Tremor: uma renovação em curso em Ponta Delgada
O festival tem início esta terça-feira e sábado é o dia grande. Interessa a programação: Bitchin Bajas com Bonnie Prince Billy, Clinic, Black Moutain, Capitão Fausto, Filho da Mãe, PAUS. Interessa, principalmente, a forma como a música se vive em harmonia com a cidade e seu público.
“Há um certo fervilhar muito interessante e um potencial a despontar”, diziam os organizadores em 2014, quando o Tremor foi inteiramente dedicado à música portuguesa, quando surgiu para dinamizar o centro histórico de Ponta Delgada, e, de caminho, esperava-se, toda a ilha de São Miguel. Vimo-lo fervilhar nesse ano, com concertos espalhados por vários locais, dos institucionais aos mais inesperados. Vimos como, em 2015, o Tremor cresceu em abrangência, alargando-se também a bandas não portuguesas e estimulando a relação entre criadores locais e os que aterravam na ilha.
Em 2016, à terceira edição, com início esta terça-feira e dia grande no sábado, quando decorrem dezenas de concertos espalhados por toda a cidade, dos Bitchin Bajas & Bonnie Prince Billy aos canadianos Black Mountain, dos ingleses Clinic a Filho da Mãe, dos canadianos SUUNS aos Capitão Fausto, dos PAUS a Dan Deacon, mudou o contexto. Em meados do ano passado, o arquipélago atlântico ficou mais perto de todos com o início dos voos low-cost e, diz António Pedro Lopes, da organização do festival, “há a sensação de que os Açores estão na moda e são acessíveis”. Em Ponta Delgada, conta, “apareceram muitos negócios novos de alojamento local e de turismo rural, há novos bares e novos negócios no centro. A cidade que, pela falência do comércio tradicional, ficava fantasma ao final da tarde, está a receber pessoas de novo. Há uma espécie de renovação em curso”.
O Tremor, que nasceu de uma iniciativa conjunta da Yuzin, agenda cultural micaelense, e da promotora e editora portuense Lovers & Lollypops, pretendia ser factor impulsionador dessa renovação. Antecipou-a e, neste momento, é dela parte integrante. “É importante que se crie aqui uma fruição das diferentes artes, das diferentes músicas e das formas de se festejar e de se habitar o espaço público onde a comunidade se encontra. Quando as pessoas se juntam de forma diferente, entre pessoas muito diferentes, é uma pequena revolução”, defende.
O Tremor tem uma programação que merece destaque pela abrangência e pela atenção dada ao pulsar musical contemporâneo – aos nomes já citados podemos acrescentar os portuenses HHY & The Macumbas, os barcelenses Killimanjaro e Equations, os catalães Za! ou a americana Julliana Barwick. Mas o Tremor é mais do que isso. Festivais existem às centenas. Distingue-os a forma que encontram para se fazerem únicos, unindo a identidade musical representada na programação ao aproveitamento da geografia em que se inserem e da vida que conta o local que os acolhe.
Este ano o Tremor soltou amarras e partiu mundo fora, com a iniciativa Tremor on Tour que levou os organizadores do festival a agendarem concertos, em Janeiro, em Lisboa, Porto e Londres (no final do ano passado, já tinha marcado presença no Le Guess Who, festival de música independente de Utrecht). Mas Ponta Delgada e os Açores serão sempre aquilo que faz deste festival o festival que é. “Claro que o Tremor é do mundo, mas é impossível desligá-lo do que os Açores e São Miguel oferecem. A experiência do território está intimamente ligada." Daí, por exemplo, o programa Tremor na Estufa que arranca terça-feira e leva o público a viajar diariamente de autocarro até um local mantido desconhecido para ver, sempre às 18h30, um concerto surpresa.
Mas o Tremor pretende também “fortalecer e estimular uma cena musical local”, como afirma António Pedro Lopes. “Quando saímos, levamos o cartão-postal, mas também levamos artistas. Neste lugar há música a ser feita e, felizmente, depois da nossa primeira edição temos conseguido encontrar mais." Aos dois embaixadores que participaram no Tremor on Tour, o blues-rocker King John e a cantautora Sara Cruz, músicos que se revelaram já depois do nascimento do festival, junta-se, por exemplo, uma verdadeira mostra de hip-hop açoriano que se apresentará ao longo da noite de sábado no Coliseu Micaelense. E mais: depois de o ano passado os catalães Za! terem dado um concerto com os participantes num workshop de música improvisada, este ano regressam para um concerto trabalhado em residência com os jovens músicos da Escola de Música de Rabo de Peixe.
O Tremor começa agora. Até sexta, haverá as surpresas do Tremor na Estufa, projecção de cinema no 9500 Cineclube (I Love Kuduro e What Difference Does It Make? A Film About Making Music, terça-feira, 22h), concertos de Joana Gama & Luis Fernandes (quarta-feira no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, 22h) e de Zeca Medeiros (quinta-feira, Igreja do Colégio, 22h) e a exposição Zeeland, na livraria, galeria e editora Miolo, reunindo um conjunto de exercícios visuais criados por António Júlio Duarte em São Miguel. Sexta, haverá festa na galeria Arco 8: Sara Cruz, Equations, Happy Meals e o DJ set dos PZY SS, ou seja, os fundadores do Liverpool Psych Fest.
Depois, o dia em que tudo acontece, sábado. Começa às 10h com o início do Mini Tremor, ou seja, o festival para os mais novos, e continua dia fora, noite fora, até que o sol comece a nascer no horizonte. Teremos passado pelo Cantinho dos Anjos, pelo Ateneu Comercial, pela Casa da Rosa, pela Tasca, pela Igreja do Colégio ou pela Londrina. Teremos visto Black Mountain, Bitchin Bajas com Bonnie Prince Billy, os Za!, os Clinic, Dan Deacon ou os Capitão Fausto. Se tudo correr como esperado teremos pensado e teremos vivido aquilo de que nos falou António Pedro Lopes: “Quando as pessoas se juntam de forma diferente, entre pessoas muito diferentes, é uma pequena revolução." Um Tremor. Epicentro: Ponta Delgada.
Corrigido às 13h19: É a cantautora Sara Cruz, não Sara Paço, que actuará no festival