Eles dão vida a um palco

Quatro perfis de criadores sub-50 que têm activado a cenografia nacional - que parece estar a viver os seus dias de fama: José Capela, Catarina Barros, F. Ribeiro, Ângela Rocha.

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Pedro Valdez/Arquivo

Tantas vezes relegada para segundo plano, a cenografia parecer estar a viver os seus dias de fama, sobretudo a Norte.

A 39ª edição do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), a decorrer até dia 19, tem como um dos eixos temáticos a cenografia, com exposições (incluindo uma do lendário escultor-cenógrafo José Rodrigues), masterclasses e conversas pós-espectáculo dirigidas por cenógrafos, numa parceria com a APCEN, Associação Portuguesa de Cenografia. Em Abril, inaugurou no Mosteiro de S. Bento da Vitória a exposição permanente Noites Brancas, organizada pelo Teatro Nacional São João, onde estão reunidas cenografias assinadas por Nuno Carinhas, João Mendes Ribeiro, Pedro Tudela e Giorgio Barberio Corsetti para espectáculos de Ricardo Pais e Nuno Carinhas (visitável de segunda a sexta, ao 12h). E há ainda os concertos cenografados no Cultura em Expansão, programa da Câmara Municipal do Porto.

À boleia dos acontecimentos, falámos com quatro cenógrafos sub-50, que em anos recentes têm activado o circuito da cenografia nacional: José Capela, da mala voadora, Catarina Barros, ligada sobretudo ao Teatro Experimental do Porto (TEP), Fernando Ribeiro (F. Ribeiro), braço direito do encenador Nuno Cardoso (Ao Cabo Teatro) e do coreógrafo Victor Hugo Pontes, e Ângela Rocha, aliada dos encenadores Tiago Rodrigues, também director artístico do Teatro Nacional D. Maria II, e Gonçalo Waddington. Eles também dão vida a um palco, mesmo quando não há palmas no fim para a cenografia (e o mesmo se pode dizer dos desenhadores de luz e de som, outros dos trabalhadores invisíveis das artes performativas).

Tem-se dado mais atenção à cenografia, dizem os entrevistados. Mas isso não se tem traduzido numa melhoria das condições de trabalho, cada vez mais débeis. E são essas as palmas que eles querem ouvir no fim. “Muito dinheiro não é sinónimo de uma boa cenografia, mas sem ele estás sempre em angústia”, afirma Catarina Barros. Todos eles têm de fazer cedências por causa dos limites orçamentais, numa área que é das primeiras a ser afectada quando as economias das companhias entram em subnutrição – não é por acaso que hoje há vários actores e encenadores a acumular tarefas, da cenografia aos figurinos ou ao desenho de luz, e móveis do IKEA nos espectáculos. Para Fernando Ribeiro, os cortes nos orçamentos dos teatros nacionais também não ajudam. “Fazer um cenário hoje no Teatro Nacional São João ou no D. Maria II é bem diferente do que era há dez anos. Gastava-se o triplo.” (observação que pode ser colocada em prática na exposição Noites Brancas, onde há vários cenários dos inícios da década de 2000).

Foi também para reflectir sobre estas questões orçamentais que Gonçalo Amorim decidiu dar protagonismo à cenografia nesta edição do FITEI, do qual é director artístico desde o ano passado. “A cenografia depende dos materiais e da compra desses materiais para a sua execução, e facilmente se corta aí para se poder pagar outras partes do espectáculo”, diz o também director e encenador do TEP.

“Há um certo desrespeito pelas diferentes áreas do teatro e da dança. A acumulação de funções numa só pessoa é sobretudo por culpa das contingências financeiras”, acrescenta Gonçalo Amorim. Contingências essas, a par da falta de tempo, que acabam também por triturar o lado mais experimental da cenografia e do próprio teatro, referem José Capela e Ângela Rocha. E por afectar “uma ideia de comunidade” e uma economia local à volta da actividade teatral, nota o director do FITEI. “Entre outras coisas, os cenógrafos usam gráficas, recorrem a marceneiros, carpinteiros.”

