IMI vai disparar para quem tiver dívidas ao fisco e à Segurança Social
A isenção até 600 mil euros de valor patrimonial tributária só se aplica a quem tem a situação tributária e contributiva regularizada.
O novo imposto sobre o património, baptizado de “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), vai incidir sobre a totalidade do valor patrimonial tributário (VPT), mas com uma isenção até 600 mil euros. A partir deste valor, é aplicada a taxa de 0,3%, valor que é idêntico para empresas e particulares. Mas a proposta de Orçamento de Estado entregue na Assembleia da República esconde uma “bomba” para quem tem dívidas ao Estado.
É que os particulares e empresas com dívidas tributárias (fisco) e contributivas (segurança social) não beneficiarão da isenção do novo imposto até 600 mil euros. Ou seja, os 0,3% serão aplicados sobre todo o VPT dos imóveis de que o sujeito passivo é titular. Esta exclusão pode representar mais do que uma duplicação do valor a pagar em IMI, cuja taxa varia entre 0,3 e 0,45%. A liquidação dos dois impostos é feita em ocasiões distintas, mas na prática representa um custo global.
Numa simulação simples e partindo do princípio que o IMI praticado é o mais baixo (0,3%), um sujeito passivo sem dívidas ao Estado e com património avaliado em um milhão de euros vai pagar de IMI 3000 euros e de AIMI 1200 euros (com a isenção só paga 400.000,00 X 0,3%), um total de 4200 euros. Já um contribuinte com dívidas vai pagar 6000 euros, os mesmos 3000 de IMI normal e mais 3000 do IMI adicional (1.000.000 x 0,3%).
Já um contribuinte com um património avaliado para efeitos fiscais de 150 mil euros, e considerando novamente o valor do IMI mais baixo (0,3%), pagaria 450 euros de IMI. Se tiver dívidas, passa a pagar IMI e AIMI, o que atira o valor para 900 euros.
A manter-se esta norma até à aprovação final do OE, o novo imposto vai mesmo incidir sobre a classe média, neste caso apenas a que tem dívidas e se não as regularizar, o que contraria as garantias dadas pelo Bloco Esquerda, de que era "um imposto para apanhar os ricos".
Para escapar a esta dupla carga fiscal, os proprietários e empresas terão de regularizar as dívidas até ao final do ano, uma vez que o valor do património a considerar é o que estiver registado a 1 de Janeiro de 2017, o que na prática significa o valor do final de 2016.
Com a criação da taxa de 0,3 acima dos 600 euros, ou 1,2 milhões de euros no caso casados ou em união de facto, o Governo espera arrecadar 160 milhões de euros. Este valor não inclui o valor que resultar da regularização de dívidas, em montante que não é possível determinar, mas que poderá ajudar às contas públicas.
Contactados pelo PÚBLICO, os fiscalistas da PricewaterhouseCoopers (PwC) também concluem que “quem tem dívidas ao fisco e à Segurança Social vai pagar os 0,3 sobre a totalidade do VTP dos imóveis”.
Ana Paula Dourado, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entende que a exclusão do direito à dedução nos referidos casos de sujeitos passivos com dívidas “tem uma finalidade sancionatória (que deve ser alheia aos impostos) e configura uma violação do princípio da capacidade contributiva, sem justificação bastante”.
Considera ainda que esta exclusão “viola também a proporcionalidade”, abrangendo as pequenas dívidas (uma taxa de portagem) e grandes dívidas. Alerta ainda para “a técnica legislativa utilizada, que é a de uma incidência universal sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português, independentemente do seu montante”. Ou seja, no futuro, o legislador pode alterar o valor do adicional, reduzir ou aumentar o valor da dedução.
Tendo em conta a redacção actual, Rogério Fernandes Ferreira, da sociedade de advogados RFF & Associados, considera que, no caso de sujeitos passivos com dívidas, a aplicação do AIMI recai sobre todo o valor patrimonial tributário, independentemente do seu valor.
O novo imposto incide a partir de 600 mil euros quando o sujeito passivo é uma pessoa singular, quando é uma herança indivisa ou uma pessoa colectiva com actividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis directamente afectos ao seu funcionamento. Os edifícios afectos a actividade industrial e actividade turística ficam isentos, mas essa extensão não será aplicada a outros edifícios de apoio, designadamente sedes de empresas.
A liquidação do valor adicional será feita em Setembro. Nos prédios arrendados é possível deduzir o valor tributado, mas com várias limitações. A parte da fiscalidade não é clara, porque ao mesmo tempo que prevê a dedução do "adicional" ao rendimento para efeitos de IRS, com certas limitações, também refere que não pode ser deduzida à colecta.
O património habitacional sofre ainda um agravamento da tributação no caso dos imóveis afectos ao alojamento local. A tributação (28%) sobre o rendimento gerada é actualmente de 15%, mas passará no próximo ano para 35%. Com Pedro Crisóstomo