A 18 de Março, Portugal entrou em estado de emergência devido à pandemia de covid-19.
Foi a primeira vez em democracia que isto aconteceu.
Do emprego à cultura, o país mudou em apenas 15 dias. Com os portugueses em casa, a normalidade foi interrompida.
Isso reflectiu-se em quase todos os aspectos: nas ruas sem gente, onde os carros não passam e os aviões não sobrevoam as cidades; no interior das casas, onde se tenta fazer uma vida mais online.
Coronavírus: Portugal a meio gás. O que mudou num país em suspenso
Com toda a gente em casa, um dos principais poluentes das cidades quase desapareceu
Com a maioria da população instada a ficar em casa, os automóveis que antes inundavam as cidades ficam na garagem – e isso nota-se nas medições das estações da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). O dióxido de azoto, um dos principais gases associado ao funcionamento dos motores automóveis, é um dos indicadores para medir o tráfego automóvel. E os números mostram que há cada vez menos veículos nos centros urbanos.
Valor médio de NO2 nas estações urbanas
Fonte: APA
A média da concentração de microgramas de dióxido de azoto por metro cúbico nos centros urbanos caiu quase pela metade desde o início do estado de emergência, quando comparado com os valores dos dois meses anteriores.
O dióxido de azoto “é um bom indicador das emissões automóveis. É um dos principais gases emitidos e que, apesar das melhorias introduzidas no sector, como filtros de partículas, e com a melhoria da qualidade dos combustíveis, não se tem conseguido baixar significativamente comparativamente a outros poluentes”, explica Célia Alves, investigadora do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro.
Com o estado de emergência, é normal que tenha havido “uma redução significativa do tráfego automóvel” e que “os níveis observados tenham decrescido”.
Os dados, recolhidos e analisados pelo PÚBLICO a partir do site da APA, que de hora em hora publica as medições relativas a sete poluentes atmosféricos numa rede de estações espalhadas pelo país, mostram que nos centros urbanos a maior redução de dióxido de azoto por metro cúbico aconteceu nas horas de ponta.
No período compreendido entre 1 de Janeiro e 1 de Março (antes do estado de emergência), o valor médio de concentração deste poluente às 19h era de 43,82 microgramas de dióxido de azoto por metro cúbico. Desde 2 de Março até à data esse valor médio ronda os 15 microgramas por metro cúbico nessa mesma hora.
Valor médio de NO2 nas estações urbanas
Antes do estado de emergência
Depois do estado de emergência
Fonte: APA
Mas os níveis de poluição não baixaram em todos os locais. Nas estações suburbanas (Anta-Espinho, Leça do Balio-Matosinhos, Mindelo-Vila do Conde, Estarreja, Ílhavo, Paio Pires e Monte Chãos) verificaram-se, nos últimos dias, níveis mais elevados deste gás quando comparado com as estações urbanas.
Para a especialista, a razão poderá estar associada à presença de indústrias “grandes emissoras” de poluentes nesses núcleos. Por exemplo, a Petrogal, em Matosinhos, continua em laboração assim com outras centrais térmicas para produção de energia porque “não podemos ficar sem electricidade”.
Valor médio de NO2 por tipo de estação de medição
Fonte: APA
Os dados da APA devem ser vistos com cautela. O registo dos níveis de dióxido de azoto registados nas estações, da responsabilidade das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, é feito no site da APA de hora a hora, mas possíveis erros nos sensores fazem com que os dados validados só sejam publicados em Outubro.
Há, para além disso, falhas na recolha dos dados. Por exemplo, nenhuma das estações localizadas no centro do Porto registou dados nos três primeiros meses do ano. A existência de dados sobre o segundo maior centro urbano do país poderia reflectir melhor a evolução da poluição atmosférica no país.
Como evoluiu a poluição na minha zona?
Quero comparar os níveis de poluição em
comNota: Algumas estações não registaram valores todos os dias.
Fonte: APA
Menos trânsito, menos acidentes graves
As fotografias de estradas e centros urbanos vazios inundaram as notícias e as redes sociais. Poucos caminham nas ruas. Com os carros nas garagens, os níveis de poluição baixaram, as estradas esvaziaram-se e, com isso, o número de acidentes também baixou.
