Offshores: um paraíso de impostos, uma ilha para lavar dinheiro e muito mais
São legais, usados para planeamento fiscal, mas também como giratória para branquear capitais e ocultar identidades. O seu nome está colado a uma nuvem de fumo. O que são os paraísos fiscais e para que servem os offshores?
Os livros da História contam como era na Grécia Antiga: já lá havia “paraísos fiscais”. Não na acepção dos nossos dias, muito menos com os contornos revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) no recente caso dos Panama Papers, mas com um objectivo claro que hoje perdura quando falamos de offshores e paraísos fiscais: reduzir a carga tributária.
Para os comerciantes da Grécia Antiga não pagarem impostos em Atenas sobre as mercadorias importadas, havia quem desviasse os produtos para algumas ilhas e ali os armazenasse para ficarem a salvo de tributação. E assim acontecia na ilha de Delos, que no Século II a.C. era já um “porto de abrigo” fiscal para a circulação das mercadorias.
Era o dinheiro a falar mais alto. Milhares de anos depois, diminuir o nível de fiscalidade continua a ser o chamariz que leva muitas empresas e indivíduos a procurar as ilhas fiscais “no mar alto” em muitos pontos do globo. Com uma diferença: beneficiar de baixos impostos ou de impostos zero está longe de ser o único objectivo – ou mesmo o primeiro – de quem abre contas offshore.
Com a livre circulação de capitais, os paraísos são um porto de abrigo para a criminalidade económica – encobrem-se capitais e escondem-se actividades ilícitas, da corrupção ao tráfico de droga e terrorismo. Sendo jurisdições com sigilo, permitem guardar informações bancárias ou financeiras em privado, e nem sempre as autoridades estrangeiras conseguem obter a informação necessária para as suas investigações.
Primeiro, os conceitos: os paraísos fiscais são territórios que, através das suas jurisdições, atraem investidores pelas vantagens tributárias que apresentam e pelo sigilo que garantem às empresas e os indivíduos que ali se fixam (fora do país de residência fiscal). Os offshores são as sociedades que se localizam nessas zonas privilegiadas, onde vão beneficiar de um regime legal diferente do país de domicílio do detentor desses fundos. Beneficiam da garantia de sigilo bancário, muitas vezes da ausência de troca de informações às administrações fiscais e quem as procura é porque encontra ali um tratamento fiscal favorável, pela isenção de impostos ou de baixas taxas nominais.
Nuno Cunha Barnabé, advogado da área fiscal da sociedade PLMJ, destaca ao PÚBLICO quatro características normalmente associadas aos paraísos fiscais: “São territórios que oferecem um nível de tributação muito inferior ou mesmo zero; normalmente conseguem assegurar um nível de protecção elevado da identidade dos reais beneficiários da sociedade – e isso pode ser feito de diferentes formas (normalmente as identidades dos detentores das sociedades são anónimas e, sem intervenção das autoridades, não é possível saber quem são); outra característica tem a ver com a relativa facilidade dos procedimentos para a constituição das entidades jurídicas; e são territórios onde existe uma indústria profissional à volta da constituição e gestão de operações através dessas sociedades”.
Num caderno publicado em 2013 pelo Centro de Estudos Judiciários com um conjunto de explicações teóricas sobre criminalidade económico-financeira, a procuradora Adelaide Moreira Morais desenvolvia sete características comuns aos paraísos fiscais: “Uma legislação para constituição de sociedades simplificada – o que pode facilitar a criação de empresas fictícias – e legislação financeira flexível; sigilo bancário e profissional quase sempre muito rígido – o que pode redundar numa falta de transparência e em recusa, mais ou menos directa, de prestação de informações a autoridades estrangeiras; liberdade cambial absoluta – sem controle e sem restrições à compra, venda e transferências de divisas para qualquer outro território; sector financeiro com uma importância desmesurada; facilidade de comunicações; sistema de promoção e publicidade enquanto centro financeiro offshore; estabilidade política e social”.
As sociedades offshore são legais. A questão é o que está por detrás destas “estruturas opacas”, como as apelidou à AFP Daniel Lebègue, presidente da representante francesa da Transparência Internacional. Ilegal é, por exemplo, a dissimulação de uma identidade com o objectivo de não declarar uma conta no estrangeiro ou a ocultação de património numa sociedade offshore para fugir ao fisco. Aliás, uma das características associadas a offshores é o facto de não terem real actividade. São sede para instituições fantasma e usadas para a lavagem de dinheiro, através da compra de acções de sociedades permitindo que os operadores não sejam identificados.
No entanto, “nem todas as utilizações destes paraísos são ilegais – ainda que estas no Panamá aparentemente sejam”, ressalva Nuno Cunha Barnabé, da PLMJ. “Vamos pôr de parte tudo o que seja utilizações ilegais, designadamente para o branqueamento de quaisquer crimes, nomeadamente corrupção”. Há investidores que procuram ordenamentos onde “o sistema jurídico tem um nível de protecção dos activos domiciliados, da privacidade ou da confidencialidade que são mais adequados a propósitos particulares, familiares ou até negócios – e isso não vai mudar por haver um movimento global de combate à evasão fiscal, porque esses objectivos não são fiscais”. Um exemplo: “Os EUA colocam regularmente investimentos de multinacionais em jurisdições como as Ilhas Caimão, porque muitas vezes oferecem um nível de protecção societária, de riscos legais de contratos transmissíveis às [sociedades] mãe”, diz o advogado fiscal.
Se esses territórios atraem empresas e indivíduos pelas vantagens fiscais, o retorno para essas zonas privilegiadas vem das taxas de licenciamento e presença ali cobradas, resumia no mesmo caderno a procuradora Adelaide Moreira Morais.
Em Portugal, o Ministério das Finanças tem publicada a lista de paraísos fiscais, que foi actualizada em 2011. É a chamada “Lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis”. Conta com 81 territórios. Estão lá Andorra, o Mónaco, São Marino, as Ilhas Salomão, as Ilha de Tokelau, as Seychelles, as Maurícias, o Uruguai, as Ilhas Virgens Britânicas, as Maldivas, as Bahamas. Tantas outras e, claro, o Panamá.