A palavra “populismo” é actualmente objecto de um uso imoderado que adulterou o seu sentido e faz dela um sintoma que diz muito pouco sobre um regime político e uma forma de governação, mas diz muito sobre o discurso do jornalismo e os mecanismos mediáticos. “Populismo” já não designa nada da ordem da constituição e legitimação de um corpo político ou dos métodos de governação, já que o seu sentido está inteiramente do lado dos meios de comunicação, do regime mediático; não tem nada a ver com o povo, mas apenas com os espectadores. Os dispositivos populistas dos media e do jornalismo não são um exclusivo de certos programas de televisão e de alguns jornais. Estão disseminados por todo o lado, pelo que não há nada mais cómico do que ouvir os intrépidos acusadores do populismo político, os que estão sempre a espreitá-lo em cada esquina, a desempenharem um papel de cúmplices, ou até de agentes, de um populismo mediático e cultural: ei-los a entreter as massas com amenas cavaqueiras onde se exerce a conversa espirituosa das elites desenvoltas que se dão em espectáculo para o “povo”; ei-los a explicar com muita simplicidade “para que as pessoas lá em casa percebam”; ei-los a entrevistar os políticos, fazendo esta injunção do quiz show: “responda sim ou não”; ei-los a administrar aos leitores e espectadores a cultura para o fim-de-semana. No seu sentido primeiro, o populismo é uma atitude política que consiste em adular o povo para dele retirar uma legitimidade directa e reivindicar o estatuto de emanação imediata desse povo. Não um povo qualquer, mas o menu peuple, o povo miúdo que se opõe às elites. Trata-se de um povo assumido como mito do retorno atávico a valores indeterminados e dos quais se tenta fazer um complexo — que pode ser uma pura invenção — referente às origens da sociedade ou comunidade nacional em que o povo, por tradição, se reconhece. O populismo que os analistas políticos estão constantemente a erigir como fantasma (para eles, é populista tudo o que se desvia um pouco da ortodoxia vigente, seja essE desvio à Esquerda ou à Direita) pressupõe um atestado de menoridade: os cidadãos são uma massa facilmente manipulável, nunca atingiram o estado de “maioridade”, a capacidade de agir e pensar por si próprios, o sapere aude que Kant usou como emblema da razão iluminista. Na verdade, este é o pressuposto do populismo mediático, dos mecanismos que regem a produção e a circulação dos discursos e das imagens pelos media. O populismo é hoje uma questão dos meios, das mediações, e não uma questão política. Não é um apelo ao povo, mas às audiências. Não é um discurso político, mas um modo de funcionamento em que não há senão mediação derivada e a ilusão de que tudo pode ser induzido. Dá-se assim este fenómeno estranho: as televisões — sobretudo elas — inventaram um “povo” que não existe em nenhum lado senão nos estúdios e só é conhecido pelos apresentadores de televisão. E, de um modo geral, a informação e toda a comunicação jornalística medem o seu público por baixo. No campo da cultura, isto é devastador, sobretudo porque se disseminou em todo o campo editorial. Veja-se como as editoras, nas suas campanhas publicitárias e no modo de se dirigirem ao “público”, usam um discurso que pressupõe um leitor estúpido e não emancipado. É com este populismo cultural dos media, com a crise de legitimidade que o jornalismo hoje vive intensamente, e não com o populismo político — noção ao serviço de um discurso ideológico que não ousa assumir-se como tal — que todos nos devíamos preocupar.
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