Fórmulas resolventes, passos atrás

O balanço possível de um concurso nacional que ficou muito aquém dos pergaminhos que o Curtas construiu ao longo dos anos.

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Por Diabos, de Carlos Amaral, um esforço interessante de ficção a partir das tradições de Trás-os-Montes
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Ditos e Feitos de Nasreddin II, de Pierre-Marie Goulet: pouco mais do que uma penosa versão dos Malucos do Riso num Al-Andaluz fajuto
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Pedro, de André Santos e Marco Leão: tecnicamente correcto, mas sem personalidade própria
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Cidade Pequena, de Diogo Costa Amarante alinha uma série de lugares-comuns da curta-metragem nacional
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Zootrópio, de Tiago Rosa-Rosso, é engenhoso, mas só durante alguns minutos

Quando, na noite de sábado, o Curtas Vila do Conde mostrou a concurso Ditos e Feitos de Nasreddin II, de Pierre-Marie Goulet – pouco mais do que uma penosa versão dos Malucos do Riso num Al-Andaluz fajuto reconstruído com parcos meios, mesmo que fotografado com primor por Acácio de Almeida –, caiu o pano sobre uma das menos felizes selecções da Competição Nacional de que temos memória no certame. Não chega invocar a concorrência do IndieLisboa (cuja escolha de curtas também não primou pela excelência) nem as presenças em festivais internacionais de Balada de um Batráquio, Ascensão e Campo de Víboras (os dois primeiros também mostrados aqui no Panorama Nacional).

A verdade, muito simplesmente, é que o nível médio da produção escalada para Vila do Conde esteve abaixo da média a que nos foi habituando, e que não se descobriu entre os 16 filmes mostrados uma promessa de futuro comparável à “geração Curtas” que revelou Sandro Aguilar ou Miguel Gomes. Não é um exclusivo da edição 2016, é mesmo algo que já se vem repetindo nas últimas edições, mas ganhou este ano uma dimensão bem mais preocupante – tanto mais quanto a quantidade de realizadores jovens no concurso deste ano faria esperar passos em frente que não se concretizaram.

André Santos e Marco Leão: Pedro não passa de um sub-Alain Guiraudie cruzado de João Salaviza, tecnicamente correcto mas sem personalidade própria, sugerindo uma dupla que não consegue ultrapassar a exposição mais ou menos reconhecível das suas influências. Diogo Costa Amarante: Cidade Pequena alinha uma série de lugares-comuns da curta-metragem nacional, entre silêncios significativos, vozes off prescritivas e composições estéticas cuidadas, que alinha com inteligência mas sobrando-lhe em bom gosto o que lhe falta em inspiração. Rita Barbosa: a sua estreia atrás da câmara com À Noite Fazem-se Amigos prolonga o ambiente familiar que encontramos em muitas curtas da sua produtora O Som e a Fúria, mas ao cuidado visual posto na fotografia e na encenação não corresponde nunca uma direcção narrativa ou uma capacidade de fazer existir personagens. Tiago Rosa-Rosso: Zootrópio e a sua conversa de chacha em circuito fechado é engenhoso durante alguns minutos, mas fica sempre pelo dispositivo conceptual.

Ficou por mencionar um curioso exercício que merece atenção por sair fora do vulgar de Lineu da curta nacional, recorrendo a imagens pré-existentes, o chamado found footage, para criar uma narrativa ficcional. Por Diabos, de Carlos Amaral, é uma espécie de alma gémea de Campo de Víboras que se alimenta das próprias tradições rurais de Trás-os-Montes para criar um ambiente de mistério paredes-meias com o desconfortável. A irresolução e os buracos narrativos resultam em match nulo com a criação visual; é um esforço bem interessante, mas cuja singularidade sobressai numa produção de curtas que parece comprazer-se numa “fórmula resolvente” do que deve ser um filme “de festival”. Uma pena, sobretudo quando a Competição Nacional é hoje muito mais a “secção nobre” do Curtas, “montra” de uma produção que ganhou uma merecida reputação internacional.

Se formos a comparar com as propostas das competições internacional e experimental – e se já falámos de Konstantina Kotzamani ou Nadav Lapid, não podemos deixar em branco a exibição de filmes como The Illinois Parables, de Deborah Stratman, Münster, de Martin le Chevallier, Retrospective, de Salla Tykkä ou We Make Couples, de Mike Hoolboom –, as “montras” nacionais (do Curtas mas não só) têm vindo a mostrar uma “baixa de rendimento” qualitativo bastante preocupante. Os 25 anos do Curtas celebram-se em 2017, era bom que a tendência se invertesse, sob pena de esvaziar a importância de um festival que se tornou num dos pontos de paragem mais significativos do cinema que se faz entre nós.

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