Verão 2020
Lá no alto da serra da Estrela mora a solidão dos pastores
Cumprem o ritual secular da transumância, em busca de pastos mais verdes. Tiago Cerveira, um jovem "filho" da serra, fotografou um dia na longa solidão destes pastores, aqui cortada pela presença dos visitantes.
Naquele dia de Junho, Francisco Miguel, o “Pula”, como é mais conhecido (44 anos), António Ferreira (46) e Pedro Gomes (36) tinham outra companhia lá no alto da serra da Estrela, para além dos montes, dos chocalhos do rebanho, do vento, do sol (e da lua). Dois amigos, conta Tiago Cerveira, “que vão lá passar uns dias de vez em quando”. “Quase como se fosse uma colónia de férias”, brinca, aludindo à idade dos “visitantes”, 21 (Bruno André) e 19 (Tiago Banha) anos. Vêm, na verdade, ajudar a aliviar a solidão da transumância e, quem sabe, experimentar a mesma introspecção que Tiago sente sempre que acompanha pastores pela serrania.
Ele não é pastor (trocou as lides do jornalismo, como repórter de imagem, pelo marketing, mas mantém um projecto de vídeo e fotografia documental das serras da Estrela, da Lousã e do Açor que se chama “O Meio e a Gente” e uma conta no Instagram onde celebra a ruralidade de pessoas e locais), contudo há muito tempo que segue a agenda destes: na mão, máquina fotográfica ou de filmar (foi recentemente premiado no Avanca Film Festival pelo documentário A Máscara de Cortiça); na cabeça, a ideia constante de documentar um mundo, o da transumância, que “vai acabar em breve”, acredita Tiago. E pelo qual, assume, tem “um carinho especial” – pelos pastores da serra, pelas suas ovelhas, pelos seus queijos, pelos seus cães. “São o verdadeiro ex-libris cultural da região”, defende.
Tiago nasceu em Travanca de Lagos (Oliveira do Hospital), aldeia ao pé da Serra da Estrela, onde, por estes dias, os pastos estão secos. Por isso, alguns dos pastores, “os mais genuínos”, transferem-se para as alturas da serra, levando atrás os seus rebanhos. É um ritual secular, este da transumância, subir e descer a montanha em busca das melhores pastagens, que muitos trocaram pela “comodidade” da alimentação com rações, o que se reflecte, diz, na qualidade do leite e, consequentemente, na do queijo da serra da Estrela.
Antigamente, conta, os pastores ficavam “muitos mais meses” na serra. Francisco, António e Pedro “subiram” em Junho e deverão “descer” a 15, 20 de Agosto. “Já foi a cobrição e nessa altura vão começar a parir. Não convém ser lá em cima.” Conta-nos o que foi ouvindo em meio-dia que passou com os pastores e as suas 750 ovelhas combinadas, estavam eles na zona da Lagoa Comprida (onde estarão agora?).
“Não é preciso provocar cenas”, diz, “há sempre coisas a acontecer”. É um universo “mágico” e quem vai “como turista não percebe todas as suas dimensões”. Tivesse ido num domingo, teria encontrado familiares dos três: vão passar o dia e levar reforço alimentar. Calhou assistir a um negócio feito ali, na hora, a quase dois mil metros de altitude, com a compra de um novo carneiro que ao chegar ao rebanho vem “bravo”. “De três em três anos, o carneiro dos rebanhos tem de ser trocado, porque se não a genética destes enfraquece”, explica.
Numa altura em que, sublinha Tiago, há telemóveis, luz das lanternas a pilhas e alguns até dormem em carrinhas (outros continuam a dormir ao relento ou, quando a tempestade chega, em cabanas improvisadas com plástico) há algo que não muda: a solidão quase absoluta destes homens. “Há um momento em que deixa de ser poético e passa a ser doentio.”
Para seguir o trabalho de Tiago Cerveira:
- Facebook O Meio e a Gente
- Instagram @tcerveira
- Vimeo Tiago Cerveira