“Ah, você faz um stand-up triste…”
Um homem em cima do palco pensa, canta e fala sozinho. É Gregorio Duvivier, o fundador da Porta dos Fundos, em Uma Noite na Lua, um monólogo sobre a dor de corno que vai percorrer Portugal até Novembro.
Assim começa Uma Noite na Lua, que o actor brasileiro Gregorio Duvivier, humorista fundador do colectivo Porta dos Fundos, estreia esta sexta-feira, 16 de Outubro, no Teatro Micaelense, em São Miguel, Açores, e depois leva em tournée por várias cidades portuguesas até Novembro (cronologia exaustiva: 17 e 18 de Outubro no Centro Cultural da Gafanha da Nazaré; 20 de Outubro no Teatro de Vila Real; 21 de Outubro no Theatro Circo, Braga; 22 de Outubro no Teatro das Figuras, Faro; 24 de Outubro no Centro Cultural das Caldas da Rainha; 27 e 28 de Outubro no Teatro Tivoli, Lisboa; 29 de Outubro no Teatro José Lúcio da Silva, Leiria; 30 de Outubro no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz; 31 de Outubro e 1 de Novembro no Teatro Sá da Bandeira, Porto).
Escrito e encenado por João Falcão, o monólogo foi originalmente interpretado, há quase duas décadas, pelo actor Marco Nanini. “Nanini é genial, não só pelo actor que é mas também porque proporciona esse tipo de coisas”, explica Gregorio ao Ípsilon, sentado num jardim de Lisboa. “Foi ele que encomendou este texto ao João [Falcão], por isso é o responsável pela peça que, com a sua interpretação, fez muito sucesso no Brasil nos anos 90. O texto ganhou vários prémios, Nanini também, e a montagem era incrível. A peça ficou famosa, esteve anos em cartaz”, diz o autor do livro de crónicas Caviar é uma Ova, que acaba de ser publicado pela Tinta-da-China.
Gregorio Duvivier, 29 anos, nunca viu a peça em palco. Viu um vídeo e só porque o encenador queria muito. “Eu nem queria ver para não poluir”, conta, explicando que foi João Falcão que o abordou com a proposta de remontarem o espectáculo. “Fiquei muito honrado porque sou muito fã do trabalho do João. E apaixonei-me pelo texto. Fiquei com inveja por ele o ter escrito, fiquei achando que tinha de ter sido eu a escrever. Como não podia voltar no tempo, resolvi montar a peça.”
Esta é uma peça sobre um homem, em cima de um palco, pensando alto para que a plateia saiba em que está a pensar. Como actor, o que o atraiu na personagem foi ela “passar por todas as emoções que o ser humano pode passar na vida e, numa noite só”. Em poucos segundos, Gregorio Duvivier vai do desespero à euforia, da euforia à solidão, da tristeza à paixão, e apenas numa hora de peça. “Isso é muito desafiante, tentar levar o público junto nessa montanha-russa”, diz.
Num press-release que apresentava a peça em 2012, o próprio Gregorio Duvivier escrevia: “O género do espectáculo é híbrido. Não se sabe ao certo se é uma comédia com momentos tristes ou um drama cheio de humor. Talvez o termo correcto seja ‘epopeia lírica-sentimental’. Mas é um termo pomposo demais. Talvez seja melhor dizer: é como aquelas músicas sobre dor-de-corno. Mas aí é pomposo de menos.”
Depois de três anos com a peça na estrada, o actor explica que além de ser um passeio por muitos sentimentos, Uma Noite na Lua é também um passeio por muitos géneros. É um monólogo cómico, com vários momentos dramáticos, por vezes até trágicos. “Tem um pouco do thriller, do suspense e do musical. É cómico, mas é também lírico e sentimental. Gosto muito disso talvez por eu ser um cara meio indeciso. Não conseguia fazer uma peça só dramática, ficaria pensando na comédia que não estou fazendo. E se fizesse uma comédia, ficaria pensando no drama que não estou fazendo.”
Uma das razões por que João Falcão queria que Gregorio Duvivier visse a encenação dos anos 90 era para que o actor compreendesse que se tratava mesmo de fazer uma recriação. “A peça anterior tinha uma grande montagem, um grande cenário cheio de pirotecnias, com uma grande quantidade de efeitos, de som e luz.” Nesta nova montagem, pelo contrário, tudo é sugerido. “Trabalha-se com a imaginação do público e tem mais a ver com o texto, porque entra-se na cabeça do sujeito. É muito legal porque no final nos vêm dizer: ‘Uau, parecia que tinha um cenário gigantesco!’ ou ‘Parecia que o palco estava cheio de gente’. O bom do palco nu é isso, ele tem possibilidades infinitas. O palco cheio de cenário atravanca, só pode ser o que ele é.”
Um susto
Por via das músicas, também compostas por João Falcão – que é natural de Pernambuco, onde há uma tradição muito forte de literatura de cordel –, Uma Noite na Lua é ao mesmo tempo um musical. Mas o próprio texto tem um ritmo que Gregorio Duvivier considera "perfeito": "Se eu tiro uma palavra, a piada deixa de ter graça. Já tentei algumas vezes mudar o texto, aqui ou ali, e sempre é melhor do jeito que está escrito. Demorei a perceber que algumas coisas rimam mas não de uma maneira óbvia.”
Fisicamente, o espectáculo é extenuante. Para se preparar, Gregorio Duvivier teve até de fazer circo. No início, o encenador achou que ele poderia passar a peça inteira pendurado num trapézio, suspenso, como se estivesse na lua. “Então fiquei um tempão fazendo acrobacia aérea." Depois o encenador quis que tudo fosse feito no solo, mas que o actor estivesse “equilibrado”, talvez num monociclo, e Gregorio aprendeu a andar de monociclo. Acabou por ficar em pé, no meio do palco, explorando tudo o que pode acontecer num metro quadrado. Mas tudo o que fez serviu para ter uma consciência do corpo mais intensa, e mais sentido de equilíbrio também.
Quando o actor se estreou nesta peça em 2012, ainda não existia o colectivo Porta dos Fundos, de que Gregorio foi fundador, nem ele era tão famoso como hoje, com livros publicados e crónicas semanais na Folha de S. Paulo. Depois desse salto, Uma Noite na Lua teve de trocar o teatrinho alternativo de 120 lugares em que começou por poder ser vista pela sala de 900 lugares onde fez a última temporada no Rio de Janeiro, este Verão.
Há uma diferença grande entre a plateia dessa época e a plateia de agora. Muitos vão ver a peça por causa do efeito Porta dos Fundos. Gregorio acha “legal” surpreender esse público com um humor mais poético. “Não sei como está aqui, mas no Brasil só tem stand-up comedy. Então vão ao espectáculo esperando um stand-up, mesmo não tendo nenhuma informação no cartaz dizendo isso. Gosto de lhes dar um susto."
Gregorio fica muito feliz quando no final as pessoas lhe dizem: “É a primeira peça de teatro que vejo, só via stand-up. Não sabia que existia isso.” E nunca esquecerá aquele garoto que lhe disse depois de ver esta peça: “’Ah você faz um stand-up triste…’ Porque para ele não tem drama, tem stand-up triste e stand-up cómico, tudo é stand-up. É bom levar para o teatro um público que não está acostumado a ir.”