Adeus, “Bulldozer”: morreu Bud Spencer
O actor italiano de incontáveis comédias de acção e western-spaghetti, Carlo Pedersoli de seu nome, morreu em Roma aos 86 anos de idade.
O título de um dos seus filmes mais populares – O Murro Atómico – era uma definição tão boa como qualquer outra para a personagem que, com escassas variações, fez a carreira de Bud Spencer, morto aos 86 anos de idade ao fim da tarde desta segunda-feira em Roma: o brutamontes de bom coração. Amigo do seu amigo mas pouco disposto a que lhe “comessem as papas na cabeça”, sempre pronto para uma bela cena de pancadaria; Obélix junto ao Astérix de Terence Hill, com quem partilhou o estrelato e formou uma das grandes parelhas do cinema popular europeu da década de 1970. Os títulos dos filmes, por si só, trazem memórias a quem os viu nas grandes salas populares de Lisboa e Porto: Trinitá, Cowboy Insolente; Chega-lhe, Amigo; Vamos a Isto, Rapazes; Juntos São Dinamite; O Murro Atómico; Chamavam-lhe Bulldozer; A Super-Patrulha; O Xerife Quebra-Ossos; Pela Medida Grande…
Spencer, contudo, era mais do que apenas o actor de comédias de acção. O sucesso chegou-lhe tarde, quando o actor se aproximava dos 40 anos, já com dois filhos, um passado de nadador olímpico medalhado na equipa italiana (que só abandonaria em 1960), o curso de direito, experiências como letrista (para Ornella Vanoni) e muitos outros empregos. Afinal, Carlo Pedersoli, como nascera em Nápoles em 1929, habituou-se desde muito cedo a ser faz-tudo, sobretudo depois da mudança da família para o Brasil após a Segunda Grande Guerra (chegou a ser secretário consular no Recife). O cinema acenou-lhe na década de 1950, atraído pelo seu físico de desportista, mas foi inicialmente sol de pouca dura e só no final da década é que os papéis começaram a ser mais do que apenas figurações pontuais.
Deus Perdoa… Eu Não!, western-spaghetti de Giuseppe Colizzi, em 1967, marcou o primeiro encontro de Pedersoli com Mario Girotti, o primeiro filme de Terence Hill e Bud Spencer. Os pseudónimos americanizados eram regra para os actores europeus da altura, para permitir que as produções locais, muitas vezes dobrados em inglês, fossem exportadoa para os mercados ingleses; Girotti tornou-se Terence Hill, escolhido ao acaso de uma lista proposta pelos produtores, enquanto Pedersoli amalgamou a cerveja Budweiser com o nome do seu actor preferido, Spencer Tracy. A dupla reencontrou-se nas sequelas O Ás Vale Mais (1968) e A Colina dos Sarilhos (1969), mas foi Trinitá Cowboy Insolente (1970) e a sua sequela Continuaram a Chamar-lhe Trinitá (1971) que fizeram disparar a cota internacional dos dois actores. A certa altura, Hill e Spencer eram os actores mais bem pagos do cinema italiano, pelo meio de obras mais ambiciosas que Spencer rodou a solo como O Inspector Martelada (1973), comédia policial dirigida por um dos nomes grandes da comédia italiana, Steno, ou O Soldado Aventureiro (1976), adaptação de uma personagem clássica da literatura transalpina.
Hill e Spencer rodaram 18 filmes juntos, e pelos últimos, já nos anos 1980, os pastiches italianos do policial ou do western já não conseguiam aguentar o embate com as super-produções americanas. Muito marcada pelo período em que viveu, a carreira de Spencer mudou-se para a televisão, em séries que ajudou a criar, escrever ou produzir e que prolongavam o lugar-comum do duro de bom coração que fizera o seu sucesso. Regressou pontual e discretamente ao grande écrã, sem que, por exemplo, o seu “reencontro” com Terence Hill em 1994 em Os Caça-Sarilhos conseguisse repetir a velha chama. Vimo-lo pela última vez nas salas em Cantando por Detrás das Cortinas, uma adaptação de Jorge Luis Borges por Ermanno Olmi (2003). Bud Spencer, nome artístico de Carlo Pedersoli, morreu “serenamente”, nas palavras do filho mais velho, Giuseppe, em Roma, aos 86 anos de idade.