As imagens mostram como as quatro maiores cidades do país viram os congestionamentos diminuir em apenas dez dias. Os dados, fornecidos ao PÚBLICO pela equipa de telemetria da Mapbox, empresa internacional de software de mapas, mostram um dia 15 de Março vermelho, com as principais artérias de Lisboa, Porto, Braga e Faro bem carregadas de tráfego. Dez dias depois, em pleno estado de emergência, o cenário apresenta-se muito diferente.
Como mudou o trânsito na minha cidade?
Fonte: Equipa de Telemetria do Mapbox
Também as auto-estradas têm sido cada vez menos utilizadas com a progressão da pandemia em Portugal. Segundo a Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Autoestradas ou Pontes com Portagem (APCAP), o tráfego nas auto-estradas caiu para metade entre a terceira semana de Fevereiro e a terceira semana de Março. Os portugueses conduziram menos 3 mil milhões de quilómetros nas auto-estradas.
Norte, Grande Lisboa e Algarve apresentaram quedas de mais de 60% nas auto-estradas. No interior e nas ilhas as descidas de tráfego são menos acentuadas.
Menos carros, menos acidentes
Com menos pessoas nas estradas, o número de acidentes graves diminuiu drasticamente desde a declaração do estado de emergência.
Atropelamentos, colisões e despistes rodoviários registados no site da Protecção Civil
Fonte: Protecção Civil
Os dados da Protecção Civil, recolhidos e analisados pelo PÚBLICO, apontam para uma redução de cerca de 33% no número de atropelamentos, despistes e colisões na estradas portuguesas. Entre 1 e 18 de Março, a Protecção Civil registou no seu site 345 acidentes graves. Já entre os dias 19 e 30 de Março foram registados menos de metade: 144.
Menos pessoas nas urgências — mesmo com situações mais graves
Os dados do Serviço Nacional de Saúde (SNS) revelam uma queda a pique nas idas às urgências, especialmente desde que o estado de emergência foi decretado.
Número diário de idas às urgências
Fonte: SNS/ACSS
Na semana de 16 a 22 de março, 49.634 pessoas recorreram às urgências dos hospitais portugueses – quase menos 70 mil utentes que no mesmo período de 2019.
Se é verdade que há menos pessoas a recorrer às urgências, quem vai tende a ir mais tarde. Graça Freitas, directora-geral da Saúde, já tinha alertado para esta situação, lembrando que “quem tem doença grave não pode deixar de ir a uma urgência”.
No Centro Hospitalar Universitário de Lisboa, a experiência de quem lida com os pacientes todos os dias aponta no mesmo sentido. A médica neurorradiologista Catarina Perry da Câmara diz ao PÚBLICO que “os doentes têm chegado numa fase mais avançada”.
“No caso do AVC e do enfarte, é muito importante a pessoa ir o mais precoce possível para que o tratamento tenha melhores resultados. E o que tem acontecido é que há mais doentes que chegam tardiamente. O que presumimos é que as pessoas têm mais receio em ir ao hospital e acabam por não ir logo.”
O número de pessoas nas urgências diminuiu após o início do surto, mas a percentagem daqueles que recorrem ao serviço por motivos não urgentes manteve-se quase igual ao resto do ano. A percentagem de utentes não urgentes entre 1 de Janeiro e 1 de Março foi de 36,61%; a partir de 2 de Março, dia em que foram registados os primeiros casos de coronavírus em Portugal, até 24 de Março, essa percentagem baixou apenas para 36,31%.
O valor mais baixo de idas às urgências foi registado a 22 de Março: nesse dia, apenas 5952 pessoas foram às urgências.
Trabalhar no meio da pandemia
A covid-19 fez a economia estremecer e o estado de emergência – que fechou vários sectores considerados não essenciais – fez o resto. O efeito parece sentir-se já nos sites de classificados. Pelo menos é isso que nos diz Rui Encarnação, do site Net-Empregos, que registou uma descida abrupta no número de anúncios.