O cenário não é cor-de-rosa, mas, apesar dos obstáculos, “há bons cenógrafos em Portugal”, assinala Gonçalo Amorim. Contudo, é preciso prestar atenção a quem está a sair das escolas e não arranja trabalho na área, factor que põe em causa a renovação do circuito. Diz Catarina Barros: “Corremos o risco de daqui a uns anos só termos encenadores e actores, e isso não é teatro na sua totalidade.”

 

José Capela: sabotar a realidade – e a ficção

Falar hoje sobre cenografia em Portugal é falar dele. Pirandello, que lhe valeu um prémio da SPA, volta aos palcos esta sexta, no Porto.

 

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Paulo Pimenta

Não se tornou cenógrafo à força, mas quase (e a história acabou ter um final feliz, prémios SPA à parte). Quando se aproximou do teatro, durante o curso de arquitectura, não lidava nada bem com a cenografia. “Acho que o meu problema tinha a ver com o facto de ser arquitecto. Lembro-me de ir ver espectáculos e de sentir um confronto muito incómodo entre a arquitectura do palco e a da sala”, recorda. Depois de uma experiência inicial no Teatro Universitário do Porto, onde desenhava o material gráfico e os figurinos, fundou, em 2002, a mala voadora com Jorge Andrade. Aí teve de encarar a cenografia com as próprias mãos. “Nunca tinha pensado em fazer cenografia, mas era o papel que eu podia ter na companhia.”

Passou algum tempo em estado de negação, mas acabou por ceder – e por se tornar, rapidamente, num dos cenógrafos mais inventivos de uma geração mais recente do teatro português, com uma cosmogonia muito particular. Tanto em cenografias para a mala voadora como para outros encenadores e companhias, entre eles o Teatro Praga, a Companhia Maior e o colectivo britânico Third Angel.

Os trabalhos de Capela denunciam a sua forte aproximação às artes visuais e a determinados instrumentos utilizados em arquitectura, num delicioso e imprevisível jogo de sabotagem com perspectivas e camuflagens, escalas e dimensões (como em Pirandello), com os sistemas de representação que existem dentro e fora do teatro e a ideia histórica de ver o espectáculo através de uma janela (“a cena como uma imagem”).

São cenários que trabalham a ambiguidade e as fronteiras entre realidade e ficção, entre representação e ilusão. O que está em profunda sintonia com a linha dramatúrgica da mala voadora, e a vertigem da metateatralidade, resultando numa contaminação constante entre o cenário e a dramaturgia. “Esse território entre o que é verdadeiro ou falso, entre o que é a realidade e a representação da realidade é claro no Pirandello”, diz o cenógrafo de 47 anos. Este espectáculo, que lhe valeu o prémio para Melhor Trabalho Cenográfico da SPA do ano passado (juntamente com alguns minutos de fama na televisão portuguesa), regressa aos palcos esta sexta e este sábado, no Rivoli, cortesia do FITEI, que na edição anterior trouxe ao Porto Hamlet (2014), outra cenografia admirável de Capela. É uma boca de cena repetida cinco vezes, com telões que sugerem uma imersão tridimensional no teatro, como se fosse uma pintura em movimento.

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Hamlet. Os trabalhos de Capela denunciam a sua forte aproximação às artes visuais e a instrumentos utilizados em arquitectura, num delicioso e imprevisível jogo de sabotagem com perspectivas e camuflagens, escalas e dimensões Paulo Pimenta

“Interessa-me muito cruzar o dispositivo do palco à italiana, um dispositivo com 600 anos, com aquilo que são os mecanismos de processamento de imagens contemporâneos. Há aqui uma coincidência entre o facto de o espaço do dispositivo do teatro ter nascido da invenção da maneira de fazer imagem e o facto de nós próprios vivermos imersos em imagens”, explica Capela, que foi acusado de plagiar em Hamlet um cenário de Michael Levine para uma encenação de Don Giovanni. Mas acabou tudo bem. “Estou à vontade nestas questões porque quando copio assumo, e gosto de copiar. Acho que a cópia é um território maravilhoso de estratégias artísticas.”

