O dia da primeira despedida
Usain Bolt a caminho da última final de 100m da sua carreira nos Mundiais de atletismo em Londres.
É o mesmo número sempre que Usain Bolt está numa pista de atletismo. É como se não existisse mais ninguém. É ele e o mundo. E Londres já o conhece de há cinco anos. A pista do Estádio Olímpico fora o capítulo do meio no seu domínio de uma década na velocidade. Imagens de Bolt na pista de aquecimento, ovação. Entrada no estádio, ovação. Início do aquecimento na pista, ovação. Quando foi até mais de meio da pista só para dizer adeus aos que estavam na outra ponta do estádio, superovação. E Usain Bolt, o mestre da descontracção, emocionou-se, escondeu um pouco o rosto, olhou para as bancadas e ouviu os gritos.
Depois, correu o suficiente para fazer deste segundo dia dos Mundiais de atletismo o primeiro dia da sua despedida. Passe, ou não, à final do hectómetro — ainda terá uma meia-final (19h05) antes da final (21h45) — Bolt vai correr na capital britânica a sua última prova individual, até porque escolheu não participar nos 200m (em que também é recordista mundial, multicampeão mundial e olímpico), sendo que a sua despedida real será com os 4x100m no próximo sábado. E a eliminatória teve um pouquinho de sabor a despedida, porque já serão poucas as vezes em que veremos o “relâmpago” jamaicano meter-se com os voluntários e com as mascotes, abrir o sorriso como poucos e abrandar antes da linha da meta para saudar o público.
Mas a eliminatória não foi assim tão tranquila como isso. Bolt costuma partir mal, desta vez, na sexta e última série, partiu ainda pior e atrasou-se mais do que é costume. Mas as suas longas passadas recuperaram do estrago da saída dos blocos e Bolt venceu com relativa facilidade, sem um tempo espectacular para os seus padrões (10,07s, apenas o oitavo tempo). O jamaicano não gostou da sua corrida e culpou os blocos. “Foi muito mau. Tropecei quando estava a sair. Não gosto nada destes blocos. São os piores que alguma vez tive. Tenho de acertar esta saída, porque não posso continuar nisto. Não tem nada a ver com o que estou habituado”, revelou.
Se o dia da primeira despedida vai correr como Bolt pensa — e ele não é de dar parte de fraco e vai sempre dizer que vai ganhar —, depende dele, mas também da concorrência, que tem muita gente a correr muito depressa. Alguns são “velhos” rivais, como o norte-americano Justin Gatlin, que também deve andar perto da despedida (tem 35 anos), mas nem assim o público simpatiza com ele. Mesmo que continue, esta será a última oportunidade de Gatlin bater Bolt numa grande competição, ele que foi o último campeão olímpico do hectómetro (em 2004) antes de o jamaicano o ser em três Jogos consecutivos.
Como sempre, Gatlin mostrou-se muito forte e ganhou a sua série com mais facilidade que Bolt (10,05s), mas o norte-americano já está avisado para a anunciada vulnerabilidade do rival. “Ele parece-me bem. Ele tem pernas compridas e por isso, quando parte mal, consegue manter a energia para chegar bem ao fim”, diz o americano. Quanto à animosidade do público que o segue para todo o lado, nada a fazer, diz Gatlin. “As multidões não me preocupam. Concentro-me apenas na minha corrida, vejo os meus companheiros e procuro divertir-me.”
Os “novos” adversários de Bolt são, por exemplo, os outros dois sprinters do Team USA, Christian Coleman e Christopher Belcher, este a tentar distinguir-se na pista, não só por ser rápido, mas pelo par de mangas em amarelo fluorescente que tem nos braços. Mas Bolt também tem de se preocupar com os compatriotas Yohan Blake e Julian Forte, entre muitos outros. Até à final, claro, é tudo teoria. Estará Bolt mais fraco e vulnerável do que em outros momentos? Ou só estará a ir em ritmo de passeio até à final enquanto os outros já estão no limite? O passado tem mostrado que é Bolt a fazer o “bluff” e no final ganha sempre ele — e é nas finais que se ganham medalhas e se batem recordes.
“Não estou a correr como gostava”, admite o jovem veterano de 30 anos que vai fazer 31 a meio de Agosto e que neste ano já correu em 9,95s. “Mas pela forma como tenho recuperado, acho que estou numa forma decente”.