Número de anúncios de emprego no Net Empregos
Fonte: net-empregos.com
É um facto que naquela plataforma há menos pessoas a procurar e menos empregadores a anunciar quando comparado com os dois primeiros meses do ano, mas o que mudou verdadeiramente foi o tipo de anúncios: “Há sectores que quase deixaram de ter ofertas, como na restauração e hotelaria”, explica. Por outro lado, os anúncios para trabalhar em supermercados, transporte e logística aumentaram, assim como os que pedem estafetas para empresas como a Uber Eats e a Glovo.
Renato Miguel do Carmo, investigador responsável pelo Observatório das Desigualdades do ISCTE-IUL, evita traçar cenários, mas há uma coisa que dá como certa: “O desemprego vai aumentar”. E é uma máquina que já está em marcha, pelo menos para quem estava numa situação precária “com contratos a termo que não vão ser renovados, trabalhos pagos à tarefa ou trabalho informal” – este último comum na área do turismo e da hotelaria, duas das áreas que mais sofrem com o cenário de pandemia.
Em caso de aperto há sempre quem se vire para os biscates – a chamada gig economy —, mas até para esses se adivinham tempos difíceis. “Também essas pessoas estão com grande dificuldade” e impedidas de exercer normalmente o seu trabalho, considera.
Mas há sempre quem desafie os riscos e saia para trabalhar: “Há um conjunto de pessoas que não podem transformar a sua actividade em teletrabalho e que por isso estão a trabalhar para manter algum rendimento, independentemente dos riscos que estão a correr.”
A corrida ao papel higiénico - e não só
A pandemia começou a fechar o país na segunda semana de Março e a corrida aos super e hipermercados seguiu-se pouco depois. O Governo foi rápido a assegurar que não haveria uma ruptura do stock nos estabelecimentos comerciais, mas as filas nos supermercados tornaram-se habituais.
O barómetro semanal da Nielsen, que mediu o impacto da pandemia no consumo dos portugueses na semana entre 9 e 15 de Março e comparou-o com o mesmo período de 2019, revela que se verificou “um elevado crescimento para os bens de grande consumo e o destaque foi para as categorias mais essenciais”.
Variação de vendas de produtos
Aumentos em percentagem das vendas de 9 e 15 de Março em relação à mesma semana de 2019
Detergentes e Produtos de Higiene
Alimentação
Fonte: Barómetro Nielsen Covid-19
As vendas de papel higiénico registaram um aumento de 229% em relação a 2019, mas esse não foi o produto cujas vendas cresceram mais. Na alimentação, a venda de conservas e de produtos básicos subiram 288% e 237%, respectivamente.
Portugueses compram menos, mas gastam mais de cada vez
Com o confinamento voluntário a ser a norma para muitos, as idas aos supermercados foram reduzidas ao mínimo. As autoridades de saúde assim pediram e os portugueses obedeceram. É o que contam os dados da SIBS, que divulgou índices de consumo dos portugueses para Março sobre as compras online e na rede Multibanco, olhando para antes do primeiro caso (entre os dias 1 de Janeiro e 1 de Março) até à última semana de Março.
Na primeira semana de Março aumentaram em 17% as compras com Multibanco face à semana anterior aos primeiros casos confirmados de covid-19. Mas no final de Março as compras na rede multibanco já tinham caído 44%.
O valor médio de cada compra com Multibanco, antes dos primeiros casos surgirem, era de 34,7 euros. Na última semana de Março, subiu para 38,8 euros. Já as compras online passaram de um valor médio por operação de 37,2 euros antes dos primeiros casos de covid-19 para 39,7 euros no final de Março.
Gasto dos portugueses em hipermercados e em farmácias
Percentagem face ao total registado na rede multibanco por semana
Fonte: SIBS Analytics
Também na “Glovo”, a popular aplicação de entrega de bens em casa, a preocupação dos portugueses com bens de primeira necessidade se faz sentir. Em resposta às questões colocadas pelo PÚBLICO, a empresa diz ter verificado um aumento na ordem dos 112% dos produtos da categoria “Farmácia” no período compreendido entre Janeiro e a primeira semana de Março.