Uma abertura de espírito e desapego pelas hierarquias não muito comuns no contexto global da cenografia nacional, que José Capela (também professor de cenografia e arquitectura na Universidade do Minho) ainda considera conservadora. “O conservadorismo também tem que existir, na verdade. O que acho que falta realmente é uma cultura de experimentação.” E mais apoios. “Acho que há uma inércia do Estado no que toca à política de subsídios. Deviam dar os melhores apoios a quem está a produzir trabalho mais relevante artisticamente. Isso afecta a cenografia como tudo o resto”, defende o cenógrafo, num panorama em que a mala voadora não sai ilesa.

Além disso, a vida da estrutura tornou-se ainda mais difícil desde que criaram, em 2013, uma sede no Porto com programação regular. “Às vezes temos de contar tostões de uma maneira insuportável, e estamos a fazer serviço público. Do ponto de vista da criação somos apoiados pelo Estado. No que diz respeito à mala voadora. porto, acho que a Câmara Municipal do Porto deveria ter, como é óbvio, uma grande responsabilidade.”

 

Catarina Barros e o compromisso político

Com ela, os cenários também fazem crítica anticapitalista. E sem ela, o TEP já não seria a mesma coisa. Fala de uma profissão sem fundos, em risco de extinção.

 

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Paulo Pimenta

Catarina trabalha há quase vinte anos em cenografia, mas continua a ter de contar tostões – para fazer cenários e para fazer uma vida.

Aos 38 anos (na precariedade laboral é-se para sempre jovem), ainda há a história dos dois ou três turnos por dia, de dormir cinco horas, de trabalhar em companhias com orçamentos de dois mil euros para a cenografia, com o IVA a 23%. “Muito dinheiro não é sinónimo de uma boa cenografia, mas sem ele estás sempre em angústia”, diz. Contabilidade criativa, no linguajar do empreendedorismo. “Estar sempre a fazer cedências e a mudar as ideias iniciais”, na vida real.

O trabalho de Catarina Barros tem uma forte marca identitária – e se há uma vida antes e depois do encenador Gonçalo Amorim nos anos recentes do Teatro Experimental do Porto (TEP), há também um período pré e pós Catarina Barros. Ainda assim, ganha hoje o mesmo a desenhar e a conceber cenários e figurinos do que ganhava há 15 anos “a ser assistente de alguém” (e foi-o várias vezes no Teatro Nacional São João, durante as duas direcções de Ricardo Pais). “Nesse sentido não há evolução na carreira. Estamos numa fase má”, afirma.

“Se eu, que trabalho há quase vinte anos nisto, não consigo pagar a assistentes, as pessoas que acabam os cursos nunca mais conseguem ter formação prática e trabalhar na área.” O que torna o tecido de cenógrafos cada vez mais fechado, sem renovação. “Mesmo os da minha geração vão desistindo, porque as companhias não têm dinheiro e a primeira coisa a saltar é a cenografia. Corremos o risco de daqui a uns anos só termos encenadores e actores, e isso não é teatro na sua totalidade”, adverte a cenógrafa, que também dá aulas na Academia Contemporânea do Espectáculo, onde iniciou o percurso profissional ao lado da irmã Cátia Barros, igualmente cenógrafa e figurinista, seguindo-se As Boas Raparigas.

Para Catarina é urgente mais consciência de classe e uma mudança nas políticas culturais. Tanto da parte do Estado, sobretudo no que toca a engordar os orçamentos atribuídos às companhias e às escolas de teatro, como das autarquias. O Porto está a viver uma espécie de estado de graça nas artes performativas, em boa parte por causa da reactivação do Teatro Municipal, mas entre os progressos alcançados e o fogo-de-artifício, Catarina não sabe que rasto vai ficar. “Tenho medo que não seja nenhum porque as condições não estão a melhorar. As co-produções são positivas mas não chegam.”

