Ângela Ferreira vence Novo Banco Photo 2015
Exposição A Tendency to Forget prossegue a investigação da artista sobre as ondas de choque provocadas pelo colonialismo e pelo pós-colonialismo nas sociedades contemporâneas.
Para o Museu Berardo, a artista concebeu uma escultura evocativa do edifício onde funcionava o ministério do Ultramar (actual ministério da Defesa), através da qual se podem ver excertos vídeo da compilação Moçambique. No outro Lado do Tempo (Luís Beja, Beja Filmes, Massamá, 1996) e de vídeos captados por Margot Dias, casada com Jorge Dias, ambos antropólogos, cujo trabalho sobre o povo Maconde de Moçambique lhes trouxe reconhecimento internacional nas décadas de 1960 e 1970.
Se por um lado esta instalação questiona a simbologia e a monumentalidade de uma estrutura que representou o domínio português sobre as antigas colónias, por outro questiona o posicionamento científico e académico destes dois investigadores. Para a curadora Elvira Dyangani Ose, A Tendency to Forget “lida de forma activa com um episódio da história colonial portuguesa” e “desvela não só a importância dos feitos alcançados nos primórdios da chamada Nova Antropologia, como também realça a agenda política escondida por detrás das investigações do casal Dias e das suas alianças com o regime salazarista” (Jorge Dias estudou folclore e etnologia na Alemanha nazi). Ao lado da réplica do edifício da Avenida da Ilha da Madeira (Lisboa), fotografias do antigo ministério do Ultramar e do Museu Nacional de Etnologia surgem lado a lado, naquilo que pode ser entendido como provocação ou um convite à reflexão sobre a proximidade (estão separados por uma rua) de dois edifícios que tanto podem ser antagónicos como complementares.
Nesta instalação multimédia inédita, o júri realça "o trabalho altamente sensibilizado que desafia a nossa percepção do passado e nos confronta com os fantasmas do contexto colonial e pós-colonial". Este trabalho, prossegue o júri no argumentário de premiação, "recorda-nos o lado mais sombrio da modernidade, à medida que desvela o lado oculto dos arquivos onde a artista joga com a tensão entre o visível e o invisível, entre a presença e a ausência, e com o inquietante".
Em declarações ao PÚBLICO, logo após a atribuição do prémio, a artista afirmou que sobre o legado colonial há ainda "coisas profundas por resolver", mas reconhece que Portugal começa a abrir as portas a essa discussão, nomeadamente no campo da arte contemporânea. "Há que questionar os legados de uma forma profunda, estabelecer conexões que não seja meramente para dizer que a culpa é deste ou daquele. Temos que tentar compreender a complexidade dos acontecimentos para evoluirmos para um momento em que podemos ultrapassar esse passado."
No ensaio que assina no catálogo da edição deste ano do prémio, Ose relembra uma frase de Ângela Ferreira que pode servir de referencial para boa parte do seu percurso artístico: “Os edifícios podem ser lidos como textos políticos, e é isso que procuro fazer.” A partir deste posicionamento, a artista, que se formou em escultura na África do Sul, “vai além da superfície de cada estrutura analisada, explorando e revelando as subtilezas dos diversos episódios históricos que deixaram a sua marca nesses edifícios.”
Para Ângela Ferreira, ainda há algum medo de questionar o legado colonial e pós-colonial porque é "um universo que magoa". "É preciso alguma coragem, porque produz algumas emoções e não estou só a falar da questão colonial, o próprio processo de descolonização também não foi gerido em termos de memória. O arquivo desse processo está por abrir. Há feridas que estão por resolver (...). Muitas vezes evitamos falar de certos assuntos porque são desconfortáveis, e eu às vezes não resisto em insistir um pouco."
Sobre a "tendência para esquecer": "Sou aquela pessoa chata que continua a insistir que estes assuntos ainda não estão resolvidos. Este trabalho é a continuação de um outro que fiz em 1997 e que se chamava Amnésia, cujo assunto era o mesmo. (...) Mas o conforto do esquecimento às vezess impede-nos de evoluir filosofica, conceptual e politicamente."
Para além de Ângela Ferreira, foram nomeados para o prémio Novo Banco Photo 2015 o brasileiro Ayrson Heráclito e o angolano Edson Chagas. Em Janeiro, o júri de nomeação escolheu Ângela Ferreira pela exposição Indépendance Cha Cha, apresentada em 2014 na galeria Lumiar Cité, em Lisboa. A exposição Luanda, Encyclopedic City, que representou Angola na 55.ª Bienal de Veneza (2013), onde conquistou o Leão de Ouro pela melhor participação nacional, e a exposição na galeria Belfast Exposed Photography (2014), valeram a Edson Chagas a nomeação. Ao longo de 2014, o brasileiro Ayrson Heráclito participou em várias exposições, entre as quais o júri destaca Segredos Internos (1999-2009), Do Valongo à Favela (Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro) ou Múltiplo II em Histórias Mestiças (Instituto Tomie Ohtake, São Paulo).
Numa primeira fase, cada um dos artistas seleccionados recebe uma bolsa de produção para a realização da exposição que agora se pode ver no Museu Berardo. A partir desta mostra, o júri de premiação escolhe o vencedor. A decisão de atribuir o prémio a Ângela Ferreira foi unânime entre um júri composto por Dana Whabira, artista e curadora independente, Manthia Diawara, historiador de arte e professor da New York City University e Salah Hassan, historiador de arte e professor na Cornell University (EUA).
A artista brasileira Letícia Ramos foi a vencedora da edição do ano passado, que foi disputada com Délio Jasse (Angola) e José Pedro Cortes (Portugal).
Notícia corrigida às 10h20, e às 11h53 de 23.09.2015: onde se lia Museu de Etnografia, deve ler-se Museu Nacional de Etnologia. Onde se lia "vídeos captados pelo casal Jorge e Margot Dias" deve ler-se "excertos vídeo da compilação Moçambique. No outro Lado do Tempo (Luís Beja, Beja Filmes, Massamá, 1996) e de vídeos captados por Margot Dias".