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Morreu Pedro Cláudio, um fotógrafo livre e transversal

Ficou conhecido pela fotografia de moda e pela realização de videoclipes, mas era acima de tudo um criador de imagens com forte linguagem autoral. Aos 51 anos, Pedro Cláudio morreu esta quinta-feira.

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A música era uma das maiores inspirações de Pedro Cláudio DR

Um dos mais importantes fotógrafos de moda e realizador de videoclipes do panorama português, Pedro Cláudio, morreu esta quinta-feira, aos 51 anos, de cancro. Desde os anos 1980 destacou-se em vários campos da imagem. Na fotografia de moda e de publicidade. Na produção de ensaios fotográficos para a imprensa. Na realização de videoclipes para músicos portugueses. E também em exposições e livros de fotografia.

A forma transversal e livre como olhava para a fotografia definia-o. Não se cingia ao circuito artístico, mas em tudo o que fazia existia uma forte marca autoral. "Ele pertenceu a uma geração que renovou o panorama da fotografia no meio editorial entre os anos 80 e os 90, e o que é interessante, olhando retrospectivamente, é que muitos deles sentiram necessidade de encontrar a sua área de desenvolvimento criativo no campo da arte, como aconteceu com o Daniel Blaufuks ou o João Tabarra", contextualiza o professor e comissário de fotografia Sérgio Mah, para logo autonomizar o percurso de Pedro Cláudio dentro destas coordenadas. "No seu caso, o que lhe interessava era perceber as possibilidades de um trabalho criativo, de assinatura e de experimentação, mas dentro de uma lógica de trabalho comissariado, ligado ao meio editorial, ou à publicidade, ou à moda, e a partir daí ele construiu uma carreira absolutamente singular em Portugal. Não existe ninguém que tenha tido essa capacidade de renovação criativa e ao mesmo tempo de relação com as oportunidades de trabalho."

Para ele, Pedro Claúdio não deve ser lembrado como fotógrafo de moda, "ainda que essa fosse uma marca que lhe estava muito colada". Atravessou vários géneros de fotografia, desde a reportagem ao ensaio, ao retrato, à publicidade ou ao trabalho mais ligado ao design gráfico. "Explorou muitas áreas da imagem e nos últimos anos trabalhou muito no vídeo ligado à música, mas também na publicidade, tendo uma energia permanente de reinvenção."

Em Março deste ano, em entrevista ao PÚBLICO, definia-se como um “criador de imagens”, dizendo que "a fotografia de moda não existe, a moda é que utiliza a fotografia". Já em 1999, também ao PÚBLICO, resumia: “Considero-me um fotógrafo, que também faz fotografia de moda.” Adiantava então que preferia ser visto como director artístico, por olhar a fotografia apenas como um meio, tal como o vídeo ou o design gráfico, que também praticava. “O mais importante são as ideias”, concluía.

O fotógrafo Augusto Brázio cruzou-se com Pedro Cláudio na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa em meados dos anos 80 e recorda-o assim: "Quando o conheci, percebi que era um pessoa diferente no mundo da imagem. Ele não via as coisas só através da fotografia, tinha uma grande cultura visual, via muito cinema. Não era um fotógrafo fechado na sua fotografia, tinha mais mundo. Era um esteta. E isso notava-se na sua maneira de olhar para o espaço." Depois de ver um pequeno portfólio seu, foi Cláudio que deu a Brázio o empurrão definitivo para a fotografia e que o levou para a revista K, já no início dos anos 90. 

Os dois fotógrafos encontravam-se pontualmente para discutir trabalho, o que cada um andava a fazer. "O Pedro era uma daquelas duas ou três pessoas a quem pedia opinião." Para Brázio, Pedro Cláudio "tinha uma urgência em fazer coisas novas, experimentais", e na sua obra houve "insatisfação e procura", diferenciando-se de outros "por conseguir colocar uma marca mais autoral dentro do trabalho comercial". "No final dos anos 80, esta maneira de estar influenciou muitos fotógrafos. Na música também tentou sempre ter um cunho muito pessoal e acho que o conseguiu, tanto nos vídeos que realizou como na relação que manteve com as bandas. Era um artista multidisciplinar. Tinha um sentido gráfico muito bom e uma noção de obra total."

Do funcional ao artístico

Pedro Cláudio era alguém que privilegiava a liberdade criativa, independentemente do contexto onde operasse e dos materiais que manipulasse. Em catálogos de artigos de design, na moda, em ensaios fotográficos para publicações ou em instalações-vídeo, criava novos sentidos por associação de imagens, intercalando objectos ou pessoas com figuras da natureza, numa encenação que desviava o trabalho do seu flanco mais funcional para o transportar a um universo artístico.

Era isso que acontecia, por exemplo, no livro Map (editado em 1999 pela Moda Lisboa), um exemplo paradigmático da sua relação com a fotografia de moda que resultava numa espécie de diário de uma viagem a Marrocos. Ali a dimensão transitória da moda jogava com a perenidade das paisagens, das naturezas mortas, num registo de criação de atmosferas oníricas. O mesmo tipo de registo marcaria a exposição individual (depois também livro) de 2010, na Casa Fernando Pessoa – Deixar de Ver –, à volta do heterónimo Ricardo Reis.

