Ministério Público investiga ES Enterprise, alegado saco azul do GES

Autoridades também procuram apurar origens de cerca de 28 milhões de dólares em contas imputadas a Ricardo Salgado, que o PÚBLICO tentou ouvir sem sucesso.

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Ricardo Salgado foi afastado do banco depois do escândalo das contas do BES Enric Vives-Rubio

As autoridades estão também a tentar apurar a origem detalhada de verbas, que podem chegar aos 28 milhões de dólares (mais de 22 milhões de euros ao câmbio actual), que estarão relacionadas com contas internacionais de Ricardo Salgado. Mais concretamente, há uma verba entre 24 e 28 milhões de dólares, que consta de extractos bancários de contas imputadas ao ex-banqueiro, nomeadamente em sociedades fora de Portugal, cuja origem está a levantar dúvidas aos investigadores, por não estar suficientemente documentada. O PÚBLICO tentou ouvir, sem sucesso, Ricardo Salgado, cujos representantes têm referido que todos os dados sobre o seu património já foram entregues às autoridades.

Já em 2012 Ricardo Salgado viu-se na necessidade de justificar uma verba de 14 milhões de euros (que o levou a corrigir por três vezes a sua declaração fiscal) como correspondente a uma prenda do construtor José Guilherme, seu amigo e cliente do BES e do BES Angola (BESA).

Neste caso, os investigadores suspeitam que possa ter havido um acordo fictício destinado a justificar a verba perante o fisco, algo que fontes próximas do ex-presidente do BES têm negado. Ricardo Salgado e José Guilherme mantêm uma amizade que remonta a antes do 25 de Abril, como explicou na passada terça-feira o antigo banqueiro, durante a sua audição na comissão de inquérito parlamentar à gestão do GES. 

O bom relacionamento com José Guilherme foi a razão que terá levado, antes, o banqueiro a pedir a ajuda do construtor, numa operação imobiliária em Angola.  

Tal como o PÚBLICO revelou a 19 de Outubro (Revista 2), a meio da década passada, Ricardo Salgado pediu a José Guilherme que adquirisse 33% da sociedade detentora das Torres de Luanda à Escom – a empresa do GES envolvida no polémico negócio de venda de dois submarinos alemães ao Estado português e que deu lugar ao pagamento de cinco milhões de euros em comissões aos cinco membros do conselho superior do GES. O construtor pagou sete milhões de dólares pelos 33% da sociedade, numa altura em que os edifícios estavam ainda em construção. E antes do início da comercialização dos imóveis em causa, em 2009, a Escom (detida em 67% pela Espírito Santo Resources) recomprou ao cliente do BES-BESA os mesmos 33%, mas agora por 34 milhões de dólares.

Outra investigação
Para além das investigações que a supervisão financeira está a desenvolver sobre a gestão de Ricardo Salgado no BES, o ex-banqueiro está sob a “alçada” do Ministério Público que, a 24 de Julho (data em que foi detido para ser interrogado, no âmbito do processo Monte Branco-Akoya), foi indiciado por suspeitas de burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais.

Em causa está, por exemplo, o negócio não consumado de alienação da Escom à Newbrook, do banqueiro luso-angolano Álvaro Sobrinho. O acordo, celebrado no final de 2010, envolveu o pagamento ao GES de um sinal de 68 milhões de euros (85 milhões de dólares). A verba partiu de uma conta do BESA (de que Álvaro Sobrinho era o presidente) para outra do Credit Suisse e chegou à ES Resources/Rioforte, que detinha 67% da Escom. Só que, depois, parte do sinal (cerca de 40 milhões) desapareceu da ES Resources/Rioforte.

Dos 68 milhões pagos pela Newbrook, cerca de 15 milhões destinaram-se a pagar as acções do GES na construtora Opway Angola, negócio que foi concretizado, ao contrário do que envolveu a Escom, que nunca se concretizou, ainda que o sinal tenha sido entregue.

A Procuradoria-Geral da República tem procurado o rasto dos cerca de 40 milhões de euros de parte do sinal pago pela Newbrook, tendo a comunicação social já dado conta da eventualidade de a verba desaparecida ter ido parar a sociedades e contas off-shore tituladas por Ricardo Salgado. 

Inquirido na passada terça-feira na comissão de inquérito parlamentar à gestão do BES sobre esta operação, o ex-banqueiro esquivou-se ao responder: “Infelizmente não posso falar sobre o assunto da Escom, porque está integrado no processo no qual eu sou arguido.” E deixou uma pista: “Não gostaria que a minha situação fosse agravada nesse dossier.”

Sob os holofotes do Ministério Público está também, como atrás se referiu, o veículo designado Espírito Santo Enterprise (nome que consta de mandados de busca policial a várias empresas da esfera do GES), que terá sido durante muitos anos uma espécie de saco azul do grupo. E que, por não constar do organograma oficial do GES, escapava ao controlo da supervisão.

Tal como o PÚBLICO já divulgou a 7 de Novembro do corrente ano, o GES terá usado a ES Enterprise para proceder a “pagamentos extras” não documentados que terão totalizado cerca de 300 milhões de euros, distribuídos por entidades do grupo e por terceiros. As acções policiais abriram já novas frentes que podem eventualmente culminar em revelações sensíveis sobre o perímetro de abrangência familiar. O percurso dos fluxos financeiros de que terão já sido encontradas provas em contas bancárias passava pelo suíço Eurofin e envolverá transferências relacionadas com o BESA. Este banco tem 5700 milhões de dólares em crédito malparado, não sendo conhecida parte substancial dos beneficiários destes empréstimos.

Já este mês, Alexandre Cadosch, o presidente do Eurofin, numa entrevista ao PÚBLICO (4/12/2014), defendeu-se dizendo que a sua empresa era independente do GES e que nunca teve a fotografia global das operações do grupo português, dado ser apenas um fornecedor de serviços. No caso do alegado saco azul do GES, a ES Enterprise, cujos movimentos passavam pelo Eurofin, Cadosch admite ter chegado a questionar-se sobre o seu sentido, mas remeteu as explicações para Ricardo Salgado. Sublinhe-se que o Eurofin promoveu operações de recompra de dívida do GES, realizadas no final de Julho, à revelia das recomendações do BdP, que acabaram por ditar um buraco nas contas do BES de 780 milhões de euros.

O PÚBLICO inquiriu o Ministério Público sobre todas as informações relatadas neste trabalho, tendo sido esclarecido que “as investigações relacionadas com o denominado universo Espírito Santo se encontram em segredo de justiça".

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