Não há nada a mudar no modelo do CCB
Um administrador nomeado por um Governo deve pôr de imediato o seu lugar à disposição quando o Governo muda.
Várias pessoas que dão a sua opinião sobre o que acham que é ou deve ser o Centro Cultural de Belém (CCB) se referem à necessidade de os governos definirem com clareza o destino a dar àquele equipamento cultural e construírem um modelo imune às pressões políticas, ou seja, às orientações dos executivos. Postas assim as coisas, já se vê como são contraditórias: pede-se aos governos, simultaneamente, que digam o que querem, mas que abdiquem do seu poder para que o que querem seja feito.
A definição do destino daquele equipamento público que, como todo o património público, tem de ser entendido como pertença de todos, deve ser feita por quem tem legitimidade democrática para isso: o Governo. Essa definição deve constar dos estatutos do CCB aprovados por diploma legal. Tendo em conta que a vida está em constante mudança, muitas vezes apressada. A vida cultural em Lisboa e no país mudou imenso nos últimos 23 anos (o CCB, recorda-se, abriu portas ao público em 1993). Os estatutos têm de permitir diferentes concretizações da missão definida, de modo a não estarem permanentemente a ser modificados. Os atuais estatutos têm-no possibilitado. É bom sinal.
O modo como os ministros concretizam, para cada período de governação, o que está definido de um modo flexível nos estatutos, é através da nomeação das pessoas que vão ser responsáveis por gerir o CCB. Tudo se joga aí. Como sempre. O que interessa são as pessoas. As leis ou as orientações programáticas de pouco ou nada servem. Quem seja designado para as interpretar e aplicar é que importa. Esta é uma observação óbvia, ou que a experiência torna óbvia. E não se aplica só à gestão de centros culturais ou teatros nacionais.
Nunca ouvi nenhum responsável governamental que tivesse a tutela do CCB dizer o que quer que fosse de relevante sobre ele. O que me tem cimentado a convicção de que não o fazem simplesmente porque não sabem. Delegam essa tarefa em quem lá põem. Quando me calhou em sorte, formei uma equipa de excecionais programadores e estivemos um mês a discutir entre nós o que achávamos que deveria ser feito. Condensámos em duas folhas de papel o que concluímos, levei para aprovação do meu conselho de administração e de seguida ao senhor ministro. Meras formalidades. Mas as formalidades podem ser justificadas.
Tanto quanto me lembro — mas a memória cria o passado, por isso nela não me fio muito —, o senhor ministro aos costumes disse nada. Que fizéssemos o que bem entendêssemos foi como interpretámos o silêncio. Tinha confiança nas pessoas que nomeava. Um ministro não sabe de programação, nem tem de saber. Tem de saber que política cultural quer para o país e, em traços gerais, como utilizar cada instrumento disponível para a cumprir. A seguir, tem de escolher as pessoas que protagonizem essa política e, salvo quando tem de tomar as decisões administrativas, dar-lhes a liberdade de decisão justificada pelo juízo de competência que sobre elas faz.
No caso do CCB, o Governo tem de saber se quer mantê-lo como centro cultural, tal como os estatutos o definem, ou se quer outra coisa qualquer, como, por exemplo, ser a cabeça de uma gestão integrada do património da zona de Belém composta por monumentos, museus, centros culturais, jardins, muito cobiçada pelos turistas. Até agora, nunca ouvi nenhum ministro ou secretário de Estado dizer que o CCB deveria abandonar o seu desígnio estatutário. O mais que se fez foi encomendar estudos, o que sempre foi uma ótima forma de gastar dinheiro para que se crie a ilusão de mudança.
Julgo que não há nada de essencial a mudar no modelo estatutário, nem deve o Governo pronunciar-se sobre a concretização da programação do CCB. Deve escolher bem as pessoas. Se não está satisfeito com a gestão daqueles que nomeou, muda-os, no final do mandato. Se recebe uma direção que quer mudar, caso ela não ponha o seu lugar à disposição, como refiro adiante, demite e nomeia outra equipa.
Um administrador nomeado por um Governo deve pôr de imediato o seu lugar à disposição quando o Governo muda. O CCB não é uma direção-geral, não é um instituto público. Não é um órgão administrativo que possa ser dirigido por qualquer gestor desde que se ache bom gestor. É um lugar de confiança política, porque concretiza, com ampla liberdade, uma política. Para mim, pôr o lugar à disposição é uma clara exigência ética. Sei que neste ponto, como nos que refiro acima, a minha opinião vai contra o que, talvez maioritariamente, as pessoas pensam. Por isso a dou.
Ex-administrador do Centro Cultural de Belém