Entre os produtos mais encomendados pelos portugueses encontram-se termómetros, produtos de higiene íntima, produtos para aliviar as dores de pescoço e testes de gravidez.
Conta da luz desce ligeiramente com portugueses em casa e empresas fechadas
Muitas empresas e escritórios que antes consumiam eletricidade o dia inteiro estão agora fechados. Pelo contrário, os portugueses confinados às suas casas, especialmente os que se encontram em teletrabalho, levam a pensar se o consumo de eletricidade e gás natural aumentou com um país fechado em casa.
Os dados da REN apontam para uma descida do consumo de eletricidade, mas o coronavírus não é necessariamente o responsável. Em 2019 os portugueses começaram o ano a aumentar drasticamente o seu consumo e o mesmo aconteceu em 2020, seguida de uma descida nos meses seguintes.
O consumo de electricidade em Março de 2020 desceu cerca de 0,5% em relação a 2019. Para Isabel Soares, professora catedrática da Faculdade de Economia do Porto (FEP), a descida pouco acentuada dever-se-á ao facto de, apesar de haver uma “redução da actividade económica numa primeira fase”, ela ser compensada por um potencial maior consumo doméstico.
Quanto ao aumento do consumo em Janeiro, semelhante a 2019, Isabel Soares explica que “tanto o consumo de eletricidade como de gás natural aumentaram substancialmente, o que é natural nos meses frios e de intensa actividade económica: o consumo de gás natural aumentou 7,2% e o consumo de electricidade aumentou 0,9%”.
Restaurantes tentam resistir com take-away, mas pedem mais
Os restaurantes foram obrigados a fechar portas pela declaração do estado de emergência, mas ainda há quem resista, fazendo entregas ao domicílio e preparando refeições para take-away. Foram estas as alternativas apresentadas aos empresários do sector, que as aceitaram, mas falam de um “penso rápido num ferimento de bala”, como diz a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).
Muitos restaurantes passaram a fazer entregas take-away, como sugerem os números disponibilizados pela Zomato, mas esta não é uma medida que garanta a sustentabilidade da maioria dos restaurantes, denuncia a AHRESP. O cenário é particularmente negro para as pequenas e médias empresas.
O que está a ser feito não chega, dizem os empresários em uníssono, e pedem mais do Governo para fazer face a uma “crise abismal”.
N.º de restaurantes com take away no Zomato
Fonte: Zomato
A AHRESP pede ao Estado, por exemplo, que pague 1000 euros por cada trabalhador já a partir de Março e “o reforço da comparticipação pública no regime de layoff simplificado” para as empresas.
Outros empresários do sector, como Ljubomir Stanisic, chef do 100 Maneiras, também pediram ao Governo que ganhasse “tomates” e ajudasse os restaurantes – um manifesto transformado em campanha que se tornou viral nas redes sociais.
Menos horários e procura: transportes públicos em estado de emergência
Autocarros e carruagens vazias são agora uma imagem habitual para os poucos que ainda os utilizam nas cidades portuguesas. As empresas viram-se obrigadas a suspender ligações e carreiras para diminuir os prejuízos causados pela falta de clientes.
Lisboa e Porto enfrentam uma quebra na utilização de transportes públicos colossal. A Moovit, uma aplicação de mobilidade urbana, calcula que a utilização de todo o tipo de transportes públicos nestas cidades tem vindo sempre a descer no mês de Março. No último dia do mês, a utilização de transportes públicos caiu 83,2% no Porto e 75,6% em Lisboa, aponta a Moovit. Esta tendência apareceu antes mesmo de declarado o estado de emergência, avalia Marcelo Tavela, porta-voz da Moovit: o uso dos transportes públicos em Lisboa e no Porto começou a cair logo a 10 de Março.
Variação do uso de transportes públicos em Lisboa e no Porto
Valor em percentagem de subida/descida face ao valor de referência de dia 15 de Janeiro.
Fonte: Moovit
“Nos últimos dias é identificada uma tendência de estabilização nas duas cidades, com as restrições de deslocamentos somente para serviços essenciais e a redução da lotação dos veículos”, analisa.
