Morreu Henri Dutilleux, um compositor moderno e independente, discreto mas verdadeiro
Era um dos compositores contemporâneos mais executados em todo o mundo. Morreu na quarta-feira.
Descrito como “clássico moderno”, é autor de obras ousadas e ao mesmo tempo acessíveis.
A sua última peça gravada, Correspondances, criada em 2003 em Berlim, foi lançada em Janeiro por ocasião do seu 97º aniversário. Escrita para orquestra, cordas, piano e voz, é descrita pela agência France Presse (AFP) como sendo simultaneamente “audaz e acessível”, herdeira da tradição de Debussy ou Ravel.
“É um dos poucos compositores contemporâneos que entrou para o repertório ainda em vida. Tinha isso em comum com Olivier Messiaen”, declarou à AFP o maestro Laurent Petitgirard e presidente da Sociedade de Autores, Compositores e Editores de Música (SACEM). “A sua obra permanecerá intensamente presente depois de sua morte”, acrescentou.
Henri Dutilleux respeitava igualmente os mais tradicionalistas e os vanguardistas, oferecendo composições de grande densidade expressiva, sem deixar de conquistar um público pouco sensível à música contemporânea. O seu trabalho altamente poético tem sido muito difundido na França e no exterior – incluindo Portugal.
Na nota biográfica dedicada ao compositor, o crítico de música do jornal Le Monde, Pierre Gervasoni, começa por assinalar que “são raros os compositores que têm criações suas que são imediatamente repetidas após a primeira execução”. E radica a ampliação da atenção pública à música de Henri Dutilleux no ano de 1970, quando estreou no Festival de Aix-en-Provence o Concerto para violoncelo Tout un Monde Lointain, composto expressamente para o lendário Mstislav Rostropovitch – o que fez com que esta sua peça se viesse a tornar na mais tocada de toda a carreira do compositor. Tout un Monde Lointain foi interpretado na Gulbenkian em duas ocasiões – em 1999 e 2006 –, entre as oito vezes que a música de Dutilleux foi contemplada no reportório dos concertos na fundação, em Lisboa.
“Mesmo que se tenha que reconhecer que as suas obras fundamentais já foram de modo muito disperso apresentadas em Portugal, as ocasiões foram ainda assim relativamente poucas, por certo muito escassas, quando se tem em conta que Dutilleux era porventura o compositor contemporâneo mais interpretado internacionalmente”, lamenta o crítico (e colaborador do PÚBLICO) Augusto M. Seabra. E cita, em particular, a ausência total da sua obra “nas 26 edições realizadas dos Encontros de Música Contemporânea da Fundação”.
Em contrapartida, Seabra assistiu, na Culturgest, em Lisboa, à interpretação das “maravilhosas” 3 Strophes sur le nom de Sacher (1976-82), para violoncelo solo, por Sonia Wieder-Atherton.
O director artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco, vê também Henri Dutilleux como “um dos grandes compositores do século XX”. Alguém que “sempre foi visto com alguma reticência nos meios da vanguarda, porque não se integrava nos seus circuitos mais comuns, mas que era claramente um compositor com uma linguagem moderna”, acrescenta. Pacheco considera também que a importância da obra de Dutilleux justificava uma presença maior nos programas de música contemporânea no nosso país. Recorda, contudo, que, para além de uma peça executada há já alguns anos pelo Remix Ensemble, a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música interpretou, no ano passado, a sua Sinfonia nº 2 (1959) – sobre a qual o crítico do Le Monde diz confirmar a importância de “um músico que não esquece nada das suas orientações contemporâneas”.
António Jorge Pacheco radica igualmente Dutilleux na “herança da tradição francesa, de Debussy e Ravel”. Já o jornalista do The Guardian, Roger Nichols, considera que ele “era o mais destacado compositor francês entre Messiaen e Boulez e, como ambos, alcançou uma síntese altamente pessoal de rigor formal e harmonias que entram facilmente no ouvido”. “Num mundo musical onde muitos proclamam em alta voz a sua independência, Dutilleux foi um discreto mas verdadeiro independente”, acrescenta Nichols.
Na biografia do compositor francês, um período marcante ocorreu entre o final da 2ª Guerra Mundial, 1945, e o ano de 1963, quando dirigiu o Serviço de Música da Radiodifusão Francesa. Um trabalho que lhe permitiu o contacto regular com músicos de diferentes tendências, que viriam também a influenciar a sua criação musical.
Em 1948 – ainda seguindo a lista de datas referida pelo crítico do Le Monde – acontece a estreia da Sonata para piano, composta em parceria com Geneviève Joy, com quem Dutilleux se tinha casado dois anos antes. 1951 é o ano em que compõe a 1ª Sinfonia, para a Orquestra Nacional de França, cuja primeira audição será dirigida pelo maestro Roger Désormière, e que valeu ao compositor o “estatuto de ‘independente’ entre tradição e modernidade”, nota Pierre Gervasoni. Uma entrada no movimento da vanguarda musical que seria confirmada, em 1965, com a peça Métaboles (que foi tocada pela Orquestra Gulbenkian em Lisboa em 2004 e 2001).
Em 1967, Henri Dutilleux receberia o Grande Prémio de Música de França pelo conjunto da obra, “eminentemente poética”, sublinha, por sua vez, a AFP. A sofisticação e a versatilidade do seu percurso, como compositor, pedagogo e programador, são algumas das perspectivas destacadas pelo IRCAM, Instituto de Pesquisa e Coordenação Acústica do Centro Georges Pompidou, em Paris, na nota relativa ao desaparecimento do compositor.