Tão radicais que nós éramos
Em L'Avenir, Mia Hansen-Løve confronta os idealismos de ontem e de hoje. Com Isabelle Huppert como professora desencantada.
Em tempos que já lá vão, Nathalie era uma jovem estudante de filosofia que chegou a ser comunista durante três anos (coisa que ela está longe de renegar) e viveu intensamente os idealismos da juventude empenhada em mudar o mundo. Depois, vieram a vida, o marido, os filhos, o emprego... E agora que vê uma nova geração pegar nesse testemunho e protestar contra a reforma educativa ou pugnar por uma política mais humana e mais libertária, Nathalie olha para isso com algo de condescendência e outro tanto de simpatia, mas sobretudo, como diz às tantas, com naturalidade. Ela já passou por ali. O futuro do radicalismo chama-se burguesia.
Nathalie é Isabelle Huppert, que traz a sua habitual inteligência de actriz a esta mulher que passou a sua vida a pensar o mundo que a rodeia mas separa a teoria da prática. O filme que Mia Hansen-Løve lhe escreveu apanha-a num momento de crise, pessoal e profissional. Chama-se L'Avenir – "O Futuro" (competição) –, mas na verdade não fala de outra coisa que não de um passado à beira do desaparecimento; o que à superfície é um daqueles pacatos dramas emocionais franceses de que Claude Sautet ou André Téchiné detinham o segredo é, na verdade, um objecto muito mais atento do que parece às vibrações do mundo que nos rodeia.
É um filme aparentemente burguês que questiona esse aburguesamento e a importância do papel do intelectual na esfera pública. Nathalie é uma pensadora, sim, é uma mulher intelectualmente realizada. Mas lá fora há que lidar com a vida: a colecção de ensaios que dirige não vende que chegue para satisfazer a editora, as suas aulas são interrompidas pelas manifestações dos estudantes, a mãe com problemas mentais tem de ser colocada num lar, e o marido anuncia-lhe que vai deixá-la por outra. Os radicalismos não são a resposta à crise de Nathalie, que não é apenas uma crise burguesa e também não tem uma solução simples.
Contrapondo a crise de Nathalie ao entusiasmo de Fabien, um ex-aluno por quem tem grande estima mas que está ainda a dar largas ao seu idealismo, Mia Hansen-Løve tece uma quase imperceptível teia de pormenores e tonalidades para encorpar uma história aparentemente banal e aparentemente frágil. Tudo funciona por acumulação de pormenores, pinceladas discretas que vão compondo um retrato que só se compreende verdadeiramente quando visto por inteiro. E é a confirmação, depois de Um Amor de Juventude e Éden, da realizadora francesa como renovadora inteligente e discreta de um certo cinema de "qualidade francesa" que quase desapareceu da produção exportada.
A presença de L'Avenir no concurso de Berlim não é uma surpresa – insere-se tanto na renovação de autores que o festival tem procurado como na sua aposta regular nessa tal qualidade francesa que vê também Téchiné em competição este ano. Mas corre o risco de cantonar injustamente como "classe média" uma realizadora mais subterrânea do que parece, e que continua a crescer e a questionar com imensa delicadeza.