Os dados são recolhidos pelos utilizadores da aplicação e actualizados diariamente, garante Marcelo Tavela. A análise começou a 15 de Janeiro, data escolhida por ser “um momento em que a maioria dos países, com excepção da China, ainda não tinham sido afectados pela covid-19”.
Tanto a SCTP como a Carris já tinham anunciado medidas para combater a falta de procura nos seus serviços – reduzindo horários e o número de lugares a bordo. Como deixou de haver revisores para garantir a utilização dos títulos de transporte, a Carris tornou os seus bilhetes gratuitos.
Nos carris, a CP – Comboios de Portugal fala de quedas abruptas na oferta e na procura. A procura de viagens caiu 60%. A 18 de Março, dia em que foi declarado o estado de emergência, a oferta foi reduzida de 1400 ligações para 1050.
Mas as medidas para evitar comboios vazios não param aqui. A oferta de bilhetes nos Alfas Pendulares e nos Intercidades, serviços que ligam, por exemplo, Porto, Lisboa, Braga e Coimbra, foi reduzida para um terço. Relativamente à procura, no caso dos comboios Alfa Pendular a quebra é de cerca de 85% e nos comboios Intercidades de cerca de 90%, tendo sido já registadas situações de procura inexistente para alguns destes comboios. Nos comboios urbanos, registam-se quebras de procura na ordem dos 70%.
Neste momento, apenas circulam 12 comboios Alfa Pendular e 40 comboios Intercidades, o que corresponde a 54% e a 69% da oferta regular. A CP já tinha anunciado que os revisores não iriam fazer a revisão de títulos de transporte em alguns serviços, por motivos de higiene.
Aviões em terra
À meia-noite do dia 19 de Março, Portugal suspendeu todos os voos para fora da União Europeia. Os voos para Itália já tinham sido suspendidos no dia 10 de Março e muitos países optaram por medidas semelhantes. A redução drástica do tráfego aéreo e o isolamento social imposto em muitos países paralisaram os aviões nas pistas.
Os aviões continuam a descolar e a aterrar em Portugal, mas longe dos números antes de a pandemia chegar ao país. Segundo dados do Flight Radar, que monitoriza voos em todo o mundo, os voos a partir de Portugal caíram a pique.
Número de partidas nos aeroportos portugueses
Fonte: Flight Radar
Também os dados do Laboratório de Observação da Terra do Centro Internacional de Investigação do Atlântico, sediado na ilha Terceira, nos Açores, apontavam no dia 26 de Março para uma redução do tráfego aéreo português de 87%.
A TAP passou a voar apenas para as ilhas a partir do dia 1 de Abril até ao dia 4 de Maio. A companhia aérea anunciou um conjunto de medidas para colmatar a “suspensão quase total das suas operações”, incluindo avançar com o processo de layoff simplificado.
Aviões nos céus europeus às 16h00 entre 1 e 31 de Março
Cortesia: Flightradar.com
Os céus portugueses são apenas um espelho da realidade europeia e mundial. O Flight Radar mostra também como o número de aviões no ar foi cada vez menor ao longo do mês de Março: se no dia 1, a plataforma tinha registados 14.629 voos, no dia 31 apenas foram contados 5.632 voos.
Cinemas encerrados, vendas de livros em baixa: a cultura fechada em casa
O estado de emergência teve entre as suas medidas a suspensão de actividades culturais e artísticas. Salas de espectáculos, cinemas, teatros, museus e vários outros espaços tiveram de fechar e cancelar ou adiar todos os seus eventos.
Uma das indústrias culturais mais atingidas tem sido o cinema. Os dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) revelam que, antes da terceira semana de Março, todos os fins-de-semana tiveram mais de 200 mil espectadores a visitar os cinemas portugueses; já os últimos dois fins-de-semana em que os cinemas estiveram abertos não chegaram a esse valor.
O último dia em que os cinemas portugueses se encontraram abertos, o dia 18 de Março, foi o pior dia do ano: apenas 8838 pessoas foram ver um filme a uma sala de cinema. A situação preocupa Lima de Carvalho, secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas Cinematográficas, que aponta que “a única fonte de receita é a exibição, a publicidade e, eventualmente, a ajuda de outros serviços, como é o caso das pipocas e refrigerantes”. A ICA já anunciou “medidas excepcionais” para apoiar o sector durante a pandemia.
