Aumento de impostos é como quem diz
Trocamos uma política de tirar salários às pessoas para baixar impostos às empresas por uma política fiscal que devolve rendimentos às pessoas.
Está tudo muito impressionado porque – dizem-nos – vai haver aí um aumento de impostos. Sim ou não? Bom, vamos por partes.
Em primeiro lugar, podem os portugueses estar descansados, não vem aí nem nada que se pareça com o aumento de 3.000 milhões de euros no IRS cobrado a quem ainda conseguiu manter o seu trabalho para Vítor Gaspar poder tapar em 2012, e anos seguintes, o brutal dano causado à economia portuguesa pela peregrina ideia de aplicar mais austeridade e mais depressa.
Em segundo lugar, podem estar descansados que o tempo em que se aumentava o imposto sobre o salário para baixar o imposto sobre os lucros das empresas também termina este ano (embora alguns dos efeitos da descida de 2015 ainda se façam sentir). Como termina aquela maneira de calcular a dedução dos encargos com os filhos que privilegiava quem ganhava mais. Sim, leram bem, quem ganhava mais.
Em terceiro lugar, vamos a contas: só a sobretaxa de IRS diminui 430 milhões de euros, que passam a ficar nos bolsos de quem trabalha. É pena não poder ser mais, mas sempre são 430 milhões mais do que a promessa feita pelo PSD e CDS em campanha teria na realidade dado, e que sabemos hoje (e já desconfiávamos na altura) é um redondo zero. Ia haver, isso sim, mais uma baixa do imposto sobre lucros. Essa não falharia de certeza.
Então mas não aumentam vários outros impostos? Bom, quarto lugar, sim. Fruto de opções do Governo e das negociações com Bruxelas alguns impostos especais sobre o consumo sofrem algum agravamento.
Mas esse agravamento é muito menor do que à primeira vista parece. Desde logo, parte do aumento de receita desses impostos não vem do aumento do que pagamos, vem do facto de irmos parar de asfixiar a Economia com cortes brutais e cegos que custaram ao País muitas dezenas de milhares de milhões de euros de riqueza que ficou por produzir. Parte dessa riqueza começará a voltar a ser produzida e, só por isso, o total de imposto cobrado aumenta, mas sem que isso signifique aumento da respectiva taxa.
Depois, com a excepção do ISP (já lá vamos) o agravamento em causa não é, todo junto, maior do que o valor só da devolução da sobretaxa e incide sobre consumos específicos, como os maços de tabaco (fumador me confesso, mais 7 cêntimos é bem menos do que tenho visto aumentar o preço nos últimos anos) e álcool, que são um consumo facultativo, os carros novos (ora quem pode pagar um carro novo poderá também pagar um pouco mais por ele) e o crédito ao consumo, o que é uma medida que se destina a impedir que as famílias se endividem demasiado junto da Banca para depois ainda ouvirem políticos como Passos Coelho dizerem-lhes que a culpa da crise é delas porque viveram acima das suas possibilidades.
Ou seja, para a esmagadora maioria dos portugueses que mais precisam de proteção, e ao contrário do que acontece com a devolução dos 430 milhões de euros de sobretaxa, que é feita a eles primeiro, estes aumentos, ainda assim relativamente pequenos, não lhes pesarão no bolso. Se isto não é cuidar de quem precisa, não sei o que seja.
Já o aumento do ISP é feito dentro de um contexto de baixa do preço do petróleo que tem de ser considerado antes de nos pormos a falar de efeitos perversos na Economia portuguesa.
É que em 2012, por exemplo, o preço da gasolina estava mais elevado do que ficará agora na sequência do imposto e não foi por isso que morreu alguém. Por mim, entre pagar 1,6 euros para os bolsos sei lá de quem e pagar agora 1,4 euros sabendo que 0,07 euros (sim, é esse o aumento expectável) permitem ajudar quem mais precisa sei o que prefiro. Eu ainda estou a pagar menos, essa é que é a realidade.
Tudo visto e ponderado, o que este OE nos diz, do lado fiscal, é que trocamos uma política de tirar salários às pessoas para baixar impostos às empresas por uma política fiscal que devolve rendimentos às pessoas, começando pelas que menos têm, optando por tributar alguns consumos com os quais a maioria dos portugueses pode apenas sonhar (como o de comprar carro novo) ou em níveis que são, ainda assim, conducentes a preços mais baixos do que os que tivemos de pagar num passado recente.
Gostaria de ver um OE que pudesse fazer a devolução de rendimentos sem penalizar estes consumos de tabaco, álcool e com carros? Se calhar gostava, mas se a política é a arte de fazer escolhas difíceis neste caso nem precisamos de tanto. A escolha é fácil: repor rendimento aos novos pobres criados pela crise em que estivemos mergulhados deve vir antes de tudo o resto.
Professor da faculdade de direito de Lisboa