Ministro moçambicano na lista dos grandes devedores da CGD e do BPI
O empresário e político Celso Correia, sócio da CGD e do BPI em Moçambique, justifica os incumprimentos com o acordo celebrado com os dois bancos: sem pagamento de dividendos por parte do BCI, não há amortização de capital.
Dois dos créditos problemáticos com maior visibilidade nas operações internacionais da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e do Banco Português de Investimento (BPI) estão associados a uma empresa de Celso Correia, o actual ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural de Moçambique. Os empréstimos serviram para o dono da Insitec, na altura fora do Governo, comprar 18% do Banco Comercial e de Investimentos (BCI), onde é parceiro dos dois bancos credores.
A exposição do governante de Moçambique aos dois bancos é de 60 milhões de euros (40 milhões à CGD e 20 milhões ao BPI) e remonta a 2007. Os créditos estão associados à compra, por parte da Insitec, o principal grupo empresarial do país, de 18% do BCI, o segundo maior banco moçambicano. Este, por sua vez, também financiou o empresário em dez milhões. Para além da relação comercial, Celso Correia senta-se no capital do BCI com a Caixa, que possui 51%, e o BPI 30%.
Contactado pelo PÚBLICO, Celso Correia fez saber, através de fonte oficial da Insitec, que tem havido regularizações e justifica os incumprimentos com o acordo com os dois credores, a CGD e o BPI. Um entendimento que prevê “a indexação do pagamento das prestações à distribuição de dividendos por parte do BCI”. Ou seja: se o BCI não remunera o capital, não se amortiza dívida.
O responsável da Insitec sublinhou que a sua participação no BCI “é quatro vezes superior à divida” à CGD e ao BPI. Certo é que os empréstimos constam da lista dos grandes devedores dos dois bancos em situação de incumprimento. No entanto, para ambas as instituições esta situação não constitui um problema para os balanços, na medida em que os créditos têm colaterais seguros: as acções do próprio banco moçambicano.
O BCI é um tema politicamente sensível. Um elefante no meio do jardim para onde se evita olhar. E percebe-se porquê: entre os credores está uma entidade pública portuguesa (a CGD); a devedora é uma empresa detida por um ministro de um Estado estrangeiro; o BCI tem jurisdição moçambicana.
Dificuldades bem conhecidas do novo presidente da CGD, António Domingues, em funções desde o início deste mês. Para além de vice-presidente do BPI, Domingues tinha responsabilidades no banco moçambicano. Entre 2007 e 2015, Celso Correia exerceu as funções de presidente não executivo do BCI, que abandonou para integrar o Governo de Filipe Nyusi.
A página online do BCI imputa à Insitec 18,1% do capital, embora notícias publicadas em 2015 aludissem a uma redução de 3%, pelo facto de a empresa não ter acompanhado o último aumento de capital. Fonte ligada a Celso Correia não corrobora esta versão, o que pode estar relacionado com “opções de recompra”. E, em 2015, o Expresso indicava mesmo que Celso Correia estava vendedor das acções. “Não queremos sair do BCI que tem tido um bom desempenho, para além de ser um banco relevante para a economia”, refere agora a fonte oficial do empresário.
Mas os rumores continuam a circular em Maputo onde se avança com um número: 100 milhões. Esta seria a quantia pedida pela Insitec. Pode-se fazer contas. Em Maio de 2016, na resposta à segunda OPA do CaixaBank, que está em curso, a administração do BPI atribuiu a cada acção do BCI o preço de 0,09 euros. E contabilizava os 30% do BPI na instituição em 135 milhões. Com base nestes cálculos, aos 18,1% da Insitec correspondem 80 milhões de euros.
Celso Correia é considerado um “jovem tigre da finança” e um dos rostos mediáticos do Governo moçambicano. Um empresário respeitado internamente e conectado ao mais alto nível com as elites portuguesas. É tido como próximo da família do ex-ministro socialista António Vitorino, hoje à frente do gabinete de advocacia espanhol Cuatrecasas, e dos sociais-democratas Miguel Relvas e Morais Sarmento.
Estabilizar o capital do BCI é prioridade
A estabilização do capital do BCI surge, deste modo, como um dos desafios de António Domingues na área internacional. Desde logo pelas repercussões que pode ter no maior grupo empresarial português. Sem o corpo accionista do BCI normalizado, a Caixa não pode ultimar a sua estratégia na região africana.
Um “imbróglio” luso-moçambicano que se arrasta há anos e que levou a anterior gestão da CGD, encabeçada por José de Matos, a levar a questão ao anterior primeiro-ministro. Pedro Passos Coelho alegou que a matéria não lhe dizia respeito e era da exclusiva responsabilidade da instituição bancária.
Mas quando em 2013 esteve em discussão a alteração dos órgãos sociais do BCI, acompanhada de conversas de bastidores ao mais alto nível, que envolveram uma ida a Maputo de Miguel Relvas, Passos Coelho interveio. E deu uma orientação polémica à CGD de não recondução de Ibraimo Issufo Ibraimo como presidente executivo.
A iniciativa de Passos desagradou ao BPI que, por intermédio de António Domingues, fez um protesto formal junto de José de Matos, como noticiou na altura o PÚBLICO. A celeuma foi encerrada depois de o ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, ter vindo a público considerar do foro político as mudanças no BCI. Ibraimo Ibraimo acabou substituído por Paulo Sousa, alto quadro da CGD, que prosseguiu o trabalho do seu antecessor, de aproximação à liderança do sector bancário moçambicano. No primeiro semestre do ano, o contributo do BCI para o consolidado da CGD foi positivo de 6,7 milhões de euros. O BPI contabilizou 3,3 milhões.
Inquirido por email sobre a relação comercial de Celso Correia, o banco chefiado por Fernando Ulrich limitou-se a emitir uma frase: “Não há comentários a fazer”. A CGD, que vai receber uma injecção de verbas dos contribuintes de 2700 milhões de euros (mas o reforço total de capital será de 5.160 milhões), não respondeu. O Jornal de Negócios divulgou que no primeiro dia em que entrou em funções na Caixa, a 1 de Setembro, António Domingues reuniu com os quadros, a quem deixou o aviso: abrirá internamente investigações caso se verifiquem eventuais fugas de informação. Uma declaração encarada como uma ameaça.