao Hotel Lutetia, em Paris — que desde a libertação da cidade funcionou como um centro de repatriamento para prisioneiros de guerra e dos campos de concentração e deslocados —, a 24 de Maio.
Mesmo que nunca tenha querido participar nas várias acções que celebravam a actividade da Resistência durante a guerra, Maria nunca conseguiu deixar o passado totalmente para trás, por uma razão muito concreta: o seu irmão, Francisco, também foi deportado e a família nunca mais soube dele. A portuguesa suspeitava que Francisco ter-se-á juntado à Resistência depois de ela própria ser detida, talvez para tentar perceber o que lhe acontecera, e durante anos, apoiada pelo marido, procurou desvendar-lhe o destino.
Foi só em Janeiro de 2008 que o mistério se desfez, quando os arquivos de Arolsen confirmaram que Francisco tinha morrido em Bergen-Belsen. Uma informação que permitiu a François Vallon perceber que os dois irmãos tinham estado naquele campo ao mesmo tempo. Maria, contudo, já não soube disto. “[Mariette] Já estava muito debilitada. A carta é de Janeiro de 2008 e a minha mulher morreu em Junho. Não quis que ela soubesse”, explicou o viúvo ao PÚBLICO.
Maria Barbosa está sepultada no cemitério da aldeia. Na campa, François Vallon colocou duas placas: uma que identifica a mulher como “antiga deportada”; outra dedicada ao irmão dela, Francisco Barbosa da Costa, com a indicação “morto durante a deportação”.
Apesar de ter sempre recusado juntar-se a associações de antigos deportados e de nunca ter regressado à Alemanha — mas veio uma vez com o marido e os sobrinhos a Portugal —, Maria Barbosa terá confidenciado ao marido, nos últimos meses de vida, que gostava que as autoridades portuguesas soubessem da sua história. A partilha que ele fez com o PÚBLICO há sete anos permitiu-lhe cumprir esse desejo.
Um português-espanhol
Na lista de vítimas mortais do campo de concentração de Mauthausen há mais um homem, de origem portuguesa mas identificado como espanhol, sobre o qual continua quase tudo por saber. Mário Teixeira Guimarães (o último sobrenome é uma hipótese, a partir da grafia utilizada) terá nascido em Moledo, Caminha, a 8 de Março de 1900 e, presumivelmente, emigrou para Espanha algures na sua vida.
Aparece como sendo casado com Maria Gonzalez, de Pontevedra (Galiza) e o local de residência antes da deportação é na região espanhola de Huesca. Pode-se presumir que Mário foi um dos muitos combatentes republicanos da Guerra Civil Espanhola que se refugiaram em França, após a derrota, o que explicaria estar identificado como espanhol, no certificado de morte guardado nos Arquivos Arolsen.
Segundo este documento, Mário Teixeira morreu pelas 15h45 do dia 7 de Julho de 1941, em Mauthausen. Não há indicação de quando chegou ao campo.
Preso no final da guerra
Martim Fernandes é mais um daqueles casos sobre os quais se sabe muito pouco. Nascido em Bragança, a 1 de Julho de 1911, está identificado como católico, casado e com dois filhos. Na profissão aparece “chaveiro”.
O português vivia em Paris e foi enviado para o campo de concentração de Dachau (prisioneiro n.º 128230), depois de ter sido preso pela polícia alemã, em Munique.
Chegou a Dachau em Janeiro de 1945 e na sua ficha consta a indicação de que não podia sair para trabalhar para fora do campo principal, o que quer dizer que não podia ser enviado para qualquer comando do sistema deste campo.
Desconhecem-se as razões para a sua prisão ou o que lhe aconteceu depois da guerra.
Um registo de Auschwitz
O certificado de morte de Michael Fresco, nascido em Lisboa a 15 de Setembro de 1911, sobreviveu à destruição de milhares de documentos referentes ao campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau. Nele, fica-se a saber que o português morreu naquele campo, pelas 15h20 do dia 24 de Julho de 1942. Era o prisioneiro n.º 42020.
