A Cinecittà de Xinobi
Nos últimos anos Bruno Cardoso afirmou-se como um dos DJs e produtores portugueses de maior vocação internacional, lançando inúmeros EPs e remisturas de música de dança garrida com sensibilidade pop. Agora aí está o primeiro álbum, 1975, que já pode ser ouvido aqui em exclusivo.
Acabou por dar-lhe a designação de 1975 ainda com o cinema em mente. “Existem uma série de filmes com uma estética que vislumbro em muitas das fotos dos meus pais quando eles regressaram de Moçambique, que foi em 1975”, explica-nos. Ele ainda não era nascido, mas esse sentimento de adaptação à nova realidade portuguesa acabou por estar presente na sua infância. “É verdade, a minha infância remete-me um pouco para essa época, porque de férias íamos quase sempre à casa onde os meus pais tiveram que viver quando voltaram de África, em Trás-os-Montes, num período de mudança.”
As referências cinematográficas poderão indiciar a feitura de uma música de propósitos visuais, ou nem por isso. “A minha música não é necessariamente visual, mas gosto imenso de bandas sonoras de filmes e creio que a forma como vou criando as músicas, por camadas, com acrescentos, acaba por conter pontos de contacto.”
Na sua música existem essencialmente dinamismos rítmicos assentes em linguagens como o house menos óbvio ou no disco mais celebrativo, sublinhados por elementos de funk ou dub, num misto de momentos contemplativos e arranjos festivos para a pista de dança.
Quem já conhecia os seus inúmeros EPs e faixas para editoras como a Ministry of Sound, Work It Baby, Nurvous ou a Discotexas, ou as remisturas e re-edits que concretizou (Nicolas Jaar, John Grant, Riva Starr ou Toro Y Moi) e que constam habitualmente das suas sessões DJ, não será surpreendido com o que irá ouvir em 1975.
É um disco coeso, que tem alguns temas mais expansivos (They all feel the same ou The sea) e outros que procuram nitidamente a fisicalidade, numa tonalidade garrida, com guitarras funky e minimalismos ao piano em destaque, por entre ambientes épicos e envolvimentos hipnóticos como em Bogota ou Radio radio. Pelo meio existem canções electrónicas de contornos pop, como Mom and dad, com alusões cinematográficas.
“O maior desafio foi organizar-me e impor a mim próprio uma data para ter tudo finalizado. Foi isso e cantar em alguns temas o que é complicado. Mas a data altura disse: vou experimentar. Depois de o fazer não tive automaticamente vergonha do que ouvi e a coisa ficou.”
Mas a sua voz não é a única que se ouve. Em Mom and dad, por exemplo, canta Margarida Encarnação. “É uma cantora lírica, desconhecida no meio da pop, que conheci durante a feitura de uma ópera dos Teatro Praga, na qual participei. E às tantas desafiei-a a fazer uma canção.”
“No álbum só participam amigos”, diz. Muitos amigos. Para além de Margarida, cantam a noiva Lydie Barbara ou o amigo Bráulio Amado. E existe ainda essa história singular em torno de Real fake, que resultou de um apelo via Facebook a amigos, e não só, para cantarem e gravarem o refrão individualmente. “Algumas pessoas conseguiram vir a estúdio, mas a maior parte fê-lo por telefones ou outros modos de gravação caseiros. Obtive muitas respostas e umas 40 pessoas participaram.”
O mundo é maior do que Portugal
As raízes de Bruno estão ancoradas na faculdade de Belas-Artes e nas culturas do punk ou do skate, mas desde sempre que gostou também de disco e de dançar. Durante anos fez parte dos Vicious 5 – que regressaram este ano para alguns concertos – e viria a formar a editora e colectivo Discotexas, que ainda mantém, ao lado de Luís Clara Gomes (Moullinex), Hugo Moutinho (Mr Mitsuhirato) ou Rui Maia (Mirror People).
São todos DJs e produtores, mas também músicos. Quando actua ao vivo com a Discotexas Band ou com Moullinex é possível ver Bruno no baixo, guitarra ou bateria, para além de tocar também piano e sintetizadores no disco. Um tipo de agilidade que diz ter sido importante na feitura das canções do álbum. “Às tantas dei por mim a pensar qual seria o instrumento com o qual estava mais à vontade para compor e ele é sem dúvida a guitarra. Ou seja, acaba por ser a guitarra a definir uma linha condutora entre as diferentes músicas.”
No início fazia as canções num quarto, sem recurso a qualquer instrumento tradicional, baseando a sua feitura em samples. Hoje não é bem assim. Principalmente desde que a Discotexas Band se começou a apresentar ao vivo que existe maior consciência das possibilidade de palco da sua música. Nos concertos que se seguirão irá ter ao seu lado cúmplices habituais como Luís Clara Gomes e Miguel Vilhena, reforçados por Óscar Jiboia.
Apesar de só agora ter lançado um álbum de estreia, o percurso de Bruno como Xinobi já é vasto. Nos primeiros anos era mais conhecido fora de Portugal do que aqui. Hoje a situação está mais equilibrada, daí também o interesse da Universal pela distribuição no território português do catálogo da Discotexas, constituído por nomes portugueses, mas também do resto do mundo. “Hoje já sinto conforto em tocar num festival aqui”, reflecte. “Antes sentia-me um pouco perdido. Já existe expectativa do público e sinto carinho o que é óptimo, porque quando não nos prestam atenção na terra onde vivemos é como se renegássemos qualquer coisa.”
É verdade. Mas continua a actuar como DJ mais vezes na Europa. Nada de mais para ele, “afinal o mundo é maior do que Portugal.” Nos próximos tempos vamos ouvir falar ainda mais dele, seja como DJ, produtor ou em palco como músico a apresentar o seu álbum como Xinobi. “É que isto é a única coisa que sei fazer”, diz ele, rindo-se. “Não imagino nada melhor do que fazer um disco e depois usufruir dele ao vivo. É a melhor coisa do mundo.”