UNESCO aprova barragem de Foz Tua
Organização não vê em perigo a classificação do Douro, mas recomenda medidas de salvaguarda.
Para Ana Paula Amendoeira, presidente do Icomos/Portugal, a ONG que aconselha a UNESCO em matéria de património cultural, esta não é uma decisão surpreendente. "Nada disto é novidade, a decisão segue o curso normal daquilo que vem sendo este processo", diz ao PÚBLICO a especialista, não deixando de lamentar a aprovação da barragem. "É uma decisão política, que nos ultrapassa por não ser baseada em pareceres técnicos e científicos."
Em 2011, o Icomos publicou um relatório em que concluía que a construção da barragem de Foz Tua provocaria um “impacto irreversível” e ameaçaria “o VEU (Valor Excepcional Universal) da região”, defendendo assim que a obra não era compatível com a manutenção do estatuto de Património da Humanidade ao Alto Douro Vinhateiro. Mais tarde, na sequência da missão de inspecção ao Tua, em Julho e Agosto de 2012, assumiu com o Comité do Património e com a IUCN, consultora da UNESCO para o património natural, uma posição conjunta mais contemporizadora.
"Continuamos a rever-nos e a identificar-nos com o parecer do Icomos, mesmo depois da missão da Unesco as alterações que foram feitas não alteraram a substância para podermos mudar a nossa posição", explica Ana Paula Amendoeira, que não tem dúvidas de que esta construção "vai afectar o bem".
Para o Governo é uma vitória, atesta a especialista. "Era um objectivo, o Governo tem estado a trabalhar nesta posição", diz, garantindo que agora não há nada que o Icomos possa fazer. "Nós já demos a nossa contribuição com a elaboração de relatórios e pareceres. O comité é que decide, é soberano", acrescenta.
João Branco, vice-presidente da Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, vai mais longe e acredita que a decisão esta quarta-feira anunciada "comprometerá não só o Douro como todo o Património Mundial". "É uma decisão vergonhosa e que envergonha a própria Unesco", reagiu ao PÚBLICO João Branco, defendendo que "ficou provado que quem manda na Unesco são os governos, são eles que a financiam". "Ainda acreditei que pudessem decidir em contrário e por isso sinto-me desiludido, foi um erro ter confiado na Unesco", continua o vice-presidente da Quercus. Acrescenta: "Os governos ficaram agora a saber que podem fazer o que quiserem com o Património Mundial".
Em reacção, a Plataforma Salvar o Tua - Associação de Defesa do Ambiente, anunciou que vai recorrer aos tribunais para travar a construção daquele empreendimento hidroeléctrico. Em comunicado de imprensa, a associação considera "lamentável" a decisão da Unesco, justificando que "não obstante o Comité do Património Mundial da Unesco ter exigido medidas de salvaguarda, estas não serão suficientes para reparar os danos irreversíveis que a barragem irá provocar no Vale do Tua e no Alto Douro Vinhateiro".
No mesmo comunicado, a Plataforma Salvar o Tua escreve ainda que foram enviados dois relatórios à comissão, um em Agosto de 2012 e outro no mês passado, que comprovam que "as medidas agora propostas são completamente ineficazes". "O dossiê Douro foi levado a votação novamente este ano, tendo sido ignorados os dois relatórios enviados que comprovam que a construção desta barragem afecta de forma irreversível o Alto Douro Vinhateiro, destacando-se, a título de exemplo, a situação do paredão da barragem que representa um grande impacto sobre a paisagem e o enterramento da central ser uma medida irrelevante, ou a ausência de estudos que demonstrem o risco de alteração climática que pode afetar a produção dos vinhos do Douro e Porto", conclui a associação.
O Comité Patrimonial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, que está reunido no Camboja, desde segunda-feira e até dia 27, analisou o dossier Douro novamente este ano e levou-o à votação, depois de, no ano passado, ter estado em cima da mesa a suspensão das obras em Foz Tua. Na altura, o comité aceitou a proposta do Governo português para um abrandamento do ritmo de construção do empreendimento.
Agora, o projecto de deliberação foi aprovado sem discussão, concluindo que a barragem “não afecta de forma irreversível” o Alto Douro Vinhateiro (ADV), podendo a obra prosseguir com algumas salvaguardas.
Por exemplo, a organização pede ao Governo para concluir o plano de gestão do bem classificado, bem como informações sobre o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Linha de Alta Tensão, pedindo que a documentação seja enviada até 1 de Setembro e antes de qualquer decisão sobre o traçado.
A UNESCO pede ainda que sejam suspensas as escavações no canal de navegação do rio Douro, até que sejam concluídos os estudos hidráulicos, e que seja garantida a estabilidade operacional da entidade responsável pela manutenção do ADV, que é a Estrutura de Missão do Douro (EMD).
Já em Maio, a ministra da Agricultura, Assunção Cristas, se mostrava satisfeita com esta informação enviada pela UNESCO ao Estado, referindo ainda que a organização recomenda a Portugal que “mantenha o nível abrandado das obras”.
A barragem, concessionada à EDP, começou a ser construída há dois anos, ficando a conclusão da obra adiada para meados de 2016 por causa do abrandamento imposto pela UNESCO.
Joanaz de Melo, do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA) que integra a Plataforma Salvar o Tua, lamentou à Lusa a aprovação desta proposta de resolução que diz ser baseada em “informação falsa enviada pelo Estado português à UNESCO”.
Esta plataforma, que junta nove associações ambientais e uma quinta de produção vinícola, enviou uma nova queixa ao organismo refutando as medidas de mitigação anunciadas pelo Estado português e que, segundo Joanaz de Melo, são “totalmente ineficazes”.
O responsável acusou a UNESCO de “politicamente ignorar” um conjunto de situações denunciadas como o paredão da barragem representar “o grande impacto” sobre a paisagem e o enterramento da central “ser irrelevante”, ou a “falta de estudos” sobre o risco de alteração climática afectar a produção dos vinhos do Douro e Porto.
Joanaz de Melo anunciou que, nos próximos dias, a plataforma vai colocar um processo em tribunal para parar as obras da Barragem de Foz Tua, a qual considera ser “um verdadeiro crime contra o património, o ambiente e o desenvolvimento local”.
Referiu ainda que vão continuar a ser desenvolvidas acções para chamar a atenção da opinião pública nacional e internacional para a forma “inadmissível como o processo tem estado a ser tratado quer pelo Estado português quer pela própria UNESCO”.