Esta inquietação política é transportada para os cenários que faz no TEP, companhia com assumida agenda de esquerda. “Um cenário só pode marcar um tempo político e social. Os espaços que escolhemos não são por acaso”, assinala Catarina. N’O Animador (com o qual foi nomeada para o prémio de Melhor Trabalho Cenográfico da SPA do ano passado) estávamos nos anos 50, à mesa de uma família a sofrer na pele os vestígios do pós-guerra e a beber para esquecer, ao mesmo tempo que tinham a revolução tecnológica a entrar-lhes em casa, com a sociedade de consumo a preparar-se para conquistar o mundo. “Como não tinham dinheiro para comprar nada, iam à máquina de vending tirar miniaturas”.

Na próxima criação do TEP, Nunca Mates o Mandarim, adaptação e encenação a partir de O Mandarim de Eça de Queirós, em estreia no FITEI (9 a 19 no TNSJ), vai haver cofres a fazer de malas e arranha-céus em miniatura a fazer de Pequim – a Pequim de hoje, engolida por multidões atordoadas pelo capitalismo de comité central, não a Pequim do texto de Eça, do século XIX. No trabalho de Catarina, a cenografia não funciona como uma simples aresta da dramaturgia, mas como um transmissor de mensagens que estão nas entrelinhas do texto, sempre em contacto com as problemáticas sociais contemporâneas. O que também acaba por fazer, “de outras maneiras” (mais intimistas, menos insurgentes), nos espectáculos da Mundo Razoável, de Marta Freitas, a outra relação séria.

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Pantagruel. No trabalho de Catarina, a cenografia não funciona como simples aresta da dramaturgia, mas como transmissor de mensagens que estão nas entrelinhas do texto, sempre em contacto com as problemáticas sociais contemporâneas Diogo Baptista

Além da estreia do TEP, Catarina está de momento em mais duas frentes: no âmbito do FITEI, expõe no Círculo Católico de Operários a mesa colossal que fez para Pantagruel (TEP, 2015), e prepara a cenografia que vai apresentar no concerto de B Fachada no dia 9 de Julho em Campanhã, em mais um capítulo do programa camarário Cultura em Expansão. A cenografia está a viver os seus dias de fama, mas Catarina não se deixa iludir. “Isso não se traduz em mais trabalho e mais dinheiro. Se calhar um dia temos de parar de trabalhar só para conseguir sobreviver, por amor à camisola. Para que as coisas mudem mesmo.”

 

F. Ribeiro: entre o teatro e a dança

Nos anos 90, num corredor da escola, virou à esquerda para ser cenógrafo em vez de actor. Hoje é o braço direito, inconfundível, de Nuno Cardoso e Victor Hugo Pontes.

 

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Miguel Manso

Fernando Ribeiro decidiu ser cenógrafo “em trinta segundos”. Nos anos 90 candidatou-se aos cursos de interpretação e de cenografia da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. As provas calharam em simultâneo. Teve de escolher, em pleno corredor da escola, nos tais trinta segundos, se virava à direita – ser actor – ou se virava à esquerda – ser cenógrafo. Virou à esquerda, e já passaram quase vinte anos. Para chegar onde está hoje – um pouco por todo o lado, dos teatros nacionais aos municipais, mas neste momento, concretamente falando, está no Teatro Camões, com os joelhos e as mãos manchadas (porque ser cenógrafo também é fazer trabalho de trolha) depois de um dia de montagens do cenário da próxima criação de Victor Hugo Pontes, Carnaval – foram precisos “mais de dez anos de luta e teimosia”. Porque para sobreviver em cenografia “é preciso gostar mesmo do que se faz” (e não ter grandes aspirações financeiras). “No início fazia coisas de borla só para poder mostrar o meu trabalho. Agora é diferente, trabalho puxa trabalho. Já tenho o resto do ano e metade do próximo preenchidos”, conta o cenógrafo de 39 anos.

