Gregorio Duvivier de todas as maneiras e sem estilo
O humorista de Porta dos Fundos é o “flavour of the month” em Portugal. Lança um livro de crónicas, percorre o país com a peça Uma Noite na Lua e faz stand-up poético em Óbidos.
O escritor, humorista e actor-sócio fundador do colectivo Porta dos Fundos é o “flavour of the month”. Lançará um livro de crónicas pela Tinta-da-China, fará um espectáculo de “stand-up poetry” no Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos (a 23 de Outubro) e andará em tournée pelo país com a peça de teatro Uma Noite na Lua – monólogo escrito e encenado por João Falcão.
“Estou há três anos com esse espectáculo, fizemos mais de 30 cidades no Brasil, foi uma temporada muito longa. Em algumas cidades, como Rio e São Paulo, ficámos meses em cartaz. Há muito que queria trazer essa peça a Portugal”, conta Gregorio Duvivier ao PÚBLICO, sentado num dos bancos do Jardim do Torel, com a vista para a praia urbana de Lisboa.
Pela sua interpretação deste monólogo, onde passa numa hora por todas as emoções por que um ser humano pode passar numa vida inteira, Gregório Duvivier ganhou o prémio brasileiro APTR de Melhor Actor. Em Uma Noite na Lua, um escritor anda às voltas com uma peça de teatro que está a escrever e com as saudades da vida que teve com a ex-mulher. A tournée portuguesa começa em São Miguel, nos Açores, a 16 de Outubro, e segue para a Gafanha da Nazaré (dias 17 e 18), Vila Real (dia 20), Braga (21), Faro (22), Caldas da Rainha (24), Lisboa (27 e 28), Leiria (29), Figueira da Foz (30) e Porto (31 de Outubro e 1 de Novembro).
Mas antes de percorrer as estradas e os palcos portugueses, Gregorio Duvivier estará em Lisboa para tratar de outros assuntos. Depois de ter publicado no Brasil dois livros de poesia – A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora (ed. 7Letras) e Ligue os pontos - Poemas de amor e Big Bang (ed. Companhia das Letras) –, e um livro de crónicas – Put Some Farofa (ed. Companhia das Letras) onde reunia alguns dos textos que publica semanalmente no jornal brasileiro Folha de São Paulo – o escritor brasileiro publicará em Portugal, pela Tinta-da-China, um novo livro de crónicas: Caviar é uma Ova.
O lançamento está marcado para 14 de Outubro, às 19h, no Salão Nobre do Teatro D.Maria II, em Lisboa, com apresentação de Ricardo Araújo Pereira. É aliás do humorista português a frase que se lê na contracapa: “Quatrocentos anos depois de Gregório de Matos, o Brasil produz outro magnífico Gregorio de olhar igualmente poético e malandro, doce e satírico, melancólico e mordaz. É um país muito estranho.”
O livro, que chegará às lojas a 16 de Outubro, reúne as crónicas publicadas por Gregorio Duvivier na Folha de São Paulo entre Julho de 2013 e Agosto de 2015. “No livro de crónicas que saiu no Brasil, Put Some Farofa, parei em Agosto do ano passado. Caviar é uma Ova tem, além dessas, um ano inteiro de crónicas inéditas. São as crónicas completas até ao presente.”
Na última crónica de Caviar é uma Ova, intitulada Aquele mamão mofado, Gregorio conta: “Fui reunir as crônicas para ver se lanço um livro novo e ganho um cascalho extra nesse fim de ano. Da tela, vinha um estranho cheiro de fruta podre. As crônicas que escrevi ao longo do ano agora apodreciam no monitor como aquele mamão que eu comprei achando que seria uma boa ideia passar a comer mamão e agora o mamão parece um quadro de Romero Britto, amarelo, laranja, azul e roxo. Resolvi que a crônica de hoje seria anacrónica: desengajada, despropositada, imperecível. Uma crónica que não fosse um mamão mas uma margarina - já perceberam que aquilo não estraga nunca?”.
Enquanto estava a reler as crónicas para este livro, Gregorio Duvivier teve dúvidas - algumas poderiam não interessar aos leitores portugueses por estarem datadas. Mas a editora quis publicar todas. “Bárbara Bulhosa disse que era precisamente isso que era interessante. Defendeu que as crónicas retratam o momento, explicam alguma coisa, são um retrato do Brasil e que quando alguém as lê, fica a entender mais sobre o país. Vão ter notas no final, quando for algo muito específico, mas não se vai mudar nada. Afinal o datado nem sempre fica mofado…”, brinca o humorista.
Proibido repetir
E ao reler-se, o que descobriu Gregorio? “Descobri que sou meio esquizofrénico. Uma crónica não tem nada a ver com outra, não tem um estilo. Fico feliz porque o Millôr Fernandes dizia que era ‘o primeiro escritor sem estilo’, talvez eu tenha tentado seguir nessa linha. Porque não tenho estilo, uma crónica é em diálogos, a outra é narrativa e a outra é mais poética, em versos, não tem uma unidade. Pensei que fosse mais obsessivo, mais repetitivo, vi na verdade que não. É bem vasto, é quase um almanaque.”
Diz que o que mais preocupa o colectivo Porta dos Fundos é o medo de deixarem de ser surpreendentes. Para eles, o proibido é a repetição porque o mais nocivo para o humor é ficar engessado. Gregório preocupa-se com isso também nas suas crónicas, em não “engessar” um estilo, em não “engessar” num género. “O lugar da crónica deve ser o da surpresa. Gosto de falar do que não está sendo contemplado no resto do jornal e a Folha de São Paulo me dá essa liberdade”, acrescenta.
