José Pedro Croft junta-se a Siza na representação portuguesa nas próximas bienais de Veneza
Artista plástico vai projectar uma fonte e uma instalação efémera para a praça junto à urbanização do arquitecto português na ilha da Giudecca.
Já sabíamos que Portugal vai estar representado na Bienal de Arquitectura de Veneza deste ano por Álvaro Siza, a retomar (e terminar) um projecto de habitação social que tem já mais de 30 anos, na ilha da Giudecca, e cuja conclusão tinha ficado pelo caminho. Esta segunda-feira, a Direcção-Geral das Artes (DGArtes) anunciou que a presença portuguesa na Bienal das Artes de 2017 na cidade italiana vai manter-se associada à do corrente ano, e que o artista convidado será José Pedro Croft (n. Porto, 1957), uma escolha do comissário João Pinharanda.
O anúncio foi feito no Porto, na livraria Circo de Ideias, instalada no Bairro da Bouça, um dos projectos mais emblemáticos da carreira de Siza nos domínios da habitação social, e que ficou, de algum modo, como emblema do Programa SAAL, desenvolvido no país nos dois anos imediatos ao 25 de Abril de 1974.
O director-geral das Artes Carlos Moura Carvalho, autor das escolhas e comissário geral das presenças portuguesas nas bienais de Veneza, justificou este encadeamento com as vantagens no ganho de tempo, e também porque “permite uma abordagem inovadora pela arquitectura e pelas artes de uma temática muito actual", além de permitir uma mais eficaz estratégia de "planeamento, promoção, comunicação e captação de apoios".
Uma estratégia que foi aceite e ratificada pelo ministro da Cultura, João Soares, que – também presente na Circo de Ideias – elogiou “as escolhas de mérito” da DGArtes, feitas ainda no tempo do anterior Governo PSD-CDS/PP, e também “o trabalho notável dos curadores”: Pinharanda, no caso das Artes, e os arquitectos Nuno Grande e Roberto Cremascoli, no caso da Arquitectura.
Numa primeira apresentação do seu projecto para Veneza, José Pedro Croft – que em 2014 foi alvo de uma importante exposição em Lisboa, Objectos Imediatos, dividida entre a Cordoaria Nacional e a Fundação Carmona e Costa – disse que ele se desenvolverá em dois momentos: “uma obra de carácter perene”, que será uma fonte a instalar na Praça de Marte, no centro da urbanização que inclui os dois edifícios de Siza; e “uma intervenção efémera, de carácter monumental”, que ficará num dos lados dessa praça, e durará apenas os meses da bienal.
Depois de manifestar a sua satisfação por poder “dialogar e colaborar com Siza” – uma relação cuja ponte será feita no local pelo arquitecto italiano Roberto Cremascoli –, o artista plástico referiu também o privilégio de “ter um ano para preparar a bienal”, e de trabalhar com desenhos e maquetas, que são sempre “coisas muito complexas de resolver quando se trata de esculturas de exterior”.
João Pinharanda, curador e actual adido cultural da Embaixada de Portugal em Paris, realçou a importância de a presença portuguesa nas duas bienais de Veneza ir realizar-se “numa cidade real e ainda com autenticidade” – a Giudecca fica em frente à Praça de São Marcos e tem ainda uma população local de cerca de 6.500 habitantes, afastada e liberta do bulício e dos efeitos do turismo.
Regresso aos lugares da arquitectura
A contactar nas últimas semanas com a realidade social actual dos moradores que habitam as casas que projectou nos quatro lugares que vão ser revisitados no Pavilhão de Portugal em Veneza – Giudecca, Berlim e Haia, além do Porto – esteve Álvaro Siza, que agora deu testemunho dessa “experiência gratificante”.
Regressado, no final da semana passada, da Holanda e da Alemanha, onde completou um circuito iniciado em Fevereiro em Veneza, o arquitecto da Bouça relembrou como esses projectos resultaram da sua participação no Programa SAAL. E como o caso particular do Bairro da Bouça determinou a sua escolha, por exemplo, para projectar a urbanização em Haia, cujo autarca veio então ao Porto estudar a implantação deste projecto de habitação social numa zona degradada da cidade.
“Quando fui trabalhar para Haia, metade dos habitantes [do bairro em causa] eram imigrantes e outro tanto eram holandeses; agora há 90% de imigrantes, e muito mais variedade de etnias: marroquinos, sírios, indianos…; holandeses quase não há”, disse Siza, que, no entanto, não se apercebeu de qualquer “atmosfera de conflito”.
E o arquitecto lembrou que, quando projectou as casas para a capital holandesa, se recusou a fazê-las diferentes para islâmicos e europeus, como lhe tinham sugerido. "Em diálogo com os moradores de diferentes origens, chegámos a uma solução comum", disse.
A habitação social continua, de resto, a constituir uma das preocupações de Siza, que lembrou ser este um tema que parece “voltar a ser importante” e está a regressar à agenda da política e da própria arquitectura – referiu, a título de exemplo, a atribuição do último prémio Pritzker ao arquitecto chileno Alejandre Aravena.
Dessa necessidade de voltar a trabalhar sobre uma arquitectura de vizinhança falaram também Roberto Cremascoli e Nuno Grande – uma preocupação expressa no título do programa que conceberam para a Bienal de Veneza, Neighbourhood. Where Alvaro Meets Aldo. Ou seja, o reencontro do arquitecto português nascido em 1933 com o italiano Aldo Rossi (1931-1997), também associado desde o início ao projecto urbanístico da Giudecca, a que se juntaram depois o também italiano Carlo Aymonino (1926-2010) e o espanhol Rafael Moneo (n. 1937).
“Se não há arquitecto em Portugal que conheça melhor este tema do que Siza, também não há nenhum Pritzker no mundo tão envolvido como ele com a habitação social e com as questões da cidadania na Europa, hoje agravadas com os problemas da imigração”, salientou Nuno Grande.