Michael era um dos seis filhos de Nissim e Sultana Fresco, dois judeus turcos de Constantinopla que residiam na capital portuguesa desde finais do século XIX.
Em Janeiro de 1929, o jovem judeu muda-se para França, instalando-se em Nantes, onde irá residir na companhia de dois dos seus irmãos: Alberto e Mazaltob.
Apesar de os três irmãos Fresco viverem na mesma cidade, apenas Michael será visado por uma ordem de internamento do prefeito de Loire-Inférieure, emitida a 8 de Julho de 1941, e que visa três cidadãos judeus. Considera-se, sem mais detalhes, que o português é “perigoso para a segurança pública”. Detido no dia 11 desse mês, Michael é levado para o campo de internamento de Choisel, em Chateaubriant, onde é registado como “indesejável” e associado à prática de comércio no “mercado negro”.
Quando este campo é encerrado, Michael é enviado para o campo de Pithiviers, onde chega a 4 de Maio de 1942. É deste campo que, ao longo deste ano, saem seis comboios com destino a Auschwitz. Michael Fresco vai a bordo do primeiro, que sai da cidade francesa a 25 de Junho, pelas 6h15.
A sua morte, como já vimos, aconteceria menos de um mês depois. O seu nome, bem como o do seu grande amigo Isaac Hodara, que o acompanhou no período de internamento e foi também deportado e morto em Auschwitz, consta de uma placa de homenagem aos “mártires [judeus] desaparecidos nos campos de concentração” e colocada na sinagoga de Nantes.
Os dois irmãos Fresco que permaneceram em França sobreviveram à guerra. Mazaltob, que casou com um italiano simpatizante de Mussolini, de quem teve um filho, chegou a ser presa, mas acabaria libertada e nunca foi deportada.
Alberto Fresco, o mais velho dos seis irmãos Fresco, participou na Resistência, tendo integrado as Forces Françaises Combattantes, às quais se juntou, no grupo “Brutus”, a 1 de Outubro de 1943, já depois da deportação e morte do irmão Michael.
A família perdeu-lhe o rasto no pós-guerra. Já Mazaltob Fresco continuou a residir em França, tendo morrido aí, no Outono de 1991.
O peso de ser português
Paulo da Silva pode ter sido preso por estar no sítio errado à hora errada (está por determinar se pertenceu, como dizia, à Resistência), mas as consequências foram muito pesadas: foi deportado para Neuengamme, perdeu tudo o que tinha no incidente que levou à sua prisão pelos alemães e passou os anos depois do fim da guerra e ver recusados todos os pedidos de indemnização e de reconhecimento como resistente que fez.
Nascido em Vinha, São Pedro do Sul, a 10 de Janeiro de 1908, Paulo da Silva entra em França a 14 de Julho de 1923, com apenas 15 anos. Quando a guerra rebenta está instalado em Volvic, onde trabalha como artesão de pedra (vai abrir um negócio ligado à construção de pedras tumulares), e vive no Hôtel du Commerce, pertença da família Martinon, que alberga vários elementos da Resistência.
A 1 de Março de 1944, durante uma operação da Gestapo e do exército alemão, contra a Resistência, há uma troca de tiros com resistentes instalados no hotel, que conseguem fugir, matando um dos elementos da Gestapo. Como vingança, o espaço é totalmente incendiado e 25 pessoas que lá se encontravam — incluindo Paulo da Silva e a dona, Antonine Martinon — são presas. Destas, 17 vão ser deportadas.
Paulo da Silva é uma delas. Depois da prisão pelos alemães é deportado para o campo de concentração de Neuengamme (prisioneiro n.º 31.228) a 21 de Maio de 1944, num comboio que sai de Compiègne. Dias depois é transferido para o comando de Fallensleben, que acolhia a fábrica da Volkswagen, e o seu nome ainda aparece numa lista de contagem de prisioneiros deste sub-campo de 27 de Março de 1945. Antes de ser libertado e regressar a França, ainda foi enviado para Wöbbelin, local em que foi construído um campo de prisioneiros de guerra que, a partir de Abril de 1945, se tornou o ponto d e encontro de vários transportes de evacuação e que foi libertado a 2 de Maio desse ano.
