“Nestes quatro anos perdemos 80 mil filiados”
Carlos Silva, secretário-geral da UGT, diz que é preciso mudar o actual paradigma e perceber como é que os sindicatos podem acolher os trabalhadores com contratos precários.
O elevado desemprego que atingiu o país e a Europa nos últimos anos teve também impactos no sindicalismo. No caso da UGT, o seu secretário-geral, Carlos Silva, revela que a central sindical representa neste momento 420 mil trabalhadores. "Nestes quatro anos perdemos 80 mil filiados", diz, destacando que só no sector bancário "foram mais de dez mil". A lógica é terrivelmente simples: "Se as pessoas vão para o desemprego deixam de estar sindicalizadas". Numa altura em que o quadro político está a mudar, com a expectativa de um governo PS apoiado pelo BE e pelo PCP, o que pressiona a UGT (assente em sociais-democratas e socialistas), Carlos Silva mostra-se apreensivo face a um esvaziamento da concertação social, a favor do Parlamento. Admite antecipar o congresso marcado para 2017, mas só depois de o Governo estar indigitado "e de ver como vai governar". A propósito das críticas de Torres Couto, o antigo secretário-geral da UGT, fala de "tensões externas a tentar condicionar a intervenção" da central sindical e refere que a CGTP " tem uma estratégia baseada em determinados princípios do PCP, que é contra a iniciativa privada.". Já sobre o Presidente da República, diz que a "demora na tomada de posse do Governo não augura nada de bom".
PÚBLICO: Torres Couto, antigo líder da UGT, acusou-o recentemente de ter cometido dois erros – apoiar António José Seguro e defender um governo de direita com o apoio do PS –, e que deveria ser substituído no próximo congresso. Sente a sua liderança ameaçada?
Carlos Silva: Não, não sinto. O Torres Couto é alguém que admiro do ponto de vista da intervenção político-sindical e tem direito à sua opinião, como tenho direito à minha. Os dois erros de que ele me acusa são ambos de delito de opinião. Vindo dele, parece-me no mínimo estranho. Se eu entender que a intervenção de Torres Couto poderá trazer atrás de si outros dirigentes da UGT – e não me parece ser esse o caso até ao momento, quer pelas várias reuniões que tenho tido, quer pelo envolvimento da tendência social-democrata e da tendência socialista no apoio ao secretário-geral – cá estarei para tomar as devidas medidas.
Vai antecipar o congresso marcado para 2017?
Anteciparei o congresso depois de estarem os dados lançados, depois de o Governo estar indigitado e de ver como vai governar. Se, perante a acção do novo governo e o comportamento interno dos sindicatos e dos seus líderes dentro da UGT, houver necessidade de antecipar o congresso, antecipá-lo-ei. Não há tabus em relação a isso.
De que é que depende essa decisão?
Da forma como a UGT for tratada na praça pública e da forma como verificarmos que é considerada a concertação social.
E vai recandidatar-se à liderança da UGT?
É cedo para tomar essa decisão. Dentro da UGT, as pessoas sabem que eu sou secretário-geral para quatro anos. Não vivo em Lisboa, vivo em Figueiró dos Vinhos, e isso tem-me trazido constrangimentos. Irei avaliar todas as questões. Mas se houver uma guerra interna, então nessa altura tomarei a decisão de que devemos ir à guerra. O ataque é a melhor defesa.
Não era irónico assistirmos a um enfraquecimento da UGT por causa de guerras internas numa altura em que se antevê a tomada de posse de um Governo socialista?
Não estou a ver como é que a UGT pode sair enfraquecida. Só sairia enfraquecida se o diálogo social que conhecemos desde 1986 em Portugal fosse atingido, ou seja, se houvesse uma desvalorização da concertação social, que é onde os parceiros sociais se conseguem entender. Como sabem, a outra central sindical participa na concertação social, sempre deu os seus contributos de forma pertinente, mas a concertação também é o momento de atingir compromissos. Se houver uma tentativa de esvaziar um lugar de compromisso, aqueles que estão disponíveis para o compromisso ficam mais fragilizados, designadamente a nossa central sindical. Mas também devo dizer que não vejo dentro do PS e no seu actual líder qualquer ameaça de esvaziamento da concertação social.
Estas tensões internas não fragilizam a central num momento em que devia estar a preparar a sua estratégia para um contexto totalmente novo?
A UGT está preocupada em definir estratégias. Mas temos dificuldade em decidir a estratégia que vamos usar sem saber qual vai ser o Governo. Se for um governo de gestão temos de tomar uma decisão, se for do PS temos outras expectativas.
O que sai para a opinião pública é a tensão interna.
Alguém se preocupa em fazer passar essa informação. Mas olhe que não é o que acontece na central. Temos as duas tendências unidas e imbuídas do mesmo espírito.
Então de onde vêm estas tentativas de causar pressão?
