Bush subverte negociações do clima
Um coro internacional de protestos fez-se sentir, ontem, na sequência do anúncio, na quarta-feira, de que os Estados Unidos abandonarão o Protocolo de Quioto para combater as alterações climáticas. A decisão foi ontem confirmada pelo próprio Presidente norte-americano, George W. Bush. "Nós trabalharemos com os nossos aliados para reduzir os gases de efeito de estufa, mas não aceitaremos nada que prejudique a nossa economia a afecte os trabalhadores norte-americanos", justificou Bush, numa conferência de imprensa antes de um encontro com o chanceler alemão, Gerard Schroeder, em Washington.A posição de Bush coloca as negociações internacionais sobre as alterações climáticas numa situação complicada. Em Novembro passado, ainda durante a administração Clinton, o confronto de posições entre os Estados Unidos e a União Europeia condenaram ao fracasso a definição das regras para a aplicação do Protocolo de Quioto - segundo o qual os países desenvolvidos se comprometem a reduzir as suas emissões em 5,2 por cento. Agora, porém, é o protocolo como um todo que os Estados Unidos estão a deitar para a lata do lixo, depois de o terem assinado há quatro anos.A reacção internacional foi imediata. A Dinamarca considerou a decisão "chocante e deprimente", a Itália classificou-a como "extremamente grave" e a França sustentou que se tratava de "um escândalo". Em vários outros países, de diferentes continentes, ouviram-se críticas (ver texto nestas páginas). Mas é sobre a União Europeia, agora, que recaem as ténues esperanças de salvar um acordo tido como fundamental para convencer as nações mais pobres de que o mundo desenvolvido está a cumprir a sua parte na luta contra o aquecimento global. "Estamos dependentes do que a Europa fizer", opina Pedro Barata, dirigente da associação Euronatura e integrante da delegação portuguesa nas negociações sobre o clima em Haia, em Novembro. O que muitos esperam é que a União Europeia assuma a liderança para encontrar outros parceiros e tentar ratificar o protocolo. Se isto acontecer, o protocolo entra em vigor, aplicando-se a todos os países que o assinaram. "[A Europa] precisa urgentemente intensificar as suas relações diplomáticas com o Japão, Rússia, China, Índia e outros países em desenvolvimento", defendeu Michel Raquet da organização internacional Greenpeace, citado pela Reuters. "Não há alternativa, a não ser a ratificação sem os Estados Unidos."Embora isto seja numericamente possível (ver quadro), muitos obstáculos se colocam no caminho. Cada país tem as suas reticências e condições próprias para ratificar o protocolo. A Federação Russa, por exemplo, quer aproveitar ao máximo a possibilidade de vender créditos de emissões - dado o benefício que está a ter com o encerramento do seu parque industrial poluente. Mas ter os russos como aliados não chega, e será preciso ir buscar reforços entre os países que normalmente alinham com os Estados Unidos nas negociações sobre o clima. O Japão seria a melhor alternativa. Mas o Protocolo de Quioto é particularmente difícil de cumprir para este país, que tem já uma grande eficiência energética. Daí que o Japão reivindique uma definição mais generosa das formas de se reduzir as emissões através de mecanismos externos - como o comércio de emissões ou investimentos em países terceiros.As próprias divisões internas da UE dificultam-lhe o papel de líder. "Eu desejaria que a União Europeia tivesse uma posição firme e em bloco, mas compreendo que não será fácil", reconheceu o secretário de Estado do Ambiente, Rui Gonçalves. Sem os Estados Unidos, disse o governante, "será muito difícil colocar o Protocolo de Quioto em vigor".A reacção da Alemanha e do Reino Unido vai condicionar o papel a desempenhar pela Europa, segundo Rui Gonçalves. Os governos de ambos os países já se manifestaram preocupados com a posição norte-americana e Gerard Schroeder reafirmou ontem, em Washington, a sua discordância com Bush. O Presidente norte-americano, por seu lado, disse: "A nossa economia abrandou. Temos, também, uma crise energética. E a ideia de pôr um limite sobre o dióxido de carbono não faz sentido para a América, em termos económicos.""O Protocolo de Quioto não é só uma oportunidade ambiental, mas também uma oportunidade económica", discordou Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Quercus. "Poluir menos sai mais barato", justificou. À semelhança de outras organizações ambientalistas de outros países, a Quercus enviaria, ontem, uma carta à representação diplomática norte-americana em Portugal.Para Viriato Soromenho Marques, membro do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a decisão de George W. Bush representa uma viragem de 180 graus na política de ambiente dos Estados Unidos. "Poderá tratar-se de uma forma de pressão sobre as negociações que estão em curso", afirmou. "Resta saber até quanto isto vai durar."Se o abandono do Protocolo de Quioto por parte dos Estados Unidos for definitivo, "não restam grandes opções sobre a mesa", segundo o secretário de Estado do Ambiente, Rui Gonçalves. Ou seja, o melhor que os demais países têm a fazer é reafirmar os compromissos de Quioto e fazê-los cumprir.