Rita Redshoes e Ana Moura, duas portuguesas em Nova Iorque e um bocadinho de Prince

Uma cantora pop numa sala íntima, uma fadista reconhecida num grande teatro onde também se quis ouvir falar de Prince: roteiro por duas noites em português, do Joe’s Pub ao Carnegie Hall.

Fotogaleria
Ana Moura no Carnegie Hall JACK VARTOOGIAN/CORTESIA CARNEGIE HALL
Fotogaleria
Rita Redshoes no Joe's Pub

“Há uns dias passei por aqui e pensei: ‘não vou entrar’. Assusta um bocadinho.” Rita Redshoes diz isto a menos de uma hora de actuar no Joe’s Pub, a famosa sala de espectáculos no número 425 da Lafayette Strett, em Manhattan. Basta passar a porta principal do edifício e olhar as muitas dezenas de fotos que preenchem de alto a baixo uma das das paredes do átrio interior para perceber que não é um lugar comum. Criado em 1998 com a principal missão de apresentar novos nomes da música mundial em Nova Iorque, o Joe’s, como é conhecido localmente, já recebeu consagrados, como Prince, Leonard Cohen ou Elvis Costello, foi um dos primeiros sítios onde Amy Winehouse actuou nos Estados Unidos, bem como as então novatas Adele ou Lady Gaga. No Joe’s, ouve-se música à mesa, de forma intimista e com uma refeição escolhida de um menu concebido pelo chef Andrew Carmellini (Café Boulud, The Dutch ou Bar Primi). Naquele fim do dia 25 de Abril, seria a vez de Rita Redshoes.

Já desceu ao camarim. Há um cesto com fruta e um vestido de noite pendurado num cabide. Será só ela em palco durante uma hora. Duas noites antes, esteve com uma banda num teatro com 1.200 lugares para cantar apenas duas canções. Foi em New Bedford, no Zeiterion, a principal sala de espectáculos daquela cidade do Massachusetts, como convidada dos IPMA, os International Portuguese Music Awards, que há quatro anos premeiam a música feita por portugueses, ou de origem portuguesa, a viver nos Estados Unidos ou no Canadá. 

Em New Bedford, Rita era uma artista numa grande produção. Em Nova Iorque, penteia-se, sozinha em frente a um espelho, e dependerá apenas de si para mostrar o que vale a um público que, potencialmente, não a conhece. “Estou a tentar não pensar muito nisto”, confessa, não propriamente como quem está quase a concretizar um sonho — “nunca pensei estar aqui” — mas como quem está prestes a ter um momento pelo menos simbólico numa carreira com três álbuns a solo: Golden Age (2008), Lights and Darks (2010) e Life is a Second of Love (2014). “Trouxe músicas desses três discos e arrisquei umas que poderão fazer parte de um novo, não sei ainda bem”, refere, a justificar o alinhamento de um espectáculo que desenhou o mais íntimo possível, para uma sala que comporta pouco mais de 500 lugares à mesa, e onde estará apenas com um piano, uma guitarra e um iPad. “Venho experimentar. Tento pensar neste espectáculo dessa forma, e foi importante na escolha das músicas que trouxe acreditar que elas possam sobreviver só com piano e voz, ou guitarra e voz”, justifica. E nisso é como voltar ao início de tudo, ao princípio do seu processo de composição. “As canções normalmente nascem assim", só ao piano e com a voz a entoar poemas que são também escritos por ela.

Não foi, no entanto, para mostrar a sua auto-suficiência enquanto one-woman-show que Rita Redshoes desenhou o espectáculo no Joe’s Pub. “Foi por pura impossibilidade financeira de viajar com os músicos que trabalham comigo ou de transportar instrumentos musicais”, explica, lamentando a falta de apoios institucionais à promoção de artistas portugueses no exterior. “Ninguém imagina o que custa transportar um instrumento musical no porão de um avião. Bastava uma acção concertada a várias entidades — diplomáticas, por exemplo — para que tudo fosse um pouco mais fácil. Quando se tenta vir mostrar o melhor do que se faz não se traz o melhor porque não se pode”, conclui.