Número de espectadores nas salas de cinema portuguesas em 2020
Fonte: ICA
A venda de livros também caiu a pique. Segundo dados da GFK, um instituto de estudos de mercado, a venda de livros em Portugal caiu 65,8% na semana de 16 a 22 de Março em relação à mesma semana de 2019.
As primeiras semanas de 2020 até estavam a ser positivas para a venda de livros, com todas as semanas antes de Março a apresentarem melhores resultados do que o ano anterior. Entre os dias 24 de Fevereiro e 1 de Março, foram vendidos mais 11,8% unidades que no período homólogo de 2019. Pelo contrário, a semana de 16 a 22 de Março sofreu uma queda de 63,3% nas unidades vendidas, que se traduz em menos 121,6 mil unidades e numa quebra de 1,6 milhões de euros em receitas.
Livros vendidos em 2020 face a 2019
Fonte: GFK
Fechados em casa, os portugueses querem saber como deixar de fumar. E não pensam em casar
Nas ruas, uma grande parte do país parou. Mas dentro de cada casa, muitas empresas continuam a trabalhar como antes. Para muitos trabalhadores e estudantes, o teletrabalho transformou a casa no escritório e na sala de aula.
Os dados mostram-nos que o tráfego online aumentou exponencialmente à medida que os portugueses se foram isolando cada vez mais, mas a utilização de dados móveis tem vindo a descer ligeiramente, diz John Graham-Cumming, chief technology officer da Cloudflare, uma empresa dos EUA que fornece serviços de segurança da internet e que tem escritórios em Lisboa. A Cloudflare catalogou a mudança e o crescimento de tráfego em vários tipos de serviços e pesquisas, entre o início do mês de Fevereiro e o final de Março.
Variação no tráfego de internet em Portugal
Valor em percentagem de subida/descida face ao valor de referência de dia 8 de Fevereiro
Nota: Os valores foram ajustados com uma média móvel semanal para facilitar a interpretação dos dados e mostrar tendência.
Fonte: Cloudflare
O director de tecnologia da empresa não fala directamente sobre os dados em Portugal, mas nota que as pessoas “não estão no escritório, a utilizar os seus telemóveis em 4G e é mais provável que que estejam conectados à rede wi-fi em casa”.
Sites/serviços online que mais viram o tráfego aumentar
Sites/serviços online que mais viram o tráfego diminuir
Variação em percentagem entre o início de Fevereiro e final de Março
Fonte: Cloudflare
“Há uma pequena descida no tráfego móvel, mas a história aqui é que o tráfego de internet subiu muito, em Portugal e no mundo”, destaca. A empresa presta serviços em 26 milhões de propriedades digitais, desde sites a aplicações e a negócios, o que é “um espelho muito bom para o tipo de websites que as pessoas estão a visitar”.
Não é surpresa que televisão (mais 390% no fim de Março comparado com o início de Fevereiro), serviços de streaming (mais 380%) e filmes (mais 380%) dominem as pesquisas. O dado mais surpreendente é a subida fulgurante nas pesquisas associadas a deixar de fumar: o tráfego online destes serviços mais do que triplicou. “Não tenho memória de isto ser uma grande categoria em qualquer outro país, é algo que salta à vista em Portugal.”
A pesquisa por conteúdos digitais relacionados com a América do Sul também distingue o tráfego digital português do resto do mundo. “Portugal partilha uma língua com o Brasil e imagino que haja muitas conexões familiares”, diz o CTO da Cloudflare.
Os serviços que mais viram a sua procura subir exponencialmente foram os cartões-de-visita online, com um crescimento de 1200%. Seguem-se serviços como leilões online (900%), páginas para crianças (430%) e serviços de tradução (430%).
No sentido descendente, os desportos caíram drasticamente nas pesquisas, assim como os espaços de eventos. A procura por lares de idosos e tratamento de cancro caiu 42,5% e 43,8% respectivamente. O fundo da lista pertence à pesquisa de serviços de casamentos: a procura desceu 64,2%.
