O surto que foi descrito ao PÚBLICO pela equipa de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde (ARS) da região Norte tem várias cadeias de transmissão e está ligado a dois contextos: o laboral e o familiar. Nesta região do país existem muitos negócios familiares, daí que grande parte das pessoas infectadas no almoço sejam também trabalhadores da fábrica.
“Apesar de termos a certeza de que ocorreu transmissão no local de trabalho, grande parte também pode ter ocorrido fora, explica Ana Mendes, responsável pelo gabinete de crise de saúde pública da ARS Norte.
Não é possível estabelecer de forma clara a ligação entre todos os casos, mas, segundo a equipa da ARS Norte, não foi o primeiro caso que deu origem aos outros 32. “Uns foram transmitindo [o vírus] aos outros”, diz Ana Rita Gomes, delegada de Saúde do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Tâmega III – Vale do Sousa Norte que, tal com Ana Mendes, foi uma das primeiras profissionais a lidar com casos suspeitos de covid-19 em Portugal.
Quando este surto teve início (foi um dos primeiros a ser identificado em território nacional) ainda estávamos em época gripal e a equipa de saúde pública admite que o quadro ligeiro de sintomas pode ter sido desvalorizado durante algum tempo. “O doente com sintomatologia estava a trabalhar normalmente porque associava os sintomas a outra coisa, uma constipação. Se fosse agora as pessoas estariam muito mais alerta”, refere Ana Rita. Além disso, falava-se e pensava-se no novo coronavírus como algo “fora de Portugal”.
“A doença espalhou-se com a convivência normal das pessoas, a forma como trabalham muito proximamente, o convívio familiar. Na região em questão, as famílias juntam-se muito e há muitas festas, daí que tenham existido várias cadeias de transmissão, uma festa de anos, uma vizinha que vai visitar uma amiga. Era a vida normal antes de tudo acontecer e o contacto afectivo muito próximo também contribuiu. A nível de empresa, os trabalhos decorriam dentro do normal para uma fábrica de calçado, ninguém laborava com a máscara, não existiam os cuidados de higiene e de distanciamento. Na altura, não se falava de nada disso”, explica a delegada de saúde.