A "bruxa vermelha" de Milosevic
Dizem que sem ela o Presidente jugoslavo não existia. Dizem também que, para Milosevic ter assinado um acordo de paz no Kosovo, alguém teve de convencer Mirjana Markovic de que era essa a melhor saída. Há 40 anos que a "bruxa vermelha" influencia o homem que detém os destinos da Sérvia.
Chamam-lhe Lady McBeth dos Balcãs, ou "bruxa vermelha", mas raramente senhora Milosevic. É que, apesar de ser casada com o Presidente da Jugoslávia, Mirjana (ou simplesmente Mira) Markovic tem uma personalidade que vale por si.Há quem considere que a imagem de marido fraco e dominado por uma mulher malévola é um insulto às próprias características de Slobodan Milosevic. Mas a verdade é que, como diz um jornalista sérvio que fez a biografia do Presidente jugoslavo, "se quisermos conhecer Milosevic, temos primeiro de conhecer Mira Markovic. Sem ela, o líder sérvio não existia". "Ela geriu a sua carreira, alimentou as suas ambições e inspirou uma multiplicidade de eventos na vida política do regime sérvio", diz Slavoljub Djukic.Conheceram-se quando eram ainda estudantes de liceu: ele Coba, ela Beca, como eram chamados pelos colegas. A juntá-los tinham histórias infelizes de infância. O pai de Milosevic deixou a família assim que começou a II Guerra Mundial, abandonou a Igreja Ortodoxa para ser professor de russo e suicidou-se em 1962. O mesmo destino estaria guardado para a sua mãe dez anos depois. E para o tio que substituiu a figura paterna. Foi um jovem fechado e silencioso, sempre vestido de fato escuro, camisa branca e gravata, que encontrou uma rapariga de 16 anos no liceu de Pozarevac que gostava de usar flores na cabeça (primeiro de plástico, depois, quando teve dinheiro para isso, verdadeiras).Mirjana nasceu em 1942, filha de um importante comissário político das unidades de resistência de Tito na Sérvia e de uma estudante de língua francesa que liderava uma organização comunista secreta em Belgrado durante a guerra. Pouco depois do nascimento de Mira, Vera Miletic foi detida e brutalmente torturada pelos nazis. Mas o pior estava para vir. Os camaradas do partido condenaram-na por ter alegadamente confessado segredos que terão levado à prisão e execução de outros clandestinos (os documentos sobre o caso desapareceram misteriosamente quando Milosevic chegou à direcção do partido nos anos 80). O marido pede o divórcio e Vera é executada pelos membros do Partido Comunista, tinha Mira apenas dois anos. O pai volta a casar-se e torna-se num dos principais responsáveis comunistas na Jugoslávia do pós-guerra. Mirjana acaba por ser criada pelos avós maternos.Uma vida dura formou-lhe um carácter rijo. Diz quem a conhece que Mira é um fogo que pode queimar quem quer que se aproxime. Não tem pudores em dizer que todas as boas qualidades do marido vêm de si, enquanto que os defeitos existem onde a sua influência não pôde ser exercida. E que sem Mira, Sloba seria muito pior em todos os aspectos. Pelo menos, é o que relata em 1994 a sua amiga e biógrafa Ljiljana Hbjanovic-Djurovic.Mas segundo Djukic, "as suas histórias são as histórias de duas naturezas por vezes opostas: a de um líder que é incapaz de resistir aos desejos da sua mulher e a de uma mulher fiel cujas próprias ambições o levaram ao poder. É sobre duas pessoas que levam vidas separadas, mas que no fim estão sempre juntas; é sobre o fenómeno político no qual a sedução do poder e a necessidade de sobrevivência prevalecem sobre todos os outros interesses".A história de amor de Coba e Beca tornou-se quase mítica. Os jornais não se cansaram de publicar fotografias do casal quando jovem, primeiro no liceu, depois nas suas primeiras actividades políticas e, por vezes, num modesto apartamento de Belgrado no qual traçaram o caminho para as suas promoções, pouco depois de terem casado, em 1965."Eles ficavam ao vento, gelando, tão comoventemente jovens e tão encantadoramente