PS diz que quer ir além dos salários na alteração à lei dos reguladores

Socialistas tinham assegurado que iriam propor revisão das regras, mas até agora só deu entrada uma proposta do BE.

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Os salários da ANAC, presidida por Luís Ribeiro, voltaram a trazer à ribalta o tema dos vencimentos dos reguladores Enric Vives-Rubio

O PS tinha prometido apresentar propostas de alteração à lei-quadro dos reguladores, na sequência da polémica em redor dos salários pagos nestas entidades e da vaga de audições sobre o tema no Parlamento. Mas, até agora, não foram tomadas decisões e a única proposta que existe partiu do Bloco de Esquerda (BE). No entanto, os socialistas asseguram que vão avançar e que a ideia é ir além dos vencimentos, sugerindo uma revisão mais ampla que fortaleça a supervisão no país.

A garantia foi dada por Carlos Pereira, que justificou a demora na apresentação da anunciada proposta com o facto de estar ainda a ser “discutida no quadro do grupo parlamentar”. O deputado do PS explicou que “já existe um draft e um debate aberto” sobre o tema, sublinhando que “são questões que exigem uma análise profunda antes de se tomar uma decisão”.

Já o BE nem esperou que as audições chegassem ao fim e, em meados de Abril, apresentou logo uma proposta, cuja discussão deverá ser agendada em breve, para limitar os salários destes gestores. A revisão sugerida pelos bloquistas passa por fixar como tecto máximo a remuneração dos ministros que tutelam estas entidades, incluindo despesas de representação.

O PS, pelo contrário, garante que não irá restringir qualquer proposta de alteração ao tema da limitação dos vencimentos. “Terá de ir além da questão simples dos salários”, referiu Carlos Pereira, acrescentando que os socialistas querem “garantir que os reguladores funcionam de forma adequada” e que o seu poder “tem de ser reforçado”. O deputado não quis, porém, adiantar de que forma se pretendem atingir estes objectivos, já que admitiu que as ideias “ainda não estão estabilizadas”.

A última audição parlamentar dedicada ao tema dos salários nos supervisores decorreu a 26 de Abril. Era após esse momento que o PS tinha prometido apresentar a proposta. Mas, inicialmente, o foco estava muito centrado no tema dos salários. E, mesmo depois de o PÚBLICO ter noticiado que a tutela de Mário Centeno descartava mexer nas remunerações, dando prioridade a outras medidas nesta área, os socialistas insistiram na posição.

O deputado do PS Luís Moreira Testa, que o PÚBLICO tentou contactar sem sucesso, afirmou na altura que “compreendia a posição das Finanças”, mas garantia que a lei seria “objecto de uma alteração” no que diz respeito aos salários para que o vencimento do primeiro-ministro, hoje um valor indicativo para definir as remunerações nestas entidades, “não seja tomado como limite, bem como mediana, mas antes como tapete”. O socialista referiu mesmo que a proposta seria apresentada “muito rapidamente”.

Do lado do BE, Heitor de Sousa disse “esperar que o PS apresente uma proposta”. “Espero bem que não se fiquem pela intenção. Seria muito mau sinal”, disse ao PÚBLICO. O bloquista acrescentou que “ou os restantes partidos aceitam os princípios da proposta [do Bloco] ou terão de apresentar alternativas rapidamente”. A verdade é que o partido continua sozinho nesta frente. Da parte do CDS e do PDS, não há qualquer intenção de avançar com propostas, embora os deputados estejam interessados em contribuir para o debate. Do lado do PCP, não foi possível obter comentários.

Os casos da polémica

Ministros e ex-ministros, comissões de vencimentos e até o presidente da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap). A vaga de audições que começou após a polémica em redor dos salários nos supervisores terminou a 26 de Abril, embora tenham sido ouvidos depois os presidentes de duas destas entidades, no âmbito da apresentação dos planos de actividades.

A controvérsia começou no início do ano, quando foram divulgados os vencimentos pagos na Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC): 16 mil euros mensais para o presidente, 14.500 para o vice-presidente e 13 mil para o vogal. Estes valores representam aumentos significativos face aos praticados quando a ANAC era um instituto, mas têm sido justificados pelo reforço de competências com a transformação em entidade reguladora. Outro caso é o da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, para a qual foram fixadas remunerações do mesmo nível, quando este organismo foi criado com a entrada em vigor da nova lei. Na Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos também houve uma revisão em alta dos salários, que não chegou às páginas dos jornais (ver caixa).