Torres Couto não tem nada a ver com a UGT, deixou de ser secretário-geral há 20 anos. Pode haver tensões externas a tentar condicionar a intervenção da nossa central sindical. À sua pergunta posso responder com uma pergunta: quem é que tem receio da intervenção do Carlos Silva? Eu represento a central sindical, que está unida e a maior parte das decisões são tomadas por unanimidade. Mas isto não é uma carneirada. Aprovámos o nosso caderno reivindicativo que acolhe a esmagadora maioria das propostas do PS, o que nos importa é perceber se o que reivindicamos em nome dos trabalhadores terá um efeito prático por parte do PS. Se houver um governo legitimado na Assembleia, que levar à prática o que queremos, quem é que não ficará satisfeito? Não estou a ver onde é que o problema dentro da UGT possa surgir. A única coisa que motivou reacções divergentes foi a minha opinião de 9 de Outubro, mas quando quiser dar a minha opinião eu dou. Era só o que faltava! A UGT é plural!
Estão no Parlamento temas tradicionalmente tratados na concertação social, como a reposição dos feriados, cuja eliminação resultou do acordo assinado pela UGT, pelos patrões e pelo Governo em 2012. Pode ser um mau sinal?
Não interpreto como um mau sinal. É um sinal dos tempos e das circunstâncias que estamos a viver. Neste momento em que estamos a fazer a entrevista ainda não se sabe qual vai ser a decisão do Presidente da República e andamos nisto há 40 dias. Julgo que o facto de algumas temáticas, como essa, estarem a ser discutidas no Parlamento é força de um eventual entendimento entre o PS e os outros dois partidos, que sempre puseram em causa a extinção dos feriados. O que quer dizer que também criticam o acordo de concertação social que foi estabelecido em Janeiro de 2012. Mas esse acordo foi resultado de uma negociação e a UGT não tinha que estar de acordo com muitas das matérias que foram integradas no documento. Numa negociação há cedências de todas as partes.
A UGT mostrou-se mais responsável do que a CGTP?
Não vou dizer que a CGTP foi irresponsável. Cada um de nós mede a sua responsabilidade à medida das suas convicções e da sua disponibilidade para compromissos. Na altura, a UGT entendeu que devia assumir responsabilidades na estabilidade do país, sabíamos que as medidas eram gravosas e reconhecemos que muitas dessas medidas prejudicaram claramente os trabalhadores portugueses. Também por isso, ao final de quatro anos há esta profunda crispação entre a esquerda e a direita, entre o PS e os partidos da coligação (PSD/CDS-PP).
Uns dias depois das eleições, defendeu que quem ganhou as eleições foi a coligação e deveria formar governo, mesmo minoritário. Mais recentemente, à saída da audiência com o Presidente da República já disse que um governo PS é a solução “que vai ao encontro das expectativas dos trabalhadores”. Em que é que ficamos?
Neste momento há um acordo parlamentar, que garante uma maioria para a viabilização de um programa de governo e de um projecto de orçamento. Na UGT entendemos que um governo de gestão não nos parece uma boa solução e foi isso que transmitimos ao senhor Presidente da República. Por várias razões: a proposta de orçamento, o viver em duodécimos, algumas das políticas apresentadas pelo PS não poderem ser levadas à prática. O programa do PS, apoiado pelos partidos à sua esquerda, vem trazer ao país e aos trabalhadores, muito sacrificados nos últimos quatro anos, um conjunto de expectativas, nomeadamente a reversão dos salários da função pública, a política de rendimentos, a reintrodução dos escalões do IRS, a redução do IVA da restauração para os 13%, o aumento das pensões e dos salários, o desbloqueamento da contratação colectiva. São matérias a que nós e os trabalhadores não somos insensíveis. Quando expressei a minha opinião [sobre um governo de direita apoiado pelo PS], tinham passado cinco dias das eleiçõe. Entretanto, muita água passou debaixo das pontes. Houve uma evolução para um acordo à esquerda. Naquela altura não digo que fosse impensável, mas era muito cedo, e a tradição em Portugal era que quem ganhava governava, em maioria ou em minoria. Esta situação inverteu-se por vontade de quatro partidos na Assembleia da República e a nossa opinião é que temos de respeitar isso.
Os acordos assinados pelo PS com o PCP, o BE e o PEV transmitem-lhe confiança?
Nós, enquanto UGT não olhamos para os acordos. O que importa referir é que há uma maioria parlamentar que apoia o PS. É o PS sozinho que tem condições de se candidatar à governabilidade. E nós teremos que ir verificando, dia a dia, se as práticas correspondem às expectativas criadas.
Mas a UGT não faz uma apreciação dos acordos?
Posso fazer do ponto de vista pessoal, mas não vou fazer essa afirmação aqui. O assunto foi discutido [pelos órgão da central], e não vou transmitir para o exterior as intervenções dos meus camaradas. Apenas transmito a conclusão a que chegámos: esta maioria dá garantias ao PS para aplicar o seu programa de Governo.
Será um governo para uma legislatura?
É isso que tenho ouvido do Dr. António Costa. Esperamos que seja para uma legislatura.
Como vê a demora do Presidente da República em tomar uma decisão?
