Mário Wilson, o adeus do capitão consensual
Foi jogador, treinador e seleccionador, deixando a sua marca por onde passou, mas era a sua personalidade ímpar que cativou todos os que o conheceram.
Neto de um americano e de uma princesa moçambicana, Mário Wilson nasceu para o futebol de pé descalço nas ruas da colonial Lourenço Marques (actual Maputo). Os seus dotes trouxeram-no para Lisboa, primeiro para o Sporting, mas foi na Académica que viveu os melhores anos da sua carreira e ali seria imortalizado com o epíteto de “Velho Capitão”. Pendurou as chuteiras para assumir o papel de treinador, orientando o Benfica, o seu outro grande amor, a par da “Briosa”, e da selecção nacional, mas conheceu muitos outros bancos técnicos. Foi íntimo de Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, Daniel Chipenda e apoiante de primeira hora dos movimentos independentistas africanos. Morreu nesta segunda-feira aos 86 anos, na sequência de uma pneumonia. As reacções à sua morte tiveram um denominador comum: admiração.
Durou cerca de um mês a viagem que trouxe Mário Wilson de Moçambique para Lisboa. A bordo do Mouzinho de Albuquerque, o jovem de 19 anos, deixava para trás o Desportivo de Lourenço Marques, filial do Benfica, para alinhar ao serviço dos “leões”. Um passo de gigante para o neto do comerciante Henry Wilson, que um dia também cruzou o oceano para encontrar no Catembe o amor da sua vida, no rosto da filha de um dos primeiros régulos (chefes tribais) da região. O jovem Wilson iria também entrar na aristocracia sportinguista, onde teria a missão de suceder ao “rei” Peyroteu, o mais brilhante dos “cinco violinos”.
Não se vai demorar muito tempo com o “leão” ao peito. Apenas duas épocas. Mas deixa a sua marca. Será o melhor marcador da equipa na temporada de estreia (1949-50) e o segundo goleador do campeonato; ajudará à conquista do campeonato no ano seguinte. No Sporting será também adaptado a defesa central, posição onde se irá fixar e que iria solidificar na Académica numa longa relação de 12 anos como jogador.
Em Coimbra, irá igualmente despertar para a política, inspirado pelo ambiente subversivo contra o regime ditatorial que se respira na cidade estudantil. Partilhará a mesma República com Almeida Santos, o já falecido ex-presidente da Assembleia da República, mas também priva com grandes figuras dos movimentos independentistas das antigas colónias africanas portuguesas, como já havia acontecido na capital, onde aprofundou uma íntima amizade com Agostinho Neto, com quem partilha casa.
Encerra a carreira nos relvados na temporada de 1962-63, permanecendo ligado à Académica, como técnico-adjunto, nomeadamente de José Maria Pedroto, com quem tem uma relação conflituosa, substituindo-o no cargo de treinador principal em 1964. Vai viver momentos de glória à frente da “Briosa”, com quem se sagra vice-campeão nacional na época de 1966-67, algo inédito na história do clube. António Simões, antiga glória benfiquista, recorda-se bem desses anos extraordinários.
“Presente, e regalo foi defrontar e assistir àquela Académica. Os meninos de Mário Wilson. O futebol moderno adiantado no tempo. O pequeno Barcelona daquela época. O famoso “tiki-taka” de agora, muito anos antes, treinado e praticado, por ideia criada e enfatizada do nosso Sr. Mário Wilson”, contou ao PÚBLICO: “A cultura dessa abordagem, o atrevimento de a assumir, a confiança de bem-fazer, dentro e fora de portas, levou e arrastou gente estudante e licenciada por todo o pais, e até fora dele, a marcar presença de capa e batina, alegre e vaidosa, da sua graça,orgulhosa dos seus representantes.”
O Benfica, o outro grande amor confesso de Mário Wilson, surge no percurso do técnico em 1975, aos 46 anos. Ao serviço das “águias” será o primeiro treinador português a ser campeão, logo na época de estreia. Irá regressar inúmeras vezes ao banco “encarnado”, como “bombeiro de serviço”, conquistando a Taça de Portugal em 1979-80 e 1995-96.
Entre os inúmeros jogadores que lançou estão Álvaro Magalhães e Pedro Henriques. Duas gerações diferentes de futebolistas, mas o mesmo carinho pelo “mister Wilson”. “Conheci-o com 19 anos na Académica e foi ele que me ensinou valores como educação, disciplina e equilíbrio. Fora de campo era um amigo. Foi o melhor treinador que tive em termos humanos”, lembra o agora também treinador Álvaro Magalhães.
“Era um homem com um discurso empolgante, tanto nas galas como nos treinos”, garante Pedro Henriques, agora comentador desportivo: “Nos anos em que o Benfica atravessava períodos de crise, só ele nos fazia ficar contentes. Era uma maravilha.”