É de facto diferente. Com um trabalho particularmente consistente, Fernando Ribeiro (F. Ribeiro nas fichas técnicas) é um dos cenógrafos portugueses mais activos e interessantes dos últimos anos, de uma geração intermédia que veio depois de nomes como José Manuel Castanheira, Nuno Carinhas, João Brites, João Mendes Ribeiro ou Cristina Reis. Esta última, incontornável cenógrafa e figurinista do Teatro da Cornucópia, foi o seu “motor de arranque” para a cenografia, numa altura em que Fernando colaborava com a companhia de Luis Miguel Cintra em várias frentes (e foi aí que surgiram as dúvidas existenciais entre ser actor ou cenógrafo, entretanto resolvidas com aquela manobra rápida à esquerda).

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Coriolano a escadaria que fez para esta encenação foi uma espécie de ponto da situação de uma Europa à beira de um ataque de nervos, referência às manifestações da altura à porta da Assembleia da República, em Lisboa, e da Praça Sintagma, em Atenas Victor Hugo Pontes

Fernando vive em Lisboa mas passa meio ano no Porto, por causa das suas relações mais intensas e duradouras, além de Tónan Quito: Nuno Cardoso, director e encenador da companhia Ao Cabo Teatro, e o coreógrafo Victor Hugo Pontes. Com o primeiro já trabalha desde a Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, num percurso que inclui a memorável escadaria de Coriolano (2014), um ponto da situação de uma Europa à beira de um ataque de nervos, numa referência às manifestações da altura à porta da Assembleia da República, em Lisboa, e da Praça Sintagma, em Atenas, e que valeu ao cenógrafo uma menção especial nos Prémios da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro em 2015; ou, uns anos antes, entre 2008 e 2011, o mergulho catedralesco na trilogia de Anton Tchékhov – e, dentro dela, momentos especiais como os caminhos-de-ferro de Platónov, cenário capaz de sintetizar todas as localizações da obra, e, n’A Gaivota, a concretização do sonho de adolescentes do encenador e do cenógrafo em alagar um palco, com parte do teatro reflectido na água.

O vínculo com Victor Hugo Pontes vem do Ao Cabo Teatro (Hugo Pontes integrou a equipa artística de vários espectáculos de Nuno Cardoso), mas cresceu com a dança. Desde A Ballet Story (2012), peça que nos pôs a olhar para o vimaranense como um coreógrafo de corpo inteiro, que tem sido o braço direito de Victor Hugo Pontes – e daqui nasceu outra história feliz, a simbiose entre a sua cenografia e o desenho de luz de Wilma Moutinho. A próxima colaboração, Carnaval, estreia a 16 no Teatro Camões (subida ao Rivoli dias 1 e 2 de Julho) e partiu da obra Carnaval dos Animais (1886) do compositor francês Camille Saint-Saëns. Em palco vão estar a Orquestra Sinfónica Portuguesa e trinta bailarinos da Companhia Nacional de Bailado, que serão a alavanca do carrossel concebido por Fernando. “Na cenografia de dança trabalho sobre os movimentos dos intérpretes, é algo mais plástico. Na dança é como se estivesse a pintar um quadro, no teatro é como se estivesse a escrever um livro”, diz o cenógrafo, tentando explicar as diferenças entre cenografar as duas disciplinas. O que é comum a ambas é a subtracção cada vez maior dos orçamentos. “Sinto que se tem dado mais importância à cenografia, mas isso não se traduz em mais dinheiro”, nota Fernando Ribeiro. “E não ajuda o facto de os Nacionais terem orçamentos menores. Fazer um cenário hoje no Teatro Nacional São João ou no D. Maria II é bem diferente do que era há dez anos. Gastava-se o triplo.”

 

Ângela Rocha: de uma trilogia a uma tetralogia

Terminou o curso há apenas cinco anos, mas já conseguiu conquistar um lugar. Colabora com Tiago Rodrigues e Gonçalo Waddington, com quem se vai lançar numa tetralogia.

 

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Daniel Rocha

Já teve os seus cenários no Teatro da Bastilha, em Paris, e no Festival D’Avignon – o que poderia não ser um caso assim tão extraordinário se não tivesse 27 anos, um curso de design de cena terminado há apenas cinco, e se não fizesse parte de uma nova geração de teatro a precisar constantemente de oxigénio, em que a cenografia é cada vez mais um bem de luxo, desenrascada em tantas ocasiões por jovens actores que se multiplicam em vários papéis.