Nós gostaríamos que a decisão já tivesse sido tomada, e importa que haja rapidamente um governo. Há vários dossiers em cima da mesa que qualquer governo terá de tratar rapidamente. Um deles diz respeito à minha entidade patronal – o Novo Banco – que carece de uma decisão ultra urgente até 31 de Dezembro. Temos de garantir e salvaguardar a empregabilidade dos trabalhadores, sem pôr em causa a necessidade de atenuar os sacrifícios que os contribuintes têm suportado.
Que outras questões o preocupam?
As concessões dos transportes e a venda da TAP. Não sei se são reversíveis ou não, mas se fossem seria bom. Nestas questões, os grandes partidos – que agora já não são do arco da governação – não podem ficar fora. A decisão está tomada, o secretário-geral do PS diz que só poderá haver reversibilidade se isso não implicar danos patrimoniais para o Estado.
Quando mais a decisão for adiada, maiores serão os impactos.
Por isso é que defendo que esta demora na tomada de posse do Governo não augura nada de bom. Outro dossier é a concertação social. Como é que vamos discutir o salário mínimo para ser aumentado a 1 de Janeiro de 2016? São matérias que vão ser arrastadas para a semana do Natal.
O Presidente da República está a fazer um compasso de espera para tornar mais difícil inverter algumas medidas?
É uma pergunta difícil, mas não consigo fazer uma ideia em relação a isso. O Presidente quer ter a certeza de que a decisão que tomar é baseada em todas as observações e sugestões que lhe foram transmitidas pelos parceiros sociais e outras personalidades que decidiu ouvir. A celeridade é fundamental. E o Presidente da República tem de assumir as suas responsabilidades, assim como as consequências que possam advir desta demora.
No caderno reivindicativo reclamam medidas que implicam mais despesa. Mas recentemente também disse que é preciso dinheiro para reverter algumas medidas de austeridade. Não há uma contradição?
Pedimos aquilo que achamos que é justo. A UGT não tem acesso aos números, a todas as variáveis. Nós exigimos que a reposição dos salários da função pública seja feita em Janeiro, entretanto o PS disse que vai fazê-la ao trimestre. O PS, se for Governo, deve provar aos parceiros sociais que não consegue pagar tudo em Janeiro. Não somos insensíveis a nenhuma contra proposta do governo, a irredutibilidade não faz parte do princípio da concertação social nem da UGT. Por isso é que alguns, sendo irredutíveis, querem levar o assunto para o Parlamento para que os partidos pressionem o governo do PS e agilizem a implementação de determinadas medidas, retirando à concertação social aquele que é o seu espaço. A nossa preocupação é o esvaziamento da concertação em relação a algumas matérias que sempre foram suas. Mas também reconheço que, como a tradição já não é o que era, pode haver aqui uma alteração do paradigma.
O ministro Pedro Mota Soares (CDS) sempre que falava fazia questão de destacar o apoio dado pela UGT na manutenção da paz social. Isso não o incomoda?
Incomodou-me. Parece que se criou um conluio, mas isso não corresponde à verdade. A nossa actuação nunca foi defender o interesse dos empresários, mas criar com empresários uma relação de confiança que permita que as sinergias venham ao encontro das necessidades dos trabalhadores.
Mas não conseguem criar esse ambiente com a CGTP.
A CGTP tem uma estratégia baseada em determinados princípios do PCP, que é contra a iniciativa privada.
Até que ponto o elevado desemprego se reflectiu numa perda de sindicalizados?
Em toda a Europa foi muito dramático.
E cá?
Em alguns sectores perdemos dezenas de milhares de filiados. Se as pessoas vão para o desemprego deixam de estar sindicalizadas. O princípio do sindicalismo é ser-se trabalhador por conta de outrem.
Mas a realidade não mudou já?
A realidade mudou e há que alterar o paradigma. A questão é saber como acolher no seio dos sindicatos a população com contratos precários, que em muitos casos não se pode sindicalizar, e que até precisa de mais apoio.
Quantos sindicalizados perderam?
Já tivemos meio milhão de sindicalizados, neste momento estamos nos 420 mil. Nestes quatro anos perdemos 80 mil filiados. Só no sector bancário foram mais de 10 mil.
Quando é que atingiram o número máximo de sindicalizados?
O pico de sindicalizados foi atingido no final dos anos 70 e início dos anos 80. Nessa altura andámos perto de um milhão de sindicalizados.
Qual é o principal desafio do sindicalismo em Portugal a médio prazo?
É reforçar a sua credibilidade junto dos trabalhadores, para que eles sintam a necessidade de acreditarem que devem estar irmanados numa organização que efectivamente os defende.
Como é que isso se consegue quando a organização das relações do trabalho é cada vez mais individualizada?
É complicado. Sabe que há pessoas que deixaram de estar filiadas por não terem dinheiro para pagar a quota? Olham para a despesa da mercearia, do transporte para ir para o trabalho e da quota sindical e fazem opções. Temos de respeitar essas opções. Precisamos de ter uma política de rendimentos que suba o nível salarial destes trabalhadores.