"Não fui empurrado do Valência. Conseguimos o que queríamos"
Nuno Espírito Santo está orgulhoso do que conseguiu à frente do clube espanhol, de onde saiu a meio desta temporada. E já se vê a trabalhar na próxima época.
Deixou o comando técnico do Valência no nono posto da Liga espanhola, depois de uma boa temporada de estreia, onde foi considerado o treinador revelação da prova e conseguiu colocar o emblema che no quarto lugar. Agora, diz estar à procura de um projecto em que tenha a possibilidade de construir algo de raiz. "Está bem encaminhado", revela.
Sentiu-se mal com a desconfiança com que foi recebido em Espanha por ter no seu curriculum de treinador “apenas” a experiência no Rio Ave?
Não. Interpretei como um grande desafio, uma óptima oportunidade para trabalhar num grande clube, que tinha nessa altura o objectivo de regressar à Liga dos Campeões, o que nós conseguimos com a melhor pontuação de sempre da história do Valência. A interpretação, todos os dias, foi de honra, de prazer e noção do grande desafio que tínhamos pela frente.
Deu-lhe algum gozo ou prazer especial poder demonstrar, a quem estivesse desconfiado, que não havia razões para isso?
O que me movia era a confiança de quem apostou em mim nessa altura, que foi o proprietário do clube na pessoa do senhor Peter Lim. Era este o meu grande objectivo. Foi-me dito exactamente o que o projecto previa, que era o regresso, nessa primeira época, à Liga dos Campeões, e isso para mim é que era importante. Não era a questão de provar, seja a quem for, mas sim de construir algo a partir da confiança, da cumplicidade e do compromisso com os jogadores. Esse é que foi o meu grande objectivo.
A forma como saiu do Valência, um pouco “empurrado”, deixou alguma marca na sua imagem?
Não. Não absolutamente. Nós conseguimos… Fomos treinadores do Valência durante 500 dias, conseguimos 77 pontos, classificar a equipa para a Liga dos Campões, não perder em casa, construir uma equipa, ganhar em casa aos grandes clubes de Espanha, projectar a imagem do clube a nível mundial, tudo coisas positivas. A carreira de um treinador é feita de pressão e de crítica e temos é de estar preparados.
Há quem diga que é um “protegido” de Jorge Mendes e que sem essa ligação não teria sido treinador do Valência. Acha injusta esta análise?
O Jorge Mendes é empresário dos melhores do mundo e eu tenho a felicidade de ser mais um, e de tê-lo a zelar pelos meus interesses.
Que diferenças destaca entre a Liga espanhola e a Liga portuguesa?
Há uma grande diferença. Começa logo pelo poder financeiro que os clubes têm, em Espanha. Na nossa Liga não existe tanta igualdade entre clubes. Há, claramente, os clubes grandes, que têm mais poder financeiro para contratar jogadores de grande qualidade. Em Espanha todos os clubes tem essa capacidade de terem acesso aos grandes jogadores, há um equilíbrio mais permanente na competição. Essa foi uma das diferenças que eu encontrei. Independentemente da equipa que nós íamos defrontar, havia sempre uma grande qualidade nos jogadores e nos treinadores. Notei essa diferença no poder financeiro versus qualidade do futebol. Mas em Portugal pratica-se bom futebol.
Como vê o actual momento do campeonato português? Estamos na recta final, quem considera que tem mais probabilidades de chegar ao final como campeão nacional?
Vejo a luta ainda muito possível, entre os três grandes. Acho que ainda falta competição, nada garante que todos os pontos vão ser conseguidos. Vejo uma luta acesa até ao fim.
Quanto à continuidade da sua carreira, o que acha mais provável; regressar a Portugal ou treinar um clube no estrangeiro?
Neste momento tudo é possível. Tenho tido várias abordagens mas por decisão própria só quero voltar a trabalhar no início da [próxima] época, com possibilidade de iniciar um novo projecto, ter a oportunidade de construir algo de acordo com a minha ideia. Mas ainda não há definição quanto ao país. Não há garantias nenhumas, mas está bastante bem encaminhado…
Jogou no FC Porto durante muitos anos, está ligado ao clube. Em Portugal, dos grandes só admite treinar o FC Porto ou está aberto a outros clubes?
Como treinador de futebol estou aberto a todas as hipóteses e sinto que tenho a felicidade de me aparecerem muitas coisas, sem conotações com o meu passado enquanto jogador.
No FC Porto tem vindo a crescer a contestação a Pinto da Costa. Acha que estamos perante um fim de ciclo ou Pinto da Costa ainda tem muito para conquistar no clube?
Acho que o trajecto do presidente Pinto da Costa não pode ser posto em questão, pelo que fez, não só pelo clube mas também pelo país. É uma pessoa de grandes valores, portanto tem que ser respeitado e admirado.
É adepto da máxima "mais importante do que uma equipa marcar golos é não sofrer"?
Não. Acho que é importante um equilíbrio nas duas coisas. Embora tenha o princípio, como treinador, de que tudo começa no conceito defensivo. A equipa deve ser construída de trás para a frente e não o contrário. Mas o mais importante é marcar mais golos do que o adversário. Essa é a minha máxima.
Se só pudesse contratar um único jogador, o que preferia; um guarda-redes de topo ou um ponta-de-lança de topo?
(Hesitação) Boa pergunta. Difícil resposta. Acho que um guarda-redes de topo.
Qual é o jogador da nova geração portuguesa que o entusiasma mais ver jogar?
Temos muitos. Têm aparecido grandes valores no futebol nacional. Tive a felicidade de trabalhar, em Valência, com jovens portugueses de muita qualidade, como são os casos de João Cancelo, Ruben Vezo, de André Gomes. Começo a observar outros novos valores, no futebol português, o Renato Sanches, o Ruben Neves, lá fora o Bernardo Silva. Acho que o futuro do futebol português está bastante bem encaminhado. Dá gosto. Eu, como treinador, gosto de ter juventude nas minhas equipas, a prova foi que o Valência era a equipa mais jovem da Liga no ano passado e conseguimos o que conseguimos, e este ano éramos a equipa mais jovem da Liga dos Campeões. Faz bem ao futebol que apareçam novos valores, mas tudo com equilíbrio e ponderação porque um jovem precisa do seu espaço de crescimento.