Paulo da Silva regressou a Volvic a 16 de Maio de 1945 e pouco depois dava início a vários pedidos para que possa ser indemnizado pela perda total dos seus bens, no incêndio do Hôtel du Commerce. Insiste para obter uma resposta rápida, afirmando que não tem outros meios de subsistência e que, além disso, os problemas de saúde decorrentes da deportação o impedem de regressar imediatamente ao trabalho. A apoiá-lo, está o próprio presidente da Câmara de Volvic que, em Março de 1946, junta a sua voz à do português, pedindo que o indemnizem pelas perdas. “É um trabalhador honesto e sério e dou-lhe a garantia moral da exactidão das suas declarações. A totalidade do que possuía foi destruído no incêndio do hotel [da família] Martinon e ficaria reconhecido se pudesse aplicar a maior diligência no exame do seu caso, para que possa rapidamente voltar a ter os instrumentos indispensáveis para viver”, escreveu.
Mas de nada serviu. Ano após ano, os pedidos de indemnização são recusados. Ou porque Paulo da Silva é português e a lei que pretende indemnizar os cidadão pelas perdas sofridas durante a guerra não se aplica a estrangeiros, ou porque todos os bens que identifica como perdidos são pessoais e a lei só se aplica a bens com carácter diferente desse — imóveis ou indispensáveis à realização da actividade profissional. Ou, já na década de 1960, porque Paulo da Silva só obteve a naturalização francesa a 9 de Outubro de 1961, quando o prazo para que tal fosse feito, a título de uma outra indemnização, terminara em Julho desse ano.
De nada serve que Paulo da Silva diga que se apresentou voluntariamente junto do exército francês, quando a guerra começou, ou que fazia parte da Resistência. A conclusão das investigações das autoridades francesas é de que nada disso ficou demonstrado. Em Junho de 1952, três moradores de Volvic — incluindo a dona do hotel e dois ex-resistentes — garantem que, segundo o conhecimento que têm, Paulo da Silva nunca fez parte de qualquer grupo de Resistência. De novo, de nada serve que dois outros testemunhos do mesmo ano — incluindo de um dos elementos da Resistência que estava no hotel na altura do ataque e que conseguiu fugir — afirmem que o português “fez numerosos serviços durante as operações do maquis” ou que entrara na Resistência em Janeiro de 1943 e que era “agente de ligação”. A tentativa de Paulo da Silva para obter o título de Deportado Resistente é-lhe negada.
Paulo da Silva nunca casou nem teve filhos e viveu sempre em Volvic, até morrer, a 29 de Outubro de 1996. A pedra tumular que está na sua campa terá sido esculpida pelo próprio e tem a memória de deportação inscrita no número de prisioneiro (ainda que com um erro) colocado dentro de um triângulo invertido.
Nos Arquivos Arolsen esteve guardado, até este ano, um relógio que pertenceu ao português e que foi encontrado em Neuengamme. Após a tentativa, sem sucesso, para que alguns membros da família, encontrados no Brasil, mostrassem interesse em ficar com artefacto, este acabou por vir para Portugal, estando, agora, à guarda do Museu Nacional Resistência e Liberdade, instalado no Forte de Peniche.
Afectado pela destruição de um bairro
Pedro Pereira nasceu na freguesia vimaranense de Gominhães, a 24 de Agosto de 1913. Vivia em Marselha durante a guerra e foi apanhado pelo projecto de destruição de um bairro, que resultou na deportação de milhares dos seus habitantes. Sobreviveu e regressou à cidade francesa, onde era cozinheiro.
O jovem era o mais velho dos sete filhos do casal António Pereira e Rosa Maria Lopes e, em 1930, com apenas 17 anos, acompanhou o pai na viagem para França, em busca de trabalho. O homem regressaria a Portugal dois anos depois, mas Pedro Pereira permaneceu em Marselha, continuando a corresponder-se com a família em Guimarães.
