Governo convencido de que não será a CGD a impedir fim do défice excessivo
Declaração da Comissão esta semana abre a porta a que apoios públicos à banca não contem para o cumprimento das metas orçamentais. Regras europeias dizem o contrário.
Se, em 2015, ficou claro que a forma como a injecção de capital público no Banif fez disparar o défice para um valor muito acima dos 3% eliminava qualquer esperança de Portugal sair do procedimento por défice excessivo, em 2016 a decisão tomada esta semana pela Comissão sobre as finanças públicas portuguesas veio recuperar a esperança que o mesmo possa ser evitado num cenário de injecção de capitais públicos na Caixa Geral de Depósitos. Ainda assim, as regras orçamentais europeias deixam dúvidas sobre o que poderá acontecer.
Na quarta-feira, quando optou por recomendar um cancelamento das multas a Portugal e a Espanha e traçou novas metas orçamentais para os dois países, a Comissão Europeia fez questão de incluir na sua decisão relativa a Portugal a indicação que “a meta de défice implícita no rumo de ajustamento proposto não incorpora o possível efeito orçamental directo de medidas potenciais de apoio a bancos durante a segunda metade de 2016”. Bruxelas explicou ainda que isto acontece porque “existe uma elevada incerteza relativamente à implementação efectiva e ao registo estatístico destas medidas e, consequentemente, ao possível impacto no défice e na dívida”.
No Governo, esta declaração da Comissão foi lida como a garantia de que, no cálculo do défice de 2016, “já não entra o eventual apoio bancário, designadamente a capitalização do banco público, a Caixa Geral de Depósitos”, algo que permite que “não haja a ambiguidade que houve no ano passado”, como afirmou à Lusa o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
A “ambiguidade” de que fala o ministro refere-se ao ocorrido em 2015, quando se começou a discutir o que poderia significar a injecção de capital no Banif para o objectivo de Portugal sair nesse ano do procedimento por défice excessivo.
Na altura, o Governo começou por defender que seria possível, mesmo com um défice acima de 3%, sair do procedimento por défice excessivo, uma vez que a derrapagem se tinha devido a uma despesa extraordinária relacionada com o apoio público ao Banif. No entanto, do lado das autoridades europeias começou a chegar uma mensagem clara: seja qual for o motivo para que o défice tenha ficado acima de 3%, as regras impedem que nessas circunstâncias um país saia do procedimento por défice excessivo.
Agora, esperava-se que o mesmo acontecesse com a Caixa Geral de Depósitos, em que uma injecção de capital tem o potencial para fazer o défice nominal subir acima dos 3%, mesmo se, sem ela, o executivo cumprisse a sua meta de 2,2%. O Governo, aliás, já tinha mostrado a intenção de desenhar a operação de reforço do capital na Caixa de forma a que não tivesse impacto no défice. A diferença agora está na declaração feita esta semana pela Comissão Europeia.
Ainda assim, a ambiguidade pode não ter desaparecido totalmente. É que no texto da Comissão não é referido explicitamente que a meta de que se fala é a do défice nominal, o que conta para a regra dos 3%. Apesar de não haver neste momento declarações oficiais da Comissão a esclarecerem este assunto, fonte comunitária assinalou ao PÚBLICO que a exclusão dos apoios bancários na avaliação do cumprimento das metas se refere à evolução do défice estrutural (que já não inclui as medidas extraordinárias).
E que a regra geral continua a ser a de que o défice nominal (que inclui todas as medidas de carácter extraordinário) não pode estar acima de 3% se um país quiser sair do procedimento por défice excessivo.
Essa ideia está definida de forma muito clara no regulamento europeu que define as regras do procedimento por défice excessivo, e no relatório publicado pela Comissão Europeia em 2013 onde se detalha a forma como estas devem ser implementadas. Aí afirma-se que o fim de um procedimento por défice excessivo “acontece na base do cumprimento dos objectivos nominais, com a excepção do caso especial das reformas no sistema de pensões”, esclarecendo-se que “o impacto de medidas extraordinárias e temporárias, incluindo as intervenções no sector financeiro, não é deduzido dos valores indicados”.
Resta saber se, por cima destas regras estabelecidas no passado, poderão mais uma vez imperar em Bruxelas considerações de carácter político que possam desbloquear a saída de Portugal do procedimento por défice excessivo.
Questionados também sobre esta matéria, os responsáveis do Ministério das Finanças preferiram não se pronunciar, remetendo para as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros.