Particulares fogem do risco dos fundos e apostam em certificados e depósitos
O montante investido em unidades de participação era, há dois anos, o dobro do dinheiro aplicado em produtos de poupança públicos. Hoje, a subscrição de certificados supera os 21.300 milhões de euros e as posições estão prestes a inverter-se.
Quando um aforrador investe, procura rentabilizar o seu dinheiro – e são o nível de apetite e a disposição de capital que fazem girar as escolhas de investimento. Mas quanto mais volátil é a trajectória dos mercados e mais incerta a conjuntura de uma economia, maior é a probabilidade de se assistir à fuga das aplicações de risco. Na economia portuguesa, onde o nível de poupança está em queda desde 2013, há uma tendência que se tem acentuado no comportamento dos aforradores em relação aos produtos de poupança de retalho: o refúgio em activos considerados de menor risco.
O valor das unidades de participação (UP) de fundos de investimento detido por particulares está em queda há um ano e meio, e bateu no valor mais baixo em 16 anos, ao contrário das aplicações de depósitos e produtos de poupança do Estado, que lhes estão a ganhar terreno e a crescer de mês para mês.
Pelo quarto mês consecutivo, o montante aplicado nos fundos de investimento, onde se incluem fundos de poupança-reforma, está aquém de 24 mil milhões de euros, o valor mais baixo desde pelo menos Dezembro de 2000, de acordo com a série estatística do Banco de Portugal (BdP).
A atractividade das remunerações dos certificados do Estado (aforro e títulos do Tesouro "Poupança Mais") chamaram pequenos investidores para estes instrumentos de poupança a partir de meados de 2013, com taxas de crescimento muito significativas, e no início deste ano o valor investido já ultrapassava os 21 mil milhões de euros. Os dados mais recentes do banco central mostram que, em Fevereiro, este valor voltou a subir, para 21.331 milhões, o montante mais alto de sempre.
Ainda há dois anos (início de 2014) o valor investido em certificados do aforro e Tesouro era menos de metade do valor das subscrições das unidades de participação. Hoje – que as aplicações nos fundos de investimento estão em queda – os produtos de poupança do Estado já valem quase tanto como as UP.
Em Janeiro deste ano havia, ao todo, 21.029 milhões investidos em certificados (aforro e Tesouro), apenas menos 2,3 mil milhões do que o valor apostado em UP (23.394 milhões). A realidade de há dois anos (Janeiro de 2014) era bem diferente: 26.352 milhões investidos em UP e apenas 12.479 em certificados. A diferença chegava então a 13.873 milhões. Em pouco tempo as posições quase se inverteram.
A Associação Portuguesa de Bancos (APB), lembrava numa análise recente que “em 2011, o crescimento dos depósitos de particulares coincidiu com a diminuição das suas unidades de participação em fundos de investimento, revelando um efeito de substituição entre produtos com diferentes perfis de risco e uma preferência por activos com menor risco associado”.
A aposta nos certificados de aforro foi estimulada desde 2013 com remunerações atractivas, o que coincidiu com a queda das unidades de participação. Nos dois primeiros meses do ano passado, os certificados chegaram a apresentar taxas de crescimento por mês superiores a 50% em relação ao período homólogo, mas entretanto esse ritmo já começou a abrandar depois de ter sido reduzida a taxa de remuneração (depois de Fevereiro de 2015).
Ainda assim, a aposta continua, com os investimentos nos certificados a apresentarem em alguns meses crescimentos homólogos na ordem dos 40%, 35%, 25% ou 20%. Em Janeiro deste ano, porém, estes produtos já apresentavam um crescimento inferior, de 9,9% em relação a Janeiro do ano passado.
Poupança em queda
Para Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, o facto de “a subscrição líquida em fundos de investimento ter sido negativa neste início de ano terá certamente resultado das acentuadas correcções em baixa que se verificaram nos mercados internacionais de activos com maior risco neste período, designadamente nos mercado de acções e obrigações” de empresas.
O que está por detrás deste sentimento generalizado a nível global, “que também terá tido reflexo na estratégia de investimento dos aforradores portugueses”, são sobretudo os “receios quanto a um possível arrefecimento mais brusco e descontrolado da economia chinesa, uma pior performance dos mercados emergentes, num contexto de tentativa de normalização das taxas de juro pela Reserva Federal”, enquadra a analista.
Por isso, diz, são “naturalmente privilegiados os produtos com maior liquidez (caso dos depósitos bancário à ordem, por exemplo)”. Os depósitos “à vista” valem 36.478 milhões de euros – crescendo 14,8% em relação a Janeiro do ano passado – e representam mais de um quarto de todos os depósitos dos particulares (138.306 milhões de euros).
A taxa de poupança, que em 2013 chegou a atingir os 9% (do rendimento disponível), tem vindo a recuar e está agora num valor mínimo de 4,2% no quarto trimestre de 2015. O facto de ter recuado para patamares mínimos (numa altura em que as taxas de juro de referência do BCE estão num valor historicamente baixo) tem também levado a uma maior preferência “por activos e aplicações mais líquidas, com disponibilidade quase imediata”, acentua Paula Carvalho. O crescimento dos depósitos à ordem é disso exemplo.
Os depósitos de empresas e privados também têm vindo a subir, mas bem menos do que os certificados. De um ano para cá, as taxas de crescimento homólogas têm sido de 2% a 3%. Em Janeiro deste ano o montante depositado nos bancos era de 167.554 milhões de euros, dos quais 138.306 milhões dizem respeito aos particulares.