Seis anos depois, pede a naturalização francesa e apresenta como motivo o facto de não poder regressar a Portugal, por causa da lei militar do país. De facto, Pedro Pereira tinha sido considerado “refractário”, em 1933, por faltar ao serviço militar obrigatório.
O jovem assume, no inquérito para a sua naturalização, que entrou em França clandestinamente, sem passaporte, mas o facto de ter emprego fixo, falar e entender correctamente a língua, ser passível de ser “assimilado” pela cultura francesa, estar apto para o serviço militar naquele país ou de se relacionar mais com franceses do que estrangeiros pesou para que recebesse um parecer favorável ao seu pedido, sendo naturalizado em 1937.
Pedro Pereira morou sempre em Marselha e o local em que vivia terá ditado a sua deportação para Sachsenhausen (prisioneiro nº 64.738). No final de Janeiro de 1943, cerca de 12 mil pessoas foram retiradas da Vieux Port, uma zona velha de Marselha, que os alemães e franceses demoliriam poucas semanas depois, numa operação conjunta. Os residentes, entre os quais estaria Pedro Pereira, detido a 23 de Janeiro, foram enviados para o campo militar de Fréjus e cerca de 800 seriam, posteriormente, deportados para Sachsenhausen. Pedro Pereira estava neste grupo, tendo deixado a França num comboio que partiu para aquele campo de concentração a 29 de Abril de 1943.
Passou pelos comandos Heinkel (onde se fabricavam aviões) e Klinker (dedicado ao fabrico de granadas) e foi libertado a 2 de Maio de 1945, tendo regressado a Marselha.
A operação de evacuação e destruição de Vieux Port foi alvo de uma queixa de crimes contra a humanidade, apresentada em 2019, nos tribunais franceses.
Nascido em Lisboa, morto em Bergen-Belsen
Os registos dos campos de concentração dizem que Prosper Colomar nasceu em Lisboa a 25 de Outubro de 1899. Mas não estabelecem qualquer outra ligação com a capital portuguesa. O homem foi deportado para Buchenwald (prisioneiro n.º 41.697) a 22 de Janeiro de 1944 e morreu em Bergen-Belsen, pelas 21h55 do dia 10 de Abril de 1944.
Segundo as informações que constam do seu ficheiro, Prosper Colomar era solteiro, contabilista e não tinha qualquer parente na Europa. A mãe, Angel, estaria na Bolívia, referiu.
Preso a 25 de Dezembro de 1943, em Perthus, Prosper Colomar é transferido a 17 de Fevereiro de 1944 para o sub-campo Dora, onde trabalha na fábrica subterrânea Mittelwerk. Poucas semanas depois é enviado para Bergen-Belsen.
Segundo a obra Le livre des 9.000 déportés de France à Mittelbau-Dora, o homem terá sido detido provavelmente quando se preparava para cruzar a fronteira com Espanha e foi seleccionado, pelas SS, a 27 de Março de 1944, para integrar um comboio de cerca de mil homens doentes provenientes do sub-campo Dora, cujo destino seria a morte em Bergen-Belsen.
De Lisboa para a Bélgica e daqui para Auschwitz
Rachel Basista era filha de pais polacos, que se tinham instalado em Lisboa. Foi na capital portuguesa que Benjamin e Raizla casaram, a 19 de Outubro de 1924, e foi também aí que nasceu a única filha do casal, a 19 de Outubro de 1928. Contudo, a permanência em Portugal e na Rua Antero de Quental, onde viviam, não se prolongaria por muito tempo. No ano seguinte ao de nascimento de Rachel, a família do alfaiate muda-se para a Bélgica, uma decisão que acabaria por ditar a morte dos três.
A 10 de Maio de 1940, as tropas nazis invadem a Bélgica, ignorando o estatuto de neutralidade no conflito declarado pelo país, e a família judia que vivera parte da sua vida em Portugal acaba sujeita ao mesmo regime repressivo que vai ser aplicado a toda a comunidade judaica.
Benjamin Basista é levado, já em 1942, com 2250 outros judeus, para o norte de França, para participar na construção da Muralha Atlântica, que deveria travar uma invasão Aliada na costa francesa. Raizla e a filha Rachel, então com 13 anos, são convocadas em Agosto desse ano para se apresentarem na Caserna Dossin, através de uma carta de trabalho. As duas apresentam-se voluntariamente neste campo de trânsito, onde não permanecem mais do que poucos dias. No dia 29 de Agosto de 1942 integram os passageiros do transporte VI, que deixa Malines, a localidade onde estava instalado o campo, em direcção a Auschwitz. A 31 de Outubro desse mesmo ano, Benjamin tem o mesmo destino, a bordo do transporte XVII.
Não há registos que atestem o destino da família depois da partida, mas é dado como certo que os três morreram em Auschwitz-Birkenau que, por esta altura, já estava transformado na eficiente máquina de extermínio pela qual ficaria tristemente conhecido.
Do internamento à morte
Ricardo (Richard) Lopes quase não viveu a guerra em liberdade. Simpatizante comunista, foi preso e internado logo em Dezembro de 1940, e, dos diferentes campos franceses por onde passou, sairia para dois campos de concentração nazis, na Alemanha — Neuengamme e Bergen-Belsen. Morreria neste último, a 21 de Maio de 1945. Tinha 57 anos e deixava mulher e quatro filhos.
Foi em Lisboa, supostamente a 8 de Outubro de 1888 (aparece também a data 8 de Agosto, em alguns documentos), que Ricardo Lopes nasceu, filho de Francisco da Silva Lopes e de Mathilde dos Santos. É em França, contudo, que construirá a sua vida.
Em Fevereiro de 1917 já lá está e é no dia 10 desse mês que se casa em Marselha com Joséphine Marie Rocchia. Em Agosto nasce a primeira filha do casal, Mireille, seguindo-se Colette (1920), René (1931) e Jacques (1937). Quando os dois rapazes nascem, Ricardo já se tornara francês, naturalizando-se em Janeiro de 1926.
Simpatizante comunista, segundo os diferentes documentos que permitem traçar o seu percurso, Ricardo Lopes, foi preso em Novembro de 1939, por “propaganda comunista”. A máquina de escrever utilizada na elaboração de panfletos foi descoberta em sua casa e o homem foi enviado para a cadeia de La Santé, de onde é libertado a 1 de Março de 1940. Antes, segundo a esposa, já participara no apoio aos refugiados da Guerra Civil de Espanha.
De regresso a casa, em Cachan, nos arredores de Paris, onde a família vivia, Ricardo Lopes mantém contactos com o partido e ter-se-á juntado à Resistência, fazendo parte da Front National desde 1 de Outubro de 1940.
Activo na elaboração e distribuição de propaganda anti-nazi, terá sido alvo de uma denúncia e foi, de novo, preso a 6 de Dezembro de 1940, em casa. Alvo de uma ordem de internamento, é enviado para o campo de Aincourt no mesmo dia.
Este seria, contudo, o primeiro de vários campos por onde o homem de origem portuguesa passou. A 6 de Setembro de 1941 é transferido para o campo de Rouillé e dois anos depois, a 22 de Novembro de 1943 é enviado para o campo de Voves. Erradamente, é incluído numa lista de “indesejáveis estrangeiros” e o responsável deste último campo questiona o director de Rouillé se é mesmo assim. Na resposta, escrita no último dia do ano, este reconhece o “erro”, confirmando que Lopes já se naturalizara francês em 1926.
Um dado que não mudou em nada o destino do homem nascido em Lisboa, já que, no ano seguinte, é enviado para Compiègne e daqui deportado para Neuengamme (prisioneiro n.º 30.449), a 21 de Maio de 1944.
Ricardo Lopes permanece neste campo até à sua evacuação, altura em que é enviado, com os outros prisioneiros, para o campo de Bergen-Belsen. É aqui que irá morrer, a 21 de Maio de 1945.
