Negligência é a principal causa dos incêndios em Portugal

A negligência é a principal causa dos incêndios florestais em Portugal, apesar da visibilidade dada aos fogos de natureza intencional. A Direcção-Geral de Florestas atribui-lhe quase quarenta por cento das ocorrências. O Código Penal prevê que as condutas "descuidadas" sejam punidas com uma sanção que pode ir até oito anos de prisão, mas são poucos os que conhecem condenações com esta fundamentação. "Portugal é o país dos azares", ironiza António Carvalho, inspector-chefe da Polícia Judiciária (PJ) ao recordar que, apesar da maioria das pessoas considerar a negligência "um acidente", ela é de facto "um crime". O PÚBLICO tentou obter junto do Ministério da Justiça e da Procuradoria-Geral da República dados referentes a este tipo de condenação, mas nenhuma das entidades dispõe da informação. Perante o panorama, o PÚBLICO decidiu sondar diversas fontes ligadas ao meio e concluiu que a maioria desconhece a existência de condenações por negligência. Uma dessa pessoas é Luís Farinha, procurador da República, em Castelo Branco: "Muitas vezes os processos não chegam a tribunal, porque se suspende o inquérito. Mas essa situação só pode suceder com o acordo de todos os ofendidos, sendo depois atribuído ao responsável determinadas obrigações, como o pagamento de um dada quantia." António Carvalho, da PJ, também desconhece este tipo de condenações e considera o facto grave: "A sensibilização é para as criancinhas, um indivíduo de quarenta anos que usa indevidamente o fogo e provoca um incêndio tem que ser multado e condenado porque cometeu um crime."Apesar de cerca de quarenta por certo dos incêndios serem atribuídos a comportamentos negligentes, a fiscalização do uso do fogo ainda é muito diminuta. Em 2002, o Corpo Nacional da Guarda Florestal (CNGF), a entidade com competência para as inspecções, levantou 77 autos de contra-ordenação em todo o país: 54 por uso indevido do fogo e 23 por falta de licenciamento de queimadas. Para José Paúl, chefe de divisão de coordenação da CNGF, parte dos fogos poderia ser evitada se este tipo de acto fosse proibido: "A lei permite as queimadas apesar de estabelecer a necessidade de uma licença para o efeito, mas na minha opinião se elas fossem completamente proibidas os resultados podiam ser diferentes." O baixo valor das coimas é, para o presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC), outra falha do sistema. "A lei só é eficaz quando as multas levam as pessoas a cumpri-la e, isso, não acontece em Portugal", refere Joaquim Leal Martins. Este responsável do SNBPC considera que é necessário reequacionar o problema da efectivação das medidas preventivas: "A dimensão dos incêndios deste ano, com o fogo a chegar perto de muitas casas, mostrou que a situação subiu de grau de gravidade e por isso a lei tem que se adaptar a esta mudança e tornar-se mais eficaz." A "menorização" social do crime de incêndio justifica, na opinião do presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, a falta de condenações. "A sociedade portuguesa desvaloriza a importância do crime e não pede responsabilidades a ninguém. A justiça é o produto da sociedade", defende Duarte Caldeira. O facto de muitos ofendidos não apresentarem queixa também pode explicar a situação. "Muitas vezes as pessoas não querem denunciar o caso porque acabam por perder muito tempo e não receber nada", afirma Manuel Pereira, mestre florestal. E exemplifica: "O meu pai teve um pinhal que ardeu, apresentou queixa e acabou por se arrepender, porque teve que se deslocar diversas vezes para o tribunal e não ganhou nada." As práticas agrícolas, nomeadamente a renovação das pastagens e a utilização indevida de máquinas e equipamentos, representam a maior fatia das negligência, com 53 por cento do total. Com 18 por cento, o público em geral é a categoria que se segue, com os habituais churrascos "descuidados" e a incúria dos fumadores. A limpeza do solo florestal, os fogos provocados pela travagem dos comboios e o lançamento de foguetes são outras das situações de negligência.

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