Fotografia
Olhar para o espelho e aceitar a diferença
A meio das escadas, Julieta observa as suas próteses. Uma doença rara chamada “púrpura fulminante” roubou-lhe as pernas, mas não os sonhos: tirou o curso de Medicina, faz escalada e dança, casou há poucos meses. Tiago e César são portadores de síndrome de Down, mas nem por isso deixam de fazer desporto, trabalhar e de adorarem ser fotografados. Elisabete debate-se com problemas de peso, Rimvy luta contra o glaucoma que lhe rouba a visão, Rita perdeu um membro e adoptou uma cadelinha também amputada. E Ana ainda hoje se recorda de um professor no ensino secundário que sofria de bipolaridade. Retratos e histórias que Nuno Pereira recolheu para o projecto Accept_ability, em que, através da fotografia e dos relatos dos fotografados, promove a aceitação da diferença. “São pessoas que, apesar das alterações físicas ou mentais, conseguiram dar a volta por cima e aceitarem-se como são”, descreve ao P3 o fotógrafo freelancer que com uma das imagens, a primeira desta galeria, ganhou o concurso "A Inclusão na Diversidade” promovido pela revista Plural & Singular (os trabalhos vencedores estão actualmente em exposição no Centro Português de Fotografia, no Porto). Com 42 anos, Nuno é especializado em fotografia de moda, mas tem desenvolvido trabalhos em torno da incapacidade, até atendendo à sua história pessoal: aos 28 anos foi diagnosticado com Síndrome de Guillain-Barré, uma doença semelhante à esclerose múltipla, tendo 80% de incapacidade. “Em 2002 surgiu pela primeira vez, mas é reversível. Dá forte e depois a pessoa recupera”, conta. Há uns anos fez um projecto fotográfico, que correu o país em exposições, em que retratava pessoas para e tetraplégicas sem as cadeiras de rodas, que apenas eram desvendadas apenas na última fotografia. “O preconceito”, sublinha, “de olhar para a pessoa com deficiência como incapaz desfazia-se logo ali porque as pessoas olhavam e achavam-nas bonitas”. Agora quis promover a “aceitação das capacidades” das pessoas com incapacidades físicas, mas também mentais, invisíveis a olho nu, mas nem por isso menos graves. Se, na sua génese, este projecto apenas se iria centrar nas fotografias, depressa o conceito mudou. “As pessoas começaram-me a contar histórias incríveis, expunham-se completamente.” Juntou então os relatos e a série vive agora na sua página de Facebook com contornos que ameaçam a viralidade: mais de 500 partilhas, quase mil likes. “Não estava à espera que tivesse tanto impacto”, admite o fotógrafo que ainda está a recolher os “muitos estilhaços” deste projecto, desenvolvido sem qualquer apoio. Não pôde publicar duas fotografias, pois os retratados receavam “represálias”, mas todos os dias se abrem novas janelas de chat no Facebook. Há quem lhe peça para ser fotografado, há quem queira fazer parte de outra forma, por exemplo nutricionistas que se voluntariam a ajudar Elisabete na perda de peso. “Farei o que puder para ajudar as pessoas. Tem sido esse o mote.”