É a segunda vez que Rita Redshoes está em Nova Iorque. A primeira aconteceu em Setembro do ano passado, no Drom, entre o East Village e Alphabet City, em Manhattan, outro espaço destinado aberto a novos talentos da música de todo o mundo. Também dessa vez, a viagem incluiu o estado do Massachusetts  na altura, a cidade de Fall River, perto de New Bedford, onde existe uma grande comunidade portuguesa , e fez-se a convite do Art Institute, uma organização criada em 2011 para promover, a partir de Nova Iorque, a cultura e a arte portuguesas com assinatura contemporânea. “Já tínhamos levado a Rita Redshoes à África do Sul e a Londres. No ano passado conseguimos que ela actuasse no Drom. Foi uma óptima experiência. Agora, quando os responsáveis pelos IPMA nos falaram em trazer a Rita e perguntaram se poderíamos apoiar, dissemos que sim e apontámos para o Joe’s Pub”, conta Ana Ventura Miranda, a fundadora e directora do Art Institute, que celebrou cinco anos no passado dia 16 (também com um concerto e a estreia de um documentário, Portugueses From Soho, com banda sonora assinada justamente por Rita Redshoes e textos de José Luís Peixoto, que chegará a Portugal em Setembro). 

Rita Redshoes não é a primeira portuguesa a actuar no Joe’s Pub. Os Dead Combo estiveram ali em Março de 2015 e Mariza em Outubro. “A nossa intenção é conseguir agendar uns quatro concertos de músicos portugueses por ano neste espaço, de modo a trazer também artistas de jazz, alguns a viver em Nova Iorque”, adianta Ana Miranda sobre um momento que é também um teste à capacidade de atrair público fora dos circuitos tradicionais, ou seja daqueles onde existe uma comunidade portuguesa numerosa. 

Além de temas que já são clássicos na sua carreira, como Dream on girl ou Choose love — ambos interpretados ao piano , Rita Redshoes apresentou duas canções em português, Vestido e Mulher, estreias que estiveram entre os temas mais aplaudidos da noite, e que curiosamente quebram o que já é tradicional nela: cantar em inglês. “Cantar em inglês pode ser uma vantagem em alguns circuitos, se bem que a música tem um poder emocional que está para lá da língua em que é cantada, e que muitas vezes ultrapassa a incompreensão do que se está a dizer. O fado é prova disso. Mas tudo o que é português e não é fado não é fácil de vingar fora do país e demora. O facto de estar aqui a tocar, como outros artistas portugueses já fizeram, é um grande avanço face ao que acontecia há uns anos”, refere Rita Redshoes, que lembra que no dia seguinte, noutra sala da mesma cidade, estará outra portuguesa a cantar.

É Ana Moura. Num concerto esgotado no Carnegie Hall, na noite de terça-feira, 26 de Abril, cinco dias após a notícia da morte de Prince, com a curiosidade dos jornalistas americanos que a queriam ouvir sobre a sua amizade com o artista de Minneapolis. Prince confessou-se várias vezes fã da fadista portuguesa e chegou a cantar com ela em palco, uma das vezes no Meco, em 2010. 

Em Nova Iorque, a fadista portuguesa não deu entrevistas, mas cantou, dedicando o concerto justamente a Prince. 

Numa noite em que partilhou o palco da famosa sala de Midtown com a artista espanhola Buika, Ana Moura apresentou-se com cinco músicos num dos seis espectáculos da digressão que a levou pelos Estados Unidos, e que começou no dia 22 de Abril em São Francisco. Um dos pontos altos do concerto foi Maldição, um dos fados do seu último disco Moura, 2015, numa interpretação tão emocionada quanto contida; o outro foi o já popular Desfado (do disco com o mesmo nome de 2012), com que fechou o concerto e falou uma segunda vez de Prince, depois de lhe dedicar a noite, logo no início. A noite de Ana Moura no Carnegie Hall estava quase a acabar, quando ela disse que era para ele aquela canção de embalar, em dialecto kimbundo. 

Sugerir correcção
Ler 2 comentários