Ângela Rocha não sabe explicar muito bem (aliás, nada bem) o momento-chave desta história. Ou seja, quando começou a trabalhar para a companhia Mundo Perfeito, de Tiago Rodrigues, encenador com forte (e merecida) circulação internacional, e director artístico do Teatro Nacional D. Maria II. “Ligaram-me. Não sei o que viram. Já tentei ter esta conversa várias vezes com o Tiago [Rodrigues] para perceber porque é que me contactaram e chegámos ao fim sem falar verdadeiramente do assunto”, conta Ângela. Começou com a cenografia de António e Cleópatra (2014), que passou por Avignon em 2015, seguiu-se a trilogia das tragédias gregas (Ifigénia, Agamémnon e Electra, 2015), e fez a versão francesa de Bovary, apresentada este ano no Teatro da Bastilha.

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Agamémnon. Ângela está ainda a delinear a sua voz autoral, mas o que lhe interessa é criar “ambiências” e não espaços concretos. Uma ideia de porosidade, de algo fluido e aberto MIGUEL MANSO

Além de Tiago Rodrigues, Ângela tem trabalhado com o actor e encenador Gonçalo Waddington – e agora é com ele que se vai lançar noutra prova de fundista, uma tetralogia em jeito de odisseia, onde se procura reflectir sobre a evolução e os retrocessos da espécie humana. O primeiro capítulo, O Nosso Desporto PreferidoPresente, estreia dia 9 no D. Maria II, integrado no festival Alkantara, e tem paragem no Porto a 17, no Rivoli, à boleia do FITEI. “Estou a trabalhar a partir da ideia de matriz, do homem como medida das coisas”, revela Ângela, adiantado alguns pormenores da cenografia, como as cadeiras inspiradas em colunas vertebrais torcidas.

Ângela Rocha conseguiu reunir um currículo assinalável em pouco tempo, mas dispensa quaisquer tiques de jactância. E sabe que a precariedade está sempre ali, ao virar da esquina. “Há aquele momento em que estou a terminar um trabalho e fico ‘e agora, o que vou fazer?’. Escolhi ser trabalhadora independente, há sempre esse risco. Mas está a correr bem”, diz. E sem reacções de paternalismo e condescendência perante a sua idade. “Tenho tido sorte. Tenho conseguido aplicar as minhas ideias, e sei que isso nem sempre é fácil.”

Sente, contudo, que falta em Portugal discussão sobre cenografia. “O Thomas Walgrave [cenógrafo e director do Alkantara] convidou-me este ano para o grupo dos Aware, laboratório de reflexão artística, com artistas de teatro, nacionais e internacionais. Foi importante para mim pois sinto falta de um espaço de conversa e de contacto com outros criadores.”

Idealmente, teria sempre alguém a acompanhá-la na cenografia, de dentro e de fora do teatro – até porque os artistas plásticos são a sua referência. “Para mim não há uma caixinha da cenografia. Podia-se produzir outras coisas, mais ricas, ao trabalhar-se com pessoas de várias áreas. Por limitações de tempo e de orçamento temos perdido este lado da experimentação”, considera a cenógrafa (e figurinista), que também colabora com o grupo de teatro independente Os Possessos, de Lisboa, e integra a equipa do Condomínio, um festival de cultura local em espaços habitacionais. Está ainda a delinear a sua voz autoral, mas o que lhe interessa é criar “ambiências” e não espaços concretos. Uma ideia de porosidade, de algo fluido e aberto, que permita ao espectador gerar a sua própria percepção de espaço cenográfico à medida que a dramaturgia evolui. O que acontecia, por exemplo, em Agamémnon, onde uma imagem antiga e ampliada da frente do D. Maria era fragmentada e estendida numa espécie de cortina, “manipulada pelos actores ao longo da peça”, numa dinâmica de transparências, de recuos e avanços. “Para mim a cenografia deve ter essa capacidade de ser redescoberta durante o espectáculo.”

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