Uma SAD sem Benfica
O TAP Rali de Portugal, quarta etapa do Mundial da especialidade, inicia-se esta tarde em Baltar, nos arredores do Porto. Até domingo, a euforia dos adeptos segue de mão dada com os receios da sociedade. A paixão e o medo misturam-se nas estradas portuguesas.
1.Passado o tempo tumultuoso da decisão colectiva - mais do que debate - do S.L. Benfica quanto ao modelo de sociedade anónima desportiva a adoptar e independentemente de todo um conjunto ainda vasto de questões às quais ainda há que dar resposta, pensamos ser útil dedicar algum espaço a um ponto fulcral na construção e na filosofia da SAD do S.L. Benfica.Trata-se de (mais) uma questão jurídica, e para tal alertamos o leitor, sendo certo que a mesma se encontra na base do modelo adoptado pelo clube desportivo agora em causa e em termos que não têm paralelo nos processos de formação das anteriores sociedades anónimas desportivas.É, pode-se afirmá-lo com segurança, uma questão decisiva, estrutural.2. Como é do conhecimento público, uma das principais linhas de divisão entre a Direcção do S.L. Benfica e a denominada «oposição», é a de que esta última defende, ao contrário da Direcção, e em particular do seu presidente, que o clube desportivo S.L. Benfica, deve controlar a SAD, nomeadamente garantindo uma participação social, directa ou indirecta, que suplante os 50%.Um dos principais argumentos avançado por quem defende esta solução, passa também pela leitura das experiências anteriores, como foi (ou é ainda? ) o caso do Sporting ou o F.C. do Porto.E, assim, afirma-se, o clube deveria constituir uma sociedade gestora de participações sociais, que controlasse, e mediante a qual viesse a adicionar à participação directa, uma participação indirecta que atingisse aquele resultado de controlo da SAD.Pelo seu lado, chegámos a ouvir ao presidente da Direcção do S.L. Benfica, que essa solução "... era contrária ao espírito da lei", o que inclusive conduziria a um juízo de ilegalidade na constituição das anteriores SADs.3. Onde está a razão jurídica neste domínio ?Adiante-se, desde já, e independentemente de estarmos de acordo ou não com os métodos e a estratégia definida pela Direcção do S.L. Benfica, ou termos por legais todos os procedimentos por ela adoptados neste conturbado processo, que nesta singular questão, julgamos que a melhor interpretação da lei está do lado daqueles que defendem que, em nenhum caso e em nenhum momento, o clube desportivo fundador pode deter, directa ou indirectamente, mais de 40% do capital social da respectiva SAD.Defendemos esta leitura já desde o longínquo ano de 1997, inclusive no nosso trabalho de anotação ao diploma legal que releva nesta matéria, altura onde foi publicado o Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril.Vejamos, de forma breve, o porquê desta nossa posição.4.O preceito que interessa ter presente é o artigo 30º do referido diploma legal, sobre a participação do clube fundador numa sociedade anónima desportiva.Esta norma contem quatro números, cujos conteúdos essenciais são os seguintes:Nº 1 - a participação directa do clube fundador no capital social não poderá ser inferior a 15%, nem superior a 40%;Nº2 - as acções do clube fundador conferem sempre o direito de veto de importantes decisões da assembleia geral da sociedade e o poder de designar, pelo menos um dos membros do órgão de administração, o qual disporá também de direito de veto sobre as mesmas matérias;Nº3 - para além disso os estatutos da sociedade podem subordinar à autorização do clube fundador, as deliberações da assembleia geral relativas a outras matérias neles especificadas;Nº4 - O clube fundador pode participar no capital social da sociedade desportiva através de uma sociedade gestora de participações sociais, desde que nela detenha a maioria do capital social (participação indirecta na sociedade desportiva).A decisiva questão que se levanta na interpretação deste artigo é se a lei confere a faculdade de o clube desportivo fundador dominar, em termos de maioria absoluta do capital social, a sociedade desportiva a que deu origem.5.Numa leitura imediata dir-se-á o seguinte: o clube fundador, se participardirectamente só pode deter 40% do capital social (nº1); mas, se participar indirectamente, mediante uma sociedade gestora de participações sociais (nº4), poderá deter a totalidade do capital social (ou obter um resultado que se superiorize aos 40%, detidos de forma directa).Podemos ficar por esta leitura ?Pensamos que não, sob pena de atraiçoarmos em definitivo o sentido final do artigo 30º e da filosofia que o inspira (que é, temos por seguro, afastar o clube da sociedade desportiva).Em nosso abono, adiantamos os seguintes argumentos.Em primeiro lugar, o contributo dos trabalhos preparatórios do diploma os quais, até ao último momento, apontavam inequivocamente nesse sentido. Só com a introdução do novo número 4 é que, por arrastamento, se adita o adjectivo directa à participação sempre prevista no nº1 sem qualquer qualificação especial.Por outro lado, destacamos o absurdo de se impedir o clube fundador de deter directamente mais de 40% e, do mesmo passo, facultar-se a detenção de 100% mediante a interposição de uma sociedade gestora de participações sociais.Abria-se uma janela onde se quis fechar a porta.Por último, como compreender o disposto nos nºs 2 e 3, em particular no nº2, , senão à luz da interpretação que perfilhamos?Na verdade, que sentido faz atribuir especiais direitos (de veto de deliberações sobre a sociedade), se ele pudesse, a todo o tempo, deter mais de 50% do capital social da sociedade desportiva ?Forçoso é, pois, jogar mão de uma interpretação teleologicamente redutora do nº 1, nos termos da qual o clube fundador só pode deter, a todo o tempo, o máximo de 40% do capital social da sociedade desportiva.Essa participação, de acordo com o nº4, é que pode ser detida através da interposição de uma sociedade gestora de participações sociais.