Marcelo "chumbou" o sigilo bancário ou deu a mão a Costa?

Se nada fizer, é legítimo pensar que mais que um "chumbo", Marcelo deu a mão ao Governo e impediu uma medida que, na verdade, o Governo nunca quis aprovar.

A forma como o Governo conduziu o processo relativo à legislação sobre sigilo bancário é um daqueles casos que permite especular sobre a real vontade em mexer em tão controversa matéria.

O Governo poderia ter aproveitado para legislar de forma autónoma. Devia tê-lo feito. E devia ter aberto o assunto à discussão pública.

Preferiu não o fazer e preferiu aproveitar a transposição de uma directiva comunitária, entre outras exigências internacionais, para concretizar a medida.

Basta ler os primeiros parágrafos da argumentação do Presidente da República para perceber a actuação do Governo.

O que Marcelo Rebelo de Sousa vem dizer é que a legislação apresentada, na parte em que diz respeito à transposição da directiva comunitária ou ao acordo de troca de informação com os Estados Unidos da América, não só não levanta problemas como “é indiscutível”. E corresponde ainda a “fundamentais exigências de maior transparência fiscal transfronteiriça, defendidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico”.

O problema vem depois, segundo o Presidente da República. E o depois de Marcelo é que o decreto governamental vai muito mais longe do que seria exigido pelas obrigações internacionais, uma vez que aplica o mesmo regime a todos os contribuintes, “mesmo que não tenham residência fiscal nem contas bancárias no estrangeiro”, limita essa comunicação “a saldos de mais de 50.000 euros” e não obriga a Autoridade Tributária e Aduaneira a invocar qualquer argumento para aceder a essa informação.

E é aqui que Marcelo choca de frente com o diploma do Governo. Entre outros argumentos, o Presidente considera que o Governo esticou a corda porque vai além da legislação comunitária; porque já há situações em que o Fisco pode aceder à informação bancária do contribuinte; porque há dúvidas sobre a constitucionalidade da legislação; mas também porque não houve debate público.

Mas as dúvidas de Marcelo Rebelo de Sousa também são políticas, com o Presidente a classificar a iniciativa do Governo como sendo de “patente inoportunidade política”. E a falta de oportunidade, segundo o Presidente, resulta da situação ainda frágil do sistema bancário e de qual seria a reacção dos depositantes a tal medida.

Nunca percebi tanto receio em relação a um maior acesso do fisco às contas bancárias. Até porque, infelizmente, os últimos anos mostram que as fragilidades do sistema financeiro nacional são internas ao próprio sistema e não externas.

Por outro lado, desde a crise financeira de 2008 que há, a nível internacional, um claro enfoque nas questões da transparência e reputação fiscal, como o prova a directiva comunitária que serviu de Cavalo de Tróia à iniciativa do Governo.

Infelizmente, ao tentar esconder numa transposição de obrigações internacionais uma revisão do regime do sigilo bancário, o Governo dá mostras de que, em matéria de transparência, esse novo ambiente internacional não chegou ao Terreiro do Paço.

O Governo tem agora uma oportunidade e um desafio pela frente.

A oportunidade de demonstrar que quer mesmo dar um maior acesso das contas bancárias ao fisco e o desafio de mostrar ao Presidente da República que a iniciativa é, não só oportuna, como necessária.

Se nada fizer, é legítimo pensar que mais que um “chumbo”, Marcelo deu a mão ao Governo e impediu uma medida que, na verdade, o Executivo nunca quis aprovar.

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