Portugal afasta Croácia numa partida de xadrez
Selecção alcança primeira vitória em França nos últimos instantes do prolongamento e vai defrontar a Polónia, nos quartos-de-final.
Depois de uma fase de grupos angustiante, Portugal ressurgiu neste Euro, em Lens, e eliminou a Croácia ao cair do pano do prolongamento (1-0). O destino é agora Marselha, onde irá encontrar a Polónia nos quartos-de-final. Ricardo Quaresma foi o herói da noite ao apontar o único golo, evitando in extremis as grandes penalidades. Foi o desfecho inesperado de uma partida muito táctica, em que as melhores oportunidades surgiram mesmo no final.
Foram 116 minutos sem qualquer remate enquadrado com nenhuma das balizas. Um longo período em que todas as grandes individualidades em campo foram anuladas. Mas, quando a decisão por penáltis já parecia inevitável e até lógica, precipitou-se um tufão de emoções, que deixou todos atordoados. A sorte que faltou nos primeiros três encontros em França bafejou agora a selecção de Fernando Santos no primeiro dos encontros de “mata-mata”.
Há sangue nacional na comuna francesa de Pas-de-Calais. A apenas 17km da cidade de Lens, foi construído o Cemitério Militar Português de Richebourg l’Avoué. Estão ali enterrados 1831 soldados mortos nesta região durante a I Guerra Mundial. O local integra um grande memorial, o Altar da Pátria, destinado a revalorizar o ideal do patriotismo e a distinguir os que caíram pela bandeira das quinas.
E não poderia haver melhor homenagem a estas vítimas portuguesas deste holocausto do que a determinação com que a selecção nacional, quase um século depois, se bateu neste sábado no estádio da cidade de Lens. Numa partida em que imperou um grande respeito (por vezes até excessivo) entre as duas selecções em campo, que em vastos momentos chegou a aborrecer um pouco os espectadores nas bancadas, o vertiginoso desfecho acabou por ser a recompensa.
Após a anarquia táctica em que descambou a partida com a Hungria, que encerrou a primeira fase do torneio, o encontro de Lens foi uma espécie de jogo de xadrez, talvez inspirado pelas camisolas croatas. Com mais receio de errar do que determinação em ganhar, as duas equipas tiveram uma longa fase de observação mútua. O meio-campo foi, invariavelmente, o centro das atenções, onde cada jogada era anulada à nascença pelos “peões” e com os guarda-redes a terem tanta actividade como seguranças à porta de uma discoteca numa madrugada de segunda-feira.
Para este confronto tão cerebral, Fernando Santos convocou Adrien Silva para ser a sua “rainha”, deixando João Moutinho no banco, alegadamente por questões físicas. A verdade é que, coincidência ou não, com William Carvalho à frente da defesa e João Mário, no lado direito, estava praticamente recriado o meio-campo que Jorge Jesus fixou no Sporting esta temporada, com tanto êxito. A excepção era André Gomes, na esquerda (mas trocando de flanco em várias ocasiões do encontro), que acabou por dar o lugar a Renato Sanches, no início da segunda parte.
Na sua estreia pela selecção em grandes competições e logo no país que o viu nascer, Adrien desempenhou com mérito a missão de anular Luka Modric e pautar o jogo nacional. Esteve bem nas duas missões. Tal como William a anular a outra grande estrela croata, Ivan Rakitic. Esta não foi, de qualquer forma, uma noite talhada para as grandes figuras das duas equipas. Cristiano Ronaldo não conseguiu fazer um único remate em todo o tempo regulamentar, mas o único que fez, já no final do prolongamento, foi determinante.
Com tão escassas falhas de concentração defensiva em ambas as defesas, ninguém imaginaria o que iria acontecer no final. Depois de um grande calafrio na baliza portuguesa, que Rui Patrício (na sua única verdadeira intervenção na partida) defendeu para o poste, surgiu uma fulminante reacção nacional.
Numa rapidíssima transição atacante, surgiu o “rei” Ronaldo a tocar para Renato Sanches. O jovem do Bayern de Munique galgou terreno com a bola, abrindo de seguida para Nani na esquerda. O extremo do Fenerbahçe assistiu Ronaldo do lado oposto com um passe rasteiro a rasgar a defesa croata; o capitão rematou sem cerimónia, proporcionando a primeira defesa da noite de Subasic; a bola a sobrou para Ricardo Quaresma (que rendeu João Mário, aos 87’) e o “Mustang” enviou-a, de cabeça, para as redes. Foi a loucura dentro e fora do relvado.
Faltavam ainda três minutos, que pareceram uma eternidade. Os incrédulos croatas avançaram com tudo para a área portuguesa (até o guarda-redes subiu) e o defesa central Vida teve a última oportunidade de reanimar a selecção balcânica da paragem cardíaca que acabara de sofrer.
Numa partida tão táctica, o xeque-mate final foi ainda mais saboroso. Agora, o destino de Portugal passa por atravessar todo o país, do extremo norte ao extremo sul, e reproduzir em Marselha, a 30 de Junho, o mesmo espírito de união e sacrifício. A Polónia já está a aguardar.