No pós-guerra, a sua viúva procurou ver reconhecida a participação do marido na Resistência e a atribuição do título de deportado resistente, mas as autoridades francesas rejeitam o pedido, apesar da garantia dos responsáveis da Front National de que pertenceu a este movimento desde 1940 e de que “demonstrou sempre um grande patriotismo e uma grande coragem nas tarefas que lhe foram confiadas”, tendo mesmo recebido, a título póstumo, o posto de sargento-chefe. Uma rejeição que foi comum a vários comunistas, incluindo um outro português, Luiz Ferreira Martins.
A família de Ricardo vê-o reconhecido apenas como deportado político, em 1955. Bem antes, ainda em 1948, é considerado Morto pela França. O seu nome está inscrito num monumento de Cachan dedicado à memória dos resistentes mortos em combate, fuzilados pelos alemães ou mortos em deportação.
Detido durante toda a guerra
Nada na vida de Tomás Vieira parece ter sido fácil. Nem mesmo o momento do seu nascimento. Encontrado por um lavrador, às 20h do dia 8 de Março de 1890, no lugar de Matas de Cima, seria baptizado no dia seguinte, como “exposto”, em Paderne, Albufeira, sem sobrenome, antes de ser entregue a uma ama de leite, do lugar de Texugueiras.
Quando casa com Cândida de Jesus, a 20 de Novembro de 1920, tinha ele 30 anos e ela 22, continua sem saber quem são os seus pais, mas já assume o sobrenome Vieira.
Seis anos depois, já com duas filhas, o algarvio emigra para França, levando no bolso um contrato de trabalho de uma empresa de construção. Chega ao país a 22 de Março de 1926 e trabalha em diferentes cidades e empresas antes de comprar uma casa em Paris, com uma mercearia no rés-do-chão, que irá explorar, acompanhado da mulher e das filhas.
A vida da família portuguesa muda às portas do início da guerra. A 2 de Setembro de 1939, Tomás Vieira é preso e enviado, durante sete dias, para a prisão de Fresnes, antes de ser transferido para a cadeia de La Santé. A 10 de Outubro é levado para o Campo de Rolland-Garros, onde se irão acumular outros “indesejáveis”, e dois dias depois é transferido para o Campo de Vernet, de onde só sairá para os campos de concentração alemães, apesar das tentativas para que seja libertado e repatriado para Portugal.
O seu internamento é justificado com “actividade política” e, nas informações que prestou aos responsáveis de Vernet, Tomás Vieira admite ter feito parte da Federação de Emigrantes Portugueses (criada em 1937 por iniciativa de trabalhadores comunistas), mas diz que só lá esteve “3 ou 4 meses” e desconhecer “que esta organização se ocupava de actividade política”. “Soube pelo meu advogado que o motivo do meu internamento foi o facto de ter sido acusado de actividade política pelo cônsul de Portugal. Protesto contra essa acusação que não tem qualquer fundamento”, revoltava-se Tomás Vieira perante os responsáveis do Campo de Vernet. Mas de nada lhe serviria. No próprio documento em que constam estas informações está também a indicação de que os responsáveis pelo campo consideravam Vieira “muito duvidoso do ponto de vista político”, pelo que havia uma grande reserva em relação à sua eventual libertação.
O português iria passar grande parte da guerra internado naquele campo, apesar do drama familiar que se desenrolava em Paris, e que o Consulado-Geral de Portugal na capital francesa fez chegar ao conhecimento do prefeito de Ariège, pelo menos em duas cartas.
Na primeira, com data de 25 de Junho de 1943, o cônsul insurge-se contra a condição de Tomás Vieira que, “cumpre uma pena de prisão sem que tenha tido, até ao momento, qualquer julgamento”. Se o seu internamento tinha o carácter de prisão preventiva, insistia o diplomata, o tempo decorrido levava-o a considerar que a manutenção do internamento do algarvio era já “uma medida arbitrária”.
