O nosso futuro comum e a mudança climática
Uma declaração no momento da Conferência do Clima em Paris.
Ao longo dos últimos séculos, transformámos o valor partilhado por várias tradições culturais, de responsabilidade humana pela natureza, numa arrogante relação de exploração e domínio. Com isso rompemos os frágeis equilíbrios ecológicos que garantem a viabilidade no longo prazo de uma civilização humana de grande complexidade social e tecnológica. As alterações climáticas tornaram-se uma prova crescente desse perigoso processo de que a humanidade é, ao mesmo tempo, autora e vítima. Hoje o que nos separa de mudanças globais extremas sem retorno joga-se em Paris, na Cimeira do Clima. O que está em causa consiste, no fundamental, em cumprir o objetivo de não ultrapassar um aumento máximo de 2°C em relação à era pré-industrial, adotado em anterior cimeira, através do empenho sem precedentes de todos os Estados.
Estamos literalmente a destruir o nosso planeta, como outras civilizações fizeram antes de nós e Jared Diamond nos demonstrou. Os fenómenos climáticos extremos sucedem-se e de forma exacerbada. As vastas camadas de gelo das regiões polares, da Gronelândia e dos glaciares recuam e reduzem-se. As áreas desérticas avançam. Um grande lago, como o Chade, tem hoje apenas um quinto da superfície de há 40 anos. Os 14 anos mais quentes desde que existem registos fiáveis, ou seja, desde 1880, são deste século, que tem apenas uma década e meia.
Estas alterações resultam da enorme pressão sobre as dádivas da natureza, perpetrada pela infeliz conjunção de vários fenómenos: o modelo de crescimento intensivo em carbono e hiperconsumista dos países capitalistas avançados, que as grandes economias emergentes estão a replicar; a exploração intensiva de terras aráveis muito pobres e a desflorestação contínua por parte de comunidades em luta pela sobrevivência; o assalto consumado ou em preparação às riquezas minerais sobrantes por interesses poderosos, com o beneplácito de vários governos; e as implicações do crescimento demográfico global.
Mesmo num prazo relativamente curto, as consequências destas transformações vão muito para além da destruição ecológica. Vastas deslocações de populações estão a ter lugar, sobretudo no Sul, a partir de áreas que sofrem secas intensas e prolongadas, envolvendo um aumento de conflitualidade local e global.
Estamos todos nisto. Mas não estamos todos de igual forma. As responsabilidades dos países economicamente mais desenvolvidos, que respondem pela maioria da emissão de gases com efeitos de estufa — causa principal das alterações climáticas —, são incomparavelmente maiores do que, por exemplo, as dos pequenos Estados-ilha do Pacífico, que se tornarão inabitáveis num horizonte curto se os compromissos não forem efetivos. A emissão anual de carbono per capita varia entre as 20 toneladas nos EUA a apenas duas no Senegal.
O conhecimento e a ciência permitiram-nos identificar a extensão do problema e as suas causas. Permitiram também dispor de ferramentas de intervenção corretiva e de transição para economias neutras em carbono e baseadas no uso sustentável dos recursos: as energias renováveis; o aumento da eficiência energética; a inovação das formas de habitação, de gestão da mobilidade e de planeamento das cidades, e da produção e distribuição de alimentos; e a reciclagem e reutilização dos materiais. Esperamos dos responsáveis políticos presentes em Paris um grau de empenho à altura das graves circunstâncias que o planeta enfrenta. Mas não temos dúvidas de que a mudança exige um compromisso coletivo mais vasto, incluindo académicos, empresários, sindicatos, instituições financeiras, escolas, associações, media e cidadãos em geral. Visão de futuro, pensamento crítico, ação coordenada, sentido de responsabilidade histórica e solidariedade são urgentes na preservação da casa comum.
Anabela Carvalho, ICS-UMinho
Emanuel Gonçalves, ISPA
Filipe Duarte Santos, FC-ULisboa
Gil Penha-Lopes, FC-ULisboa
Isabel Salavisa, ISCTE-IUL
João Alveirinho Dias, UAlgarve
João Ferrão, ICS-ULisboa
José Saldanha Matos, IST-ULisboa
Júlia Seixas, FCT-UNL
Luísa Schmidt, ICS-ULisboa
Maria de Fátima Ferreiro, ISCTE-IUL
Paulo Pinho, FEUP
Pedro Prista, ISCTE-IUL
Rodrigo Proença de Oliveira, IST-ULisboa
Rui Ferreira dos Santos, FCT-UNL
Teresa Andresen, FCUP
Teresa Fidélis, UAveiro
Teresa Pinto Correia, UÉvora
Viriato Soromenho Marques, FL-ULisboa