Teletrabalho + ensino à distância = mais consumo de dados
O tráfego digital português passa também pelos servidores da Unidade de Computação Científica Nacional da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, coordenada por João Nuno Ferreira, e passa especificamente pelo Gigapix - uma “plataforma neutra” por onde “corre” não só todo o tráfego de e para as instituições de ensino superior, mas também as ligações entre as operadoras comerciais, como a Nos, a Vodafone, a Altice, entre outras.
O tráfego de toda a internet portuguesa não passa só pelo Gigapix, mas “as evoluções que se observam são um bom espelho do que será o ritmo das trocas de tráfego entre as operadoras nacionais”, esclarece o coordenador. Também a plataforma aponta para o mesmo sentido da Cloudflare: com as pessoas em casa, o tráfego tem aumento consideravelmente, devido ao teletrabalho e ao ensino à distância (alunos, docentes e funcionários continuam a usar os servidores das universidades).
Os dados desta plataforma revelam um aumento do tráfego médio semanal de 26% desde que o vírus chegou a Portugal. Maior aumento numa semana: 43%, um valor máximo de tráfego registado de 122 gigabytes por segundo.
A pandemia chegou à pornografia
Vários serviços sediados na internet têm aproveitado o confinamento generalizado para fazerem os seus negócios crescer. Um desses serviços é o PornHub, o site de pornografia mais popular do mundo, que tem lançado campanhas para manter as pessoas em casa e no seu site, oferecendo serviços premium.
Variação do tráfego no Pornhub
Valor em percentagem de subida de tráfego face ao registado num dia com tráfego médio no site de pornografia Pornhub.
Fonte: Pornhub
O site revela um crescimento do tráfego em Portugal, a acompanhar a tendência mundial, em todos os dias do mês de Março comparando com a média de tráfego habitual. O pico do tráfego do PornHub em Portugal foi a 24 de Março, em que o site foi visitado mais 36,5% vezes do que num dia normal. Portugal é também um dos líderes nas pesquisas com palavras ou frases relacionadas com coronavírus: aparece em sétimo lugar, com mais 70% dessas pesquisas do que a média mundial.
O site faz notar ainda que houve 9 milhões de pesquisas associadas às palavras “corona” ou “covid” em todo o mundo, entre os dias 20 de Fevereiro e 16 de Março.
Tristes e assustados: assim são os portugueses no Twitter durante a pandemia
Com muitos portugueses confinados ao espaço das suas casas, a procura de entretenimento e distracções é, agora, mais importante que nunca na rotina diária e essa distracção passa muito pelas redes sociais. Mas têm os portugueses conseguido manter-se positivos no meio das notícias sobre o coronavírus?
Como se sentem os Portugueses no Twitter em Portugal em relação à covid-19?
Percentagem de tweets classificados pelo algoritmo da AP Exata por sentimento neste momento
Fonte: AP Exata
Os dados da AP Exata, uma empresa de análise de dados com escritórios em Portugal e no Brasil, mostram como é que os portugueses se sentiram no Twitter, ao longo do mês de Março. As publicações são catalogadas em oito emoções diferentes: medo, alegria, tristeza, confiança, raiva, antecipação, desgosto, surpresa. Estes oito sentimentos básicos usados para categorizar as publicações têm por base a teoria de emoções do psicólogo americano Robert Plutchik.
Segundo Sérgio Denicoli, director da AP Exata e especialista de comunicação digital na Universidade do Minho, a recolha de dados é realizada através da API do Twitter e o cálculo é feito através de expressões normalmente usadas com os sentimentos referidos. 89.613 tweets foram recolhidos e, em média, 20% dos tweets analisados em Março incluem expressões associadas ao medo; em segundo lugar, com 18%, está a tristeza. A confiança é também um dos sentimentos mais sentidos pelos portugueses: no dia 18 de Março, 20,23% dos tweets dos portugueses reflectiam confiança, mas essa nunca voltou a estar tão alta.