A crónica de onde saiu o título para este novo livro chama-se Serhumanidade e começa assim: “Toda semana um colunista da Veja escreve sobre mim. O truque é baixo: colocam Porta dos Fundos no título para atrair cliques, põem meu texto na íntegra para quem quiser lê-lo sem que nem eu nem a Folha ganhemos nada com isso e enchem de menções à ‘ameaça comunista que o Brasil está sofrendo desde que se tornou uma Venuzuela graças à ocupação petralha’. Clique, clique, clique. Pra começar, caviar não me representa - nunca a vi, nem comi, eu só ouço falar. Esquerda-caviar é uma ova - literalmente. Entendo a metáfora, mas acho que não se aplica a essa nova esquerda ‘hipster’ que vocês tanto odeiam.”
Depois, até ao final do texto, com muito humor, Gregorio Duvivier defende que não vale a pena perderem tempo a criticar a sua posição política porque ela muda ao longo dos dias - de acordo com o psicotrópico que ele ande a tomar.
O escritor conta ao PÚBLICO que sempre foi muito “carente de aprovação” mas por causa da reacção às suas crónicas está “a aprender a se desapegar” da opinião dos leitores “porque realmente é foda!”. Embora diga que no Porta dos Fundos já tivesse aprendido “a não se importar em desagradar determinados sectores”.
“Se uma pessoa que admiro me vem dizer que escorreguei, que não devia ter falado isso, realmente levo em conta, fico triste, tento mudar. Agora quando é Marco Feliciano, um pastor homofóbico brasileiro, deputado, que me processa como já aconteceu no Porta dos Fundos, só tenho a agradecer porque ele mostra que estou na direcção certa. Determinadas críticas são bênçãos, são sinais de que você está fazendo a coisa certa. Quando os sectores mais conservadores do Brasil me xingam, ou entram numa acção como a da Veja, é um farol, um lugar que tenho de seguir. No outro dia um colunista da Veja defendeu: vamos boicotar Chico Buarque, Gregorio Duvivier e companhia. Eu pensei: ‘Uau, olha só essa frase, vou emoldurar isso’. Esse tipo de críticas só me faz perceber que estou do lado das pessoas certas.”
Não quer ajudar? Não atrapalha
Como cidadão, Gregorio Duvivier tem tentado lutado por aquilo em que acredita. Numa das crónicas deste seu livro defende: “Quem não faz nada para mudar o mundo está sempre muito empenhado em provar que a pessoa que faz alguma coisa está errada - melhor seria se usasse essa energia para tentar mudar, de fato, alguma coisa. Como diria minha avó: não quer ajudar, não atrapalha.”
O actor fez campanha pela maioridade penal (a idade a partir da qual um cidadão responde enquanto adulto perante a lei) e tem feito campanha pela liberalização das drogas, sem medo. “A cultura no Brasil é muito dependente do dinheiro privado, dos patrocínios e sobretudo de contratos publicitários. Por isso a maioria dos artistas não se posiciona por razões financeiras. Outros trabalham na Globo, por exemplo, empresa que pede para os artistas não se posicionarem. Então há uma classe artística no Brasil pouco politizada. Uma das coisas que me alegra em Portugal é perceber que as pessoas são politizadas, à direita ou à esquerda. Há programas de debates, como o Governo Sombra, por exemplo, com pessoas de direita e de esquerda. Isso é muito saudável, a direita e a esquerda estarem ali, juntas, na mesma mesa. No Brasil você não tem isso”, afirma Duvivier.
“Até porque quase todo o mundo é de direita no Brasil, até a esquerda. Tal como dizia Millôr Fernandes: ‘Não gosto da direita porque ela é de direita, e não gosto da esquerda porque ela é de direita’. O Partido dos Trabalhadores fez um governo de esquerda? Fez legal, fez muito melhor do que outros governos, incluiu gente de toda a sociedade mas fê-lo através do consumo, do capitalismo. Podemos dizer que esse é um projecto de esquerda? Não é.”
Entretanto, no Porta dos Fundos, estreou-se em Agosto o Porta Afora – um novo canal sobre viagens e turismo gravado na casa do apresentador Fábio Porchat. É o primeiro de uma série de canais que querem desenvolver no YouTube e Gregorio Duvivier ficará responsável por um deles: o canal político que lançarão em breve.
“Vou fazer um canal de sátira política, com comentários políticos da semana”, explica. Há algum motivo para isso? “O motivo é que o Brasil está um caos mesmo. A ideia não é explicar mas confundir. O músico Tom Zé disse no outro dia uma frase muito boa: ‘Quem não está confuso é porque não está bem informado’. No Brasil as pessoas estão pouco confusas, estão muito certas e esse é o problema. A ideia é fazer um programa de humor que as confunda um pouco, que lhes tire algumas dessas certezas”, afirma. Explica melhor o que quer dizer: uns têm a certeza que se tirarem o Partido dos Trabalhadores (PT) do poder se acabam os problemas; outros acreditam que se o PT acabar vão continuar os problemas porque o partido veio para salvar o Brasil e o tirar do Terceiro Mundo. Não há meio-termo. Faltam no Brasil pessoas que duvidem um pouco de tantas certezas absolutas.
Gregorio Duvivier acredita que em Portugal o humor está numa fase mais avançada. “Os humoristas aqui são mais corajosos, são mais políticos e a política leva mais a sério o humor também. Os políticos vão falar com humoristas [como os Gato Fedorento]. Isso é uma coisa impensável no Brasil, veja se Dilma [Rousseff] foi falar com algum humorista…”