abertos um para o outro. Ela lançou-se para os acontecimentos de uma forma quase metafísica, que ficou a fazer parte da sua natureza para sempre". É assim que, em 1995, a própria Mira fala dela e do seu marido num artigo de uma revista.No princípio dos anos 90 ficou a saber-se que Slobodan Milosevic lhe era infiel. Nem por isso os sérvios passaram a condenar o seu líder. Pelo contrário, passaram a vê-lo de forma mais humana, contrariando a de um Presidente tão frio como um "robot".No entanto, as notícias não deixaram a primeira dama indiferente. Ela anunciou que quando o mandato terminar ele perderá tudo o que conseguiu juntamente com ela. "Ele começou a tornar-se aos poucos num homem bastante diferente, perdeu a sua antiga personalidade", queixa-se Mira no mesmo artigo. "Mas o que poderia ela fazer? Foi ela própria que contribuiu, e muito, para uma posição na qual tudo o que pode fazer é estar silenciosa e comer".Não em silêncio que Mira passou a sua vida. Apesar do destino da mãe, foi sempre uma comunista dedicada e com ideias próprias que publica em espécie de diário numa coluna de uma revista feminina semanal, a "Duga". Tão depressa faz ali análise política como fala de assuntos comuns de donas-de-casa, ou dos seus filhos Marija (com 33 anos e directora de um canal televisivo e de rádio) e Marko (um "playboy" de 25 anos que tem uma discoteca chamada Madonna). Para ela, a sida é um problema dos ricos, especialmente de "gays" e estrelas de cinema, porque os pobres são demasiado nobres para morrer desse vírus. Diz que não consegue viver sem espelhos e que é "obrigada a fazer compras no estrangeiro".Os seus colaboradores afirmam que exige a mais total fidelidade, mas que não suporta galanteios. Ela descreve-se como uma sonhadora romântica e responsabiliza o marido de ser professora universitária de sociologia em vez de romancista ou poetisa, a sua verdadeira vocação.Com o seu partido marxista, e autodeclarado moderno, Esquerda Jugoslava (JUL), pretende uma "refundação completa, moral e material da sociedade". Mas a JUL fez tudo para recrutar para os seus quadros as personalidades mais ricas e influentes da Sérvia. Tomou conta da saúde, ensino e instituições culturais. Como uma mafia, destribui favores e concessões à medida das conveniências. Quatro antigos sócios da família Milosevic acabaram mortos em circunstâncias que nunca chegaram a ser apuradas. A reforma do sistema educativo, destinada a impor a interpretação estalinista da filosofia marxista como matéria obrigatória nas escolas, pôde contar com o apoio de Mira enquanto professora na Universidade de Belgrado e com um grupo de amigos politicamente conservadores e estalinistas. Em Dezembro de 1996, quando se realizaram manifestações com cerca de 20 mil estudantes em Belgrado, Mira acusava os opositores de Milosevic de quererem levar o país para uma guerra civil.Segundo a sua biógrafa, a senhora Markovic vê-se "paralisada pelos pequenos medos e motivada pelos grandes". Em Outubro do ano passado, quando a NATO ainda não tinha começado os ataques à Jugoslávia, ela escreveu: "É necessário bombardear um país exausto pelas sanções, cheio de refugiados, famoso pela sua liberdade, linda história e passado heróico. É necessário bombardear uma das nações europeias mais antigas, centenas de jovens soldados, mulheres e crianças no meio da Europa e no fim do século XX... Electricidade, água e estradas devem ser negadas às pessoas que tinham um império na altura em que o país de onde vêm as bombas ainda nem existia".Quanto às atrocidades cometidas no Kosovo, Mirjana declarava em Maio: "Os sérvios estão apenas a defender o seu território. Eles não os estão a matar. Eles não os estão a expulsar". "O meu marido não odeia nenhum povo. Ele não usa violência". E diz-se que se Milosevic assinou um acordo de paz, foi porque alguém conseguiu convencer Mirjana Markovic de que era essa a melhor saída.