Os últimos poemas de Herberto Helder

A Porto Editora lança esta sexta-feira Poemas Canhotos, um livro que reúne 16 poemas que Herberto Helder escreveu nos seus derradeiros meses de vida.

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Herberto Helder dr

Apesar da sua relativa brevidade – 16 poemas de extensão variável, paginados um tanto à larga para ocupar 37 páginas –, o livro terá ainda sido dado por concluído pelo próprio autor nas vésperas da sua morte, a 23 de Março deste ano.

A edição abre com uma das fotografias de Herberto Helder feitas em casa do poeta, em Fevereiro passado, pelo fotógrafo Alfredo Cunha, e fecha com uma bibliografia exaustiva dos títulos do autor, assinalando as diferentes edições quando tiveram mais do que uma. Um trabalho cuja responsabilidade é de Luis Manuel Gaspar, o que desde logo constitui garantia de rigor, e que seria interessante, num futuro próximo – talvez quando sair a próxima edição da obra reunida – , ilustrar com as capas dos livros  e, se possível, alargar às colaborações de Herberto Helder em obras colectivas e revistas.

“De acordo com a vontade de Herberto Helder, Poemas Canhotos terá uma edição de tiragem única”, adianta ainda a Porto Editora, que não divulgou a tiragem, afirmando apenas que se trata de uma “edição reduzida”. No site da Wook, a sua livraria virtual, avisa-se que “o fornecimento está limitado a duas unidades por cliente e condicionado à existência de stock na data de pagamento da encomenda”.

Enquanto livro, Poemas Canhotos é um pouco o que se esperaria que fosse: mais desigual e menos orgânico do que A Morte Sem Mestre – do qual já se poderia dizer o mesmo face aos livros imediatamente anteriores, Servidões (2013) e, sobretudo, A Faca Não Corta o Fogo (2008) –, mas incluindo novamente quatro ou cinco poemas de uma inventividade e energia ao alcance de muito poucos autores, e quase inacreditável num poeta octogenário.

O próprio título, aliás, parece assumir esse défice de coesão e acabamento, quer no adjectivo “canhoto”, que pode ter o significado de canhestro, desajeitado, quer no plural “poemas”, sugerindo que este é um conjunto discreto de poemas e não um “poema contínuo”. Sem detrimento, claro, de se ler também neste “canhoto”, uma referência a ao “lado esquerdo”, para citar parcialmente o título de um livro de Carlos de Oliveira, um dos poetas portugueses que Herberto Helder mais admirava.

Poemas Canhotos abre com um poema de dois versos – “a amada nas altas montanhas/ o amador ao rés das águas” –, logo retomados no início do poema seguinte, que é o primeiro de vários textos que recuperam a redondilha maior, um metro típico do cancioneiro popular que Herberto Helder já utilizara num belo poema de A Morte Sem Mestre.

Alguns destes Poemas Canhotos dialogam de resto claramente com o livro anterior, como o que se inicia com o verso “¿que interessa fazer a barba se é tudo para cremar”, que talvez encaixasse mesmo mais obviamente em A Morte Sem Mestre do que neste seu último título.

Mas ambos os livros têm em comum a coexistência (e às vezes num mesmo poema) dos tópicos que alimentam a lírica herbertiana desde o seu início e desse registo mais “plano”, e mais notoriamente autobiográfico, que constitui uma das dimensões dos seus últimos livros. Num dos poemas deste volume, Herberto Helder escreve: “depois juntas à porção pungente do modelo biográfico/ aquilo que foi um pouco do júbilo”.

Como vinha sucedendo desde A Faca Não Corta o Fogo, referências a pessoas e acontecimentos concretos entram agora mais ou menos abertamente nesta poesia. No poema que a Porto Editora divulgou para promoção do livro, Herberto evoca os cartoons dinamarqueses satirizando Maomé que enfureceram o mundo islâmico, e noutro refere  expressamente o poeta António Ramos Rosa, identificando-se com ele no momento da morte.

A crítica às modas e comércio literários, e aos demasiado apressados jovens aspirantes a Rimbaud , perpassa também em vários momentos deste livro e dá origem a um dos seus poemas mais fortes, cujo título, assim mesmo entre parêntesis, reza: “(entra um jovem sobraçando um maço de poemas cortados em diagonal pelo mito de Rimbaud”). Ao “jovem autor gangrenado”, faz o velho poeta votos de “que encontre já ontem remédio nos suplementos das artes e das letras/ que encontre glória no suplemento vitamínico das artes e letras/ depressa depressa o mais depressa possível”.

É difícil saber se este livro ficaria exactamente assim, ou se o autor ainda lhe mexeria, e eventualmente acrescentaria novos textos, caso tivesse vivido mais algum tempo. Mas mesmo que isso viesse a acontecer, é de admitir que mantivesse no seu lugar o notável poema final, que encerra admiravelmente estes Poemas Canhotos. Também ele em redondilha maior, fecha com estes versos: “uma cegueira que apaga/ a luz por trás de outra mão/ tudo o que acende e me apaga/ alumiação de mais nada/ que a mão parada/ alumiação então/ de que esta mão me conduz/ por descaminhos de luz/ ao centro da escuridão/ que é fácil a rima em ão/ difícil é ver se a luz/ rima ou não rima com a mão”.

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