Mas estes não eram os únicos argumentos para que Tomás Vieira fosse libertado e pudesse regressar a Paris, a fim de fechar o seu negócio, antes de ser repatriado com a família para Portugal. Em causa estava também “a penosa situação” das três mulheres da família Vieira, angustiadas pela ausência de Tomás, privadas do suporte financeiro que ele garantia, e a braços com a doença de Cândida de Jesus, diagnosticada com “um cancro incurável” e praticamente “moribunda”. “É por isso que, mesmo desconhecendo as razões que motivaram a prisão do meu concidadão, peço-lhe, em vista de tal angústia, e tanto por ele como pela mulher moribunda e as suas duas filhas, se será possível considerar a sua libertação, sob condição do seu repatriamento imediato para Portugal, acompanhado da sua família, e sob responsabilidade desta chancelaria”, lê-se na carta do consulado.
A 10 de Setembro, o cônsul-geral António Alves insiste com o prefeito de Ariège para que este se compadeça da situação da família, já depois de ter recebido uma resposta, em que aquele garantia que não se opunha ao pedido feito pelo diplomata português. António Alves quer saber por que está Tomás Vieira ainda internado e por que não passou o prefeito o “salvo-conduto”, pedido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Vichy, para que o português pudesse partir.
A verdade é que a partida de Tomás Vieira do Campo de Vernet para Paris e Portugal nunca seria concretizada e, a 30 de Junho de 1944, aos 54 anos, o algarvio é entregue aos alemães e deportado para o campo de concentração de Dachau (prisioneiro n.º 94.329), onde chega a bordo do Comboio Fantasma, a 28 de Agosto. Semanas depois, a 14 de Setembro, aparece já na lista de transporte de prisioneiros para o campo de Mauthausen e é aí, no sub-campo Ebensee, que Tomás Vieira morre, às 17h45 do dia 16 de Novembro de 1944. Os alemães indicam como causa de morte “broncopneumonia” e problemas circulatórios.
Em Paris, Cândida de Jesus também não resistira ao cancro. Numa carta dirigida ao prefeito de Ariège, a 27 de Outubro de 1944, a filha mais nova de Tomás procura saber o que aconteceu ao pai. “Soube que os campos da zona livre foram dissolvidos, mas até à data não tive qualquer notícia do meu pai. Poderá dizer-me se o Campo de Vernet foi dissolvido e para onde foram os internados? Acabei de perder a minha mãe e encontro-me sozinha com a minha irmã, que está doente e obrigada a recuperar no campo por um tempo indeterminado. Estamos à frente do comércio [da família] e estou muito embaraçada, porque somos as duas jovens. A minha irmã tem 22 anos e eu 19”, escrevia, pedindo que, caso o destinatário não tivesse informações sobre Tomás Vieira, que pelo menos lhe indicasse a quem deveria perguntar. No final da carta acrescentava: “Junto um selo para a resposta.”
No hospital por “má nutrição”
Venâncio Dias foi preso em Toulouse, em 1944, mas não se sabe o que estava a fazer na cidade francesa naquela altura, já que continua a apresentar como única morada São Vicente (Ponte), em Vila Verde.
Foi aí que nasceu, a 11 de Maio de 1904, e foi também aí que se casou, com Carolina Martins, a 5 de Março de 1923. Quando chega ao campo de concentração de Buchenwald indica que tem dois filhos, com 15 e 19, e assina a ficha com letra trémula. Pedreiro, garante ainda, conforme aparece na sua ficha médica, que “nunca esteve gravemente doente”. Não será assim depois da provação dos campos de concentração.
O português foi deportado para Buchenwald (prisioneiro n.º 69.553), a 31 de Julho de 1944, num comboio que sai de Toulouse, onde fora detido algum tempo antes. Identificado como “preso político português”, é transferido a 25 de Setembro para o sub-campo em Halberstadt, onde os homens trabalhavam na construção de galerias subterrâneas destinadas à instalação de áreas de construção de material de guerra da Junkers.
Venâncio Dias vai ficar neste campo até à chegada das tropas Aliadas. A 19 de Abril de 1945 é um dos muitos prisioneiros internados no hospital de campanha norte-americano montado na zona. A razão são os efeitos da “má nutrição”. O português aparece na lista de sobreviventes nacionais do complexo de Buchenwald.