Todos estes casos remontam à governação de Passos Coelho. No entanto, desde que o executivo de António Costa está em funções, já há outra situação de nomeação em curso. Trata-se da nova vogal do conselho de administração da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Cristina Portugal de Andrade. Esta responsável obteve parecer favorável da Cresap e foi já ouvida pelo Parlamento, mas “ainda não foi nomeada pelo Conselho de Ministros”, como confirmou ao PÚBLICO fonte da entidade reguladora, escusando-se, por isso, a responder a questões sobre o modelo de remuneração da nova vogal do conselho.

Uma polémica recorrente

O tema dos vencimentos dos reguladores é recorrente, independentemente do partido que está no Governo, seja pelos valores em causa, seja pela polémica das nomeações, ou pelas situações de excepção. Foi notícia em 2009 quando se soube que o ex-secretário de Estado Adjunto de José Sócrates, Filipe da Boa Baptista, foi ganhar um salário bruto de 14 mil euros como administrador da Anacom e voltou a sê-lo em 2010, quando outro ex-secretário de Estado de Sócrates, Ascenso Simões (que teve a seu cargo as pastas da Administração Interna, da Protecção Civil e do Desenvolvimento Rural e Pescas), foi receber o mesmo montante na ERSE.

Hoje em dia, praticamente todos os supervisores têm os salários harmonizados, sendo que tem sido usado como orientação o vencimento do vice-governador do Banco de Portugal para definir o valor a pagar aos presidentes. O problema que se coloca é se essa baliza choca com as regras definidas na lei-quadro e se todos os gestores destas entidades devem ganhar o mesmo, sem que haja uma hierarquização em função da complexidade dos reguladores, como existe já para as empresas públicas.

O que a legislação em vigor (aprovada pelo anterior Governo PSD/CDS) impõe é que as comissões de vencimentos de cada supervisor fixem as remunerações com base em quatro critérios: a dimensão, complexidade e exigência do cargo; o impacto no mercado regulado do regime de taxas, tarifas ou contribuições; as práticas salariais do mercado onde opera; a conjuntura económica e necessidade de contenção remuneratória; e, por fim, o vencimento do primeiro-ministro, mas apenas como “valor de referência”.

Esta última variável foi a que desde sempre causou mais dúvidas. Chegou a estar previsto que o salário do primeiro-ministro (cerca de 6800 euros brutos por mês) fosse o limite máximo para as remunerações dos responsáveis máximos dos reguladores, mas a intenção caiu. Foi já em sede de discussão parlamentar que o tecto foi introduzido, por proposta do PSD e do CDS, mas meramente com um montante indicativo.

 

Três casos em análise

ANAC

Os salários da ANAC voltaram a trazer os vencimentos dos reguladores à ribalta. O presidente, Luís Ribeiro, recebe um vencimento bruto de 12.400 euros, a que acrescem 4.960 euros de despesas de representação. Este salário, que foi fixado por uma comissão de vencimentos, aproxima-se dos salários dos demais reguladores, mas é bastante superior ao praticado no Instituto Nacional da Aviação Civil (INAC), onde o ordenado do presidente rondava os seis mil euros, que foi extinto para dar lugar à nova entidade independente.

AMT

Tal como na ANAC, no novo regulador dos transportes os salários também foram fixados por uma comissão de vencimentos. O presidente, João Carvalho, recebe um valor mensal bruto idêntico ao do seu congénere da aviação. Porém, ao contrário do que sucedeu com a ANAC, que substituiu o INAC, assumindo as suas competências e ganhando outras como a regulação económica, no sector dos transportes mantém-se em funcionamento o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMTT), que continua a ter, por exemplo, a responsabilidade da atribuição de licenças e emissão de cartas de condução.

ERSAR

A entidade a quem cabe supervisionar e fiscalizar o sector das águas e resíduos também viu os salários da administração actualizados para níveis semelhantes ao de outros reguladores. Segundo a informação disponibilizada no site da ERSAR, entre Abril (quando tomou posse) e Dezembro, a remuneração bruta do presidente atingiu 77 mil euros (incluindo despesas de representação). Em Outubro, a remuneração de Orlando Borges (e dos seus vogais) foi fixada por uma comissão de vencimento passando para um salário mensal base de 10.716 euros, acrescido de 4512 euros para despesas de representação (valores já depois de aplicados os cortes previstos no OE).

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