A tarde em que a Bienal de Cerveira não discutiu Yanis Varoufakis
A artista visual Danae Stratou, mulher do ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis, veio a Portugal apresentar o seu trabalho. Avisou que não falaria de nenhum outro assunto – mas, admitiu, toda a arte é política.
É um país no olho do furacão, a Grécia, portanto não há como evitar – apesar dos avisos prévios de que Danae Stratou não aceitaria falar sobre outro assunto que não o seu trabalho artístico – o cerco de jornalistas no Fórum Cultural de Cerveira à espera de uma declaração (ou, à falta dela, de um acto falhado), sobre o braço-de-ferro actualmente em curso entre o Governo de Alexis Tsipras e a troika, ainda que o assunto da conferência que a trouxe a Portugal (e em que teve como interlocutora a crítica de arte e curadora Fátima Lambert) fosse A produção e a musealização da obra de arte no formato digital.
Na quarta-feira, enfim, foi um assunto que interessou a muita comunicação social portuguesa, do PÚBLICO ao Correio da Manhã, do Expresso à TVI. Diplomaticamente, Danae Stratou, que em parte a opinião pública mundial conhece da polémica sessão fotográfica para a Paris-Match, devolveu a ironia: “Não sou assim uma artista tão importante para toda a gente querer falar comigo”, retorquiu, quando ainda achava viável furtar-se às perguntas. Não podendo vencê-las, acabou por juntar-se a elas, depois da curtíssima visita guiada a VS – Istanbul, uma das instalações (ainda em fase de montagem) com que participará na próxima edição da Bienal de Cerveira, que decorre de 18 de Julho a 19 de Setembro. Repetiu que “preferia não comentar a situação política e económica na Europa” quando, enviesadamente, lhe perguntaram se também encontrava as fracturas e as divisões geopolíticas que lhe interessam enquanto artista (Cut _7 Dividing Lines, a outra instalação que trará a Cerveira, foi fotografada nalgumas das fronteiras mais disputadas e militarizadas do mundo) nesta União Europeia dividida ao meio entre o Norte rico e o Sul endividado e empobrecido. Mas retomou os termos em que tinha colocado a questão no final da conferência, defendendo que “todos os seres humanos” – incluindo os artistas – “são seres políticos” e que no limite toda a arte é “um statement”. Incluindo a land art, movimento que abandonou em direcção a um trabalho mais declaradamente comprometido (e que alguém na plateia considerou também “mais perigoso” do que obras atmosféricas como Desert Breath (1997), que instalou no Sara): “Toda a arte é política – e a land art também pode ser muito política, porque o ambiente e a natureza são questões extremamente fracturantes. Como artista, não tenho só um meio nem só um tópico – reajo à vida e ao que está à minha volta.”
It’s Time to Open the Black Boxes!, de 2012, foi a maneira como reagiu ao desastre financeiro grego, sublinhou quando o PÚBLICO lhe perguntou se como artista sente vontade de trabalhar em cima da crise financeira: “Já o fiz – acho que fui um dos primeiros artistas gregos a abordar a crise. Aliás estava com uma equipa de jornalistas portugueses, do Expresso, quando me apareceu a ideia: foi no dia em que foram encontradas as caixas negras do voo Air France 447, por coincidência também o dia em que foi preso o Julian Assange, do Wikileaks”. As caixas negras, explicou, são o último recurso para perceber as causas de um acidente – e a crise, subentendemos, é o maior acidente da vida pública grega nas últimas décadas. Quando pediu a cidadãos comuns para lhe enviarem as palavras que melhor sintetizassem o que mais temem ou o bem que mais querem ver protegido, apareceram coisas como “amor” ou “casa”. “Mas uma das palavras que apareceu mais vezes foi dignidade, o que eu acho espantoso”, acrescentou, informando que agora que regressou à Grécia (nos últimos anos viveu em Austin, no Texas, onde em 2007 conheceu Varoufakis) pretende retomar o projecto, agora em formato digital. “É uma maneira de dar voz, sem censura, àquilo que sentimos e àquilo que tememos perante esta crise multifacetada”, disse.
On the road com Varoufakis
Até ao fim da conferência, a situação actual na Grécia foi tema-tabu. Mas Danae Stratou não evitou falar de Varoufakis, que explicou ter conhecido durante a viagem de 60 mil quilómetros, tipo volta ao mundo (Chipre, Kosovo, Belfast, Etiópia-Eritreia, Índia-Paquistão, EUA-México, Israel-Palestina), que precedeu Cut _7 Dividing Lines, o seu trabalho sobre as fronteiras. “Foi esta viagem que nos aproximou. Para ele foi extraordinário. Como académico, tinha passado anos a estudar aquelas questões em arquivos e bibliotecas; finalmente saía para o terreno e podia falar com as pessoas que vivem naquelas zonas cinzentas”, contou, comentando algumas das imagens (legenda para as de Caxemira: “Num dos dias em que lá estivemos o Yanis teve uma febre de 40 graus…”).
Quase no fim da sua visita-relâmpago ao Fórum Cultural de Cerveira, quando já se encaminhava para as mesas com sortido húngaro, acabou por aceitar falar da crise para dizer que “claro, quando não há dinheiro a cultura é a primeira a ser afectada”. Não é necessariamente mau, é só o que é: “Isso também obriga os artistas a pensarem mais – e mais profundamente. Os historiadores do futuro verão a crise reflectida na arte que está a ser produzida hoje.” Tal como verão o drama semi-apocalíptico da pressão demográfica reflectido no projecto que agora está a desenvolver, Vital Space, sobre a vida em megacidades como Istambul, Cairo, Paris, Los Angeles ou Atenas.
É para lá, ou seja para casa, que vai a seguir, e não haverá como não mostrar os sinais da crise, já que parte do projecto consiste em filmar as multidões que enchem os transportes públicos desses centros urbanos à beira da lotação esgotada (a outra parte inclui helicópteros, embora Danae Stratou garanta que é um projecto de “baixo orçamento”). Em Julho, volta a Cerveira para inaugurar VS – Istanbul e Cut _7 Dividing Lines e fará mais declarações. Talvez nessa altura alguém se atreva a perguntar o que mais interessa: se foi ou não por causa dela que Jarvis Cocker escreveu a mais famosa e imortal canção dos Pulp.