Evolução dos sentimentos registados no Twitter
Percentagem de tweets classificados pelo algoritmo da AP Exata
Fonte: AP Exata
“Os humores das pessoas vão sendo moldados de acordo com as notícias que vão chegando. Quando as notícias são mais positivas, as pessoas tendem a ficar mais positivas e vice-versa”, diz o especialista. As notícias são, aliás fortes influenciadoras dos sentimentos das pessoas. “As pessoas estão em casa e acabam por consumir mais notícias e menos informações encontradas na internet, o que acaba por influenciar a sua disposição.”
Se vive na Madeira ou nos Açores, é provável que se sinta mais confiante do que o resto do país. “O mais interessante que observamos em Portugal é que nas Ilhas a confiança é mais alta, as pessoas estão menos amedrontadas, pela própria forma geográfica de uma ilha. As pessoas sentem-se mais protegidas porque é mais fácil controlar quem entra ou quem sai”, analisa Sérgio Denicoli.
No extremo dos dados recolhidos, os sentimentos menos vistos no Twitter em Portugal são a surpresa e a alegria. Apenas 6,18% das publicações contêm expressões de surpresa e 6,07% são publicações alegres.
Música para afastar a tristeza. A receita dos portugueses que inclui “Tudo OK”
Se no Twitter predominam o medo e a tristeza, os portugueses parecem ter-se voltado para a música como forma de alegrar o espírito em tempos de isolamento social.
Os dados recolhidos e analisados pelo PÚBLICO a partir do popular serviço de streaming Spotify mostram que, depois de um Janeiro particularmente “triste” no que toca à “positividade” das músicas, em Fevereiro e Março os portugueses procuraram tendencialmente músicas mais alegres.
Índice médio de felicidade das músicas mais ouvidas no Spotify
Valor médio diário de "valência" - indicador que o algoritmo do Spotify usa para classificar a "positividade" de uma música - para as 200 músicas mais ouvidas no serviço de streaming
Fonte: Spotify
O pico neste “índice médio de felicidade” das 200 músicas mais ouvidas por dia no Spotify deste ano ocorreu a 28 de Março – dez dias depois do início do estado de emergência. Para tal contribuíram Tudo OK, de Thiaguinho MT e Chama ela, de Lexa: os dois temas são classificados pelo algoritmo do Spotify como muito “positivos”.
O PÚBLICO recolheu as 200 músicas mais ouvidas todos os dias no Spotify desde o início de Janeiro e olhou para a informação que o algoritmo da empresa produz sobre as músicas. Entre os vários indicadores que classificam as músicas, encontra-se uma variável chamada “valência” que afere, numa escala de 0 a 1, a “positividade” de uma música. Ou seja, canções próximas de 0 são tristes, canções próximas de 1 são felizes. Foi assim possível calcular o valor médio deste indicador para cada um dos dias desde o início de 2020.
Para animar os dias durante o estado de emergência, as músicas mais felizes e mais ouvidas desde o dia 18 de Março foram Chama ela (feat. Pedro Sampaio), de Lexa, Tudo OK, de Thiaguinho MT, Não sou obrigada, de Pocah, e Amarillo, de J Balvin.
Já o top das músicas mais tristes é liderado pelas músicas Never again, de PartyNextDoor, Nothing compares, de The Weeknd, e No time to die, de Billie Eilish.
Mais por casa, os portugueses parecem também andar com menos vontade de dançar. Recorrendo a outro destes indicadores que o Spotify disponibiliza para as suas músicas, verifica-se que o valor médio de “dançabilidade” da 200 músicas mais ouvidas todos os dias também caiu abruptamente.
Índice médio de dançabilidade das músicas mais ouvidas no Spotify
Valor médio diário de "dançabilidade" - indicador que o algoritmo do Spotify usa para classificar o quão dançável uma música é - para as 200 músicas mais ouvidas no serviço de streaming
Fonte: Spotify
Tirando uma queda em Fevereiro, os portugueses foram tendo momentos de animação no início do ano. Mas em Março, depois do estado de emergência ser declarado, parece haver menos vontade de dançar.
Proteja-se. E faça-o com música. A banda sonora da quarentena passa por aqui:
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