Natural de Torres Vedras, onde nasceu em 1965, Pedro Cláudio mudou-se com 20 anos para Lisboa, onde viria a estudar Design de Comunicação na Escola Superior de Belas-Artes. No final dos anos 1980 começou a colaborar com o semanário O Independente, tornando-se depois fotógrafo residente da revista K, para a qual faria ensaios fotográficos. Desde essa altura, e ao longo dos anos, colaborou com criadores e revistas de moda (Marie Claire, Elle ou Vogue), e com marcas ou eventos como a ModaLisboa, a ExperimentaDesign ou os Encontros de Fotografia de Coimbra, criando imagens para campanhas, catálogos e exposições.

A meio dos anos 1990 optou assumidamente por não se dedicar em exclusivo à moda, depois de uma permanência em Paris onde experienciou o circuito internacional. “Perde-se o tempo a fazer contactos, na vida social, e já não se está a fazer fotografia, gastam-se as energias a lutar por uma ascensão na carreira”, explicaria ao PÚBLICO na referida entrevista de 1999. Começou então a trabalhar com a indústria da música, fotografando artistas e bandas (Samuel Úria, Orelha Negra, JP Simões, Ana Moura, Sam The Kid), concebendo capas de discos (GNR, Orelha Negra, JP Simões, Carlos Bica, Belle Chase Hotel, Laginha & Sassetti, Rodrigo Leão) e realizando inúmeros videoclipes (Xutos & Pontapés, Orelha Negra, Buraka Som Sistema, Sétima Legião, Belle Chase Hotel, David Fonseca, Sam The Kid, Júlio Resende, Maria João, Sérgio Godinho, Camané, Rádio Macau, Ladrões do Tempo, Cool Hipnoise, Rodrigo Leão, João Paulo ou Carlos Bica).

Quem trabalhou com ele muitas vezes foi o músico e cantor David Fonseca. “Cheguei ao Pedro pelo trabalho dele, por causa de um vídeo que ele tinha feito para os Belle Chase Hotel do qual gostei muito", recorda ao PÚBLICO. "A nossa colaboração artística começou com o To give, dos Silence 4. Depois fiz mais seis vídeos com ele, já no meu percurso a solo." Uma longa colaboração que se deve sobretudo a dois motivos: "Por um lado, gostava muito dele como pessoa, adorava estar com ele à conversa. E, por outro, era incrível a forma como trazia coisas diferentes para trabalharmos. Estávamos a criar um vídeo, mas falávamos de pintura, de Antonioni, e de outros universos dele que, aparentemente nada tinham que ver, mas que acabavam por fazer sentido. Havia uma base artística forte no que fazíamos e nada comercial. E depois achava-o um fotógrafo fora de série, como pude constatar na exposição da Casa Fernando Pessoa."

A música era uma das suas maiores inspirações. Em 2015, a propósito da edição de um livro de fotografias da Taschen sobre os Rolling Stones dizia no suplemento Ipsílon: “As melhores bandas são aquelas que criam a sua própria história, criam a situação específica em que surgem e abraçam o seu agora.” Sem a música, dizia, não teria chegado às outras artes: não prescindia, enquanto melómano, do jazz de Charles Mingus, do reflexo de David Bowie, do funk de George Clinton, do humanismo de Joni Mitchell, do rock dos The Fall ou da voz de Frank Sinatra. Para além da música, a sua outra paixão era o cinema, em particular o de Antonioni de A Aventura. “O meu interesse pelas artes visuais acendeu-se ali”, dizia. “E quando falo em artes visuais falo em quase tudo. Relacionava aquelas imagens com fotografia, música, pintura ou escultura.”

Em 2001, expunha ao PÚBLICO que quando trabalhava com a música não lhe interessava meramente retratar os grupos ou as canções, mas sim recriar o universo que lhe era sugerido. Não se via como um mero executante, a sua assinatura era vincada e autoral. “Não me cinjo à banda como fonte de ideias. Tento gerar as ideias confrontando a estética da banda com outros esquemas, outros mundos e outras influências que caibam dentro dessa latitude, mas que sejam sempre o mais surpreendentes possível.”

Há dois anos, foi um dos fotógrafos contemplados na série de televisão Entre Imagens, do realizador Pedro Macedo e de Sérgio Mah, dedicada a 13 autores contemporâneos (António Júlio Duarte, Edgar Martins, Augusto Brázio, Jorge Molder, Daniel Blaufuks ou João Tabarra) que usam a fotografia como principal suporte.

Tinha dois filhos com a ex-bailarina e professora de dança Madalena Silva. O corpo estará esta sexta-feira a partir das 12h na Igreja de S. João de Deus, em Lisboa. Sábado parte às 13h para o Alto de S. João, onde será cremado às 14h